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A empresa pública Complexo Industrial Portuário – Suape foi responsabilizada pelo Tribunal Internacional de Despejos (TID), no Fórum Social Mundial, por despejos irregulares em massa de famílias da comunidade quilombola da Ilha de Mercês, localizada próximo à refinaria e ao estaleiro do complexo. Atualmente resistem no território 213 famílias, mas estima-se que mais de 600 tenham sido retiradas – muitas de forma irregular – ao longo dos últimos anos.
O julgamento aconteceu nos dias 13 e 14, em Salvador, durante o Fórum Social Mundial, na sétima edição do tribunal no mundo. A denúncia do caso foi apresentada pelo Fórum Suape e uma representação da comunidade, que defenderam a importância de expor as constantes e sistemáticas violações de direitos, não apenas com relação à moradia, mas também à destruição do meio ambiente, proibição de construção e reformas de casas, além de ameaças à vida por ação de milícias vinculadas à área de segurança de Suape. “Eles fazem isso para que fique impossível para as pessoas viver ali”, diz Magno Araújo, líder quilombola, que também sofreu ameaças.
O TID notifica e convida os acusados a prestar esclarecimentos e enviar representações ao julgamento. O complexo portuário de Suape e o Governo de Pernambuco foram contactados, mas não responderam ao TID. Foi reservada uma cadeira dos réus violadores, simbolizando o descaso do Estado com as vítimas que produz.
Um das estratégias de Suape identificada é a pulverização de processos de remoção das famílias, questão colocada como crítica pelo júri. “Isso significa a fragilização de quem já está mais vulnerável”, disse a integrante do júri sobre o veredicto do TID.
Para o Fórum Suape, a empresa pública vem sendo blindada pelo Governo do Estado por ser considerada a redenção econômica de Pernambuco e isso não permite que denúncias de violações cheguem à sociedade. “Nossa estratégia tem sido buscar instrumentos de pressão fora do estado. Fazemos uma disputa de narrativa no estado e também fora, porque Suape tem reconhecimento internacional. O complexo é considerado um exemplo de sustentabilidade, visto como amigo dos povos e do meio ambiente”, explica Luísa Belfort, advogada popular do Fórum.
“A grandiosidade de Suape é exportada no caráter positivo, do desenvolvimento econômico, mas não é remetida à grandiosidade do impacto que o complexo causa. Não só à luta quilombola, mas à luta dos povos e comunidades tradicionais que sofrem com os grandes empreendimentos.”, diz Luísa. Para ela, a população de Suape como um todo está em situação semelhante à de Belo Monte, por exemplo.
Reparação e reconhecimento
Nas recomendações, o TID deu destaque à importância de cessar as violações e buscar meios de reparação para as famílias que já foram retiradas do território, com a destinação de terreno próximo para reassentamento “garantindo os modos de vida da comunidade quilombola”. Apesar de ter a certificação do território pela Fundação Palmares, a comunidade da Ilha de Mercês não tem qualquer proteção e garantia da preservação dos seus modos de vida.
“Desde já recomendo a Suape, sem prejuízo de todas as violações já praticadas – e isso certamente depende de um processo apuratório – respeitar o direito da comunidade quilombola à posse, à ocupação e à exploração sustentável do território certificado sem nenhum incômodo. O que inclui o acesso irrestrito à realização de reformas, atividades pesqueiras e extrativistas tradicionais sem as quais os modos de vida dela não são respeitados”, disse a relatora para o caso.
O TID recomenda diretamente ao INCRA a priorização do processo de titulação. Atualmente, o órgão tem apenas dois antropólogos para realizar os procedimentos de titulação. “Não só a violação já sofrida, como as violações que continuam ocorrendo justificam a aceleração do processo”, defende.
Além desta, o TID apontou a necessidade de articulação entre MPPE, MPF e Procuradoria Geral da União para cumprimento de recomendação específica que não vem sendo acatada por Suape; produção e documentação de todas as violações e apoio jurídico às comunidades, com garantias da participação das famílias no processo de reparação, e parcerias com universidades; não cobrança de pedágio; adoção de medidas para que comunidade resgate a história do território e o registro das famílias que já foram retiradas.
Com relação às milícias, o TID recomendou a expressa articulação da Secretaria de Defesa Social e Ministério Público estadual e federal para acompanhamento das denúncias. A experiência da comunidade é de que até a tentativa de registro de ocorrências como roubos, ameaças sequer são aceitas nas delegacias do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca. Para o Governo de Pernambuco, o TID recomendou a indenização real por todos os danos – não só patrimoniais, mas morais e coletivos e a cobertura dos gastos com o reassentamento das famílias.
Estado de violações
Além do caso pernambucano de Mercês, o TID julgou outros quatro casos em que o Brasil, governos estaduais e municipais são os violadores de direitos de populações em situação de rua, sem teto, povos e comunidades tradicionais e grupos sociais vulnerabilizados. Ao todo, o Tribunal recebeu 34 casos e selecionou cinco para representar a diversidade e complexidade dos desafios enfrentados.
Os outros casos abordados foram os Despejo dos Despejados, apresentado pelo Movimento da População de Rua; Cidade das Luzes, em Manaus; a Ocupação São Bernardo, pelo MTST, em São Paulo; e da comunidade pesqueira e vazanteira de Canabrava, em Minas Gerais.
O tribunal é uma articulação da sociedade civil internacional que julga casos de despejos e violações de direitos humanos no mundo praticados por empresas e governos. Ele nasce como parte da Campanha Despejo Zero, organizada pela Aliança Internacional dos Habitantes.
Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.