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Crédito: Tony Webster/Wikimedia Commons
Os índices do boletim epidemiológico de HIV no Brasil, com dados comparativos dos anos de 2009 e 2019, mostram que, enquanto municípios das regiões Sul e Sudeste apresentaram uma queda considerável no número de casos de infecção do vírus da imunodeficiência humana (HIV/Aids), as regiões Norte e Nordeste tiveram um aumento no contágio.
Só o município de São Paulo reduziu em 36% o número de casos em 2020, se comparado aos dados de 2016. A queda acontece de maneira efetiva desde 2017 e, de acordo com infectologistas, isso se deve às políticas de prevenção, que apresentam como principais medidas o aumento de testagem de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e da distribuição dos medicamentos antirretrovirais, que reduzem os riscos de contágio do HIV.
“São Paulo é uma grande referência no diagnóstico de HIV porque desde a implementação da PrEP [Profilaxia Pré-exposição] os índices de infecção têm diminuído bastante em um intervalo de tempo relativamente pequeno, e isso se deve a política de saúde que foi adotada. Em São Paulo, eles têm diversas ações nas ruas de conscientização e monitoramento dos candidatos ao medicamento e um atendimento ampliado de médicos e distribuição da profilaxia”, declarou o médico infectologista da Clínica do Homem do Recife, Bruno Ishigami.
A Profilaxia Pré-Exposição, mais conhecida pela sigla PrEP, é um medicamento utilizado antes da exposição a um determinado patógeno para reduzir a probabilidade de infecção. No caso do HIV, a PrEP é utilizada justamente para ser mais uma barreira contra o vírus e pode ter resultados bastante eficazes se combinada a outras medidas de prevenção, como o uso de camisinha e a testagem regular.
Atualmente, no Brasil, para se tornar um usuário da PrEP é preciso procurar os centros de saúde que fornecem o medicamento e solicitar atendimento, que acontece nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, por ser um serviço recente no país – com apenas cinco anos de implementação – , o uso da profilaxia ainda é bastante limitado,. Para ser ter acesso é preciso atender a um certo perfil, determinado de acordo com as demandas detectadas pelos profissionais de saúde da rede pública. Atualmente, pessoas com uma vida sexual ativa e com múltiplos parceiros e parceiras sexuais são os principais candidatos ao uso da PrEP.
“Devido a esse critério da exposição a gente tem grupos específicos que são fortes candidatos ao uso da PrEP, como profissionais do sexo, transexuais, homossexuais, pessoas que costumam praticar sexo anal e, por isso, correm mais risco em contrair HIV. Entretanto, não há um critério tão objetivo, porque, por exemplo, se você é uma pessoal heterossexual e tem múltiplos parceiros sexuais, você já é um forte candidato ao uso de PrEp”, afirmou Ishigami.
De acordo com Jô Meneses, coordenadora de Programas Institucionais da ONG Gestos e integrante do Fórum Estadual de Prevenção Combinada das ISTs, atualmente, há uma preocupação em tornar a profilaxia mais acessível às pessoas negras, de baixa renda e transexuais, já que, de acordo com os dados de Pernambuco, a grande maioria dos usuários da PrEP no estado são homens cisgêneros de classe média.
“As pessoas negras e transexuais geralmente estão mais expostas aos riscos de contrair HIV, pois elas são maioria entre profissionais do sexo, mas essas pessoas muitas vezes não têm acesso à informação e não conhecem a PrEP. Por isso, só procuram os serviços de saúde quando já estão infectadas. A profilaxia seria uma segurança importante para elas”, defendeu a coordenadora.
A distribuição da Profilaxia Pré-exposição só teve início em Pernambuco no ano de 2018. De acordo com dados do Fórum Estadual de Prevenção Combinada das IST, Aids e Hepatites Virais, atualmente, 536 pessoas fazem uso da PrEP. Outras 361 solicitaram o uso do medicamento, mas seguem na fila de espera.
Os atendimentos e distribuição da PrEP no estado acontecem em apenas cinco unidades de saúde: Hospital Universitário Oswaldo Cruz e Hospital das Clínicas, no Recife; Centro de Testagem e Aconselhamento em Caruaru; Serviço de Assistência ESpecializada (SAE) e Unidade de Saúde Básica Bernardino Campos Coelho, ambos em Petrolina.
Segundo os dados do Fórum Estadual, mais de 80% dos usuários da profilaxia são homens cisgêneros homossexuais, seguidos de mulheres cisgêneros, homens cisgêneros héteros, mulheres trans e, por último, travestis.“Assim que a PrEp foi implementada no Brasil só quem tinha acesso era quem tinha uma maior escolaridade e a gente vê que isso ainda é frequente, a maioria dos usuários de PrEp hoje são homens brancos homossexuais”, explicou o infectologista Bruno Ishigami.
Entre as pessoas que solicitaram acesso ao uso da PrEP e seguem na fila de espera a maioria são mulheres, homens cisgêneros heterossexuais e caminhoneiros. Além disso, os dados mostram que o grupo populacional que tem mais dificuldade em acessar a profilaxia são pessoas trans, travestis e profissionais do sexo, um dado que enfatiza a importância da ampliação de informações sobre o medicamento e sua maior distribuição para pessoas de baixa renda.
O baixo recebimento de medicamentos para distribuição e a falta de profissionais de saúde com carga horária disponível para realizar os atendimentos faz com que o número de pessoas usuárias da PrEP seja reduzido e, consequentemente, o perfil do usuário que tem prioridade no uso da profilaxia se torna estigmatizado e excludente, como reforça Ishigami.
“O HIV ainda é uma infecção que carrega muitos estigmas devido ao seu histórico, de ter uma grande incidência em homossexuais. As medidas de prevenção até hoje refletem esses estigmas, mas, atualmente, no Brasil, a gente testemunha um crescimento importante da HIV na população heterossexual, idosa e gestante. Então, eu acho que a gente precisa fazer um grande esforço para mudar essa realidade”, declarou.
“É muito triste quando a gente recebe um paciente que é forte candidato a ser usuário da PrEP, mas por falta de medicamento ele acaba demorando muito a receber a profilaxia. Já vi casos de pessoas que estão na fila para receber a PrEP e acabam se infectando antes mesmo de ter a chance de usar o medicamento”, completou o infectologista.
A fim de atender um número maior de pessoas, foi apresentado ao Fórum Estadual de Prevenção uma proposta de ampliação da distribuição da PrEP em Pernambuco, com serviços de atendimento em mais cinco hospitais do estado localizados na Região Metropolitana do Recife, agreste e sertão. Além disso, uma medida do Ministério da Saúde, que possibilita a prescrição da PrEP também por profissionais de saúde da rede privada, tende a proporcionar uma folga na rede pública e aumentar o número de usuários atendidos.
Apesar de ter mais de 90% de eficácia na prevenção do HIV, a Profilaxia Pré-disposição não é uma barreira para outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), por isso, especialistas reforçam que o uso da PrEP deve ser acompanhado de outras medidas eficazes, como uso de camisinha.
“Nos últimos anos, o que a gente testemunha é o crescimento de outras ISTs, como sífilis e gonorreia, e para essas doenças a melhor prevenção segue sendo o uso do preservativo, por isso, o uso da PrEP não pode ser uma justificativa para descartar a camisinha”, declarou Jô Meneses.
No entanto, o uso da PrEP requer a testagem frequente do usuário e o acompanhamento por profissionais de saúde, o que possibilita um maior controle do contágio de todas as ISTs, como explica o cineasta e diretor do documentário Deus tem AIDS, Gustavo Vinagre, usuário da profilaxia desde 2017. “É uma experiência muito boa você ter uma barreira a mais contra o HIV, e com o uso da PrEP a gente tem um acompanhamento médico e faz exames de ISTs a cada três meses, o que possibilita a detecção rápida e o tratamento imediato das infecções. A gente passa a ter obrigação e a estar sempre vigilante com a saúde do nosso corpo”.
A PrEP não apresenta nenhuma reação adversa grave e os efeitos colaterais mais frequentes detectados pelos estudos do medicamento são dor de cabeça, dor de estômago, perda de apetite, náuseas, flatulência, vômitos, tonturas, fadiga, dor nas costas e aumento leve das enzimas presentes no fígado. Na grande maioria dos casos, os efeitos só acontecem no momento inicial da ingestão e desaparecem em até três meses de uso. De acordo com Bruno Ishigami, o acompanhamento frequente com profissionais de saúde possibilita a suspensão imediata da PrEP em caso de efeito colateral grave ou adverso tornando o tratamento bastante seguro.
Esta reportagem foi produzida com apoio do Report for the World, uma iniciativa do The GroundTruth Project.
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.