Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Conheça a vacina do Butantan capaz de prevenir a dengue com apenas uma dose

Maria Carolina Santos / 27/12/2024
Foto de três frascos de vacina contra a dengue produzida pelo Instituto Butantan a partir de vírus atenuado. Os frascos tem rótulo branco com uma faixa superior verde e tampas de metal. O fundo da foto é escuro, com a luz incindindo apenas sobre os frascos de vacina.

Crédito: Comunicação Butantan

É esperada para 2025 a aprovação da vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan e que deve ter distribuição pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Sendo aprovada pela Anvisa, será a primeira vacina do mundo em dose única contra uma doença que só faz crescer no Brasil: foram mais de 6,5 milhões de casos prováveis de dengue até o começo de dezembro de 2024, um aumento colossal de 400% em relação a 2023. Apesar de comum, é uma doença grave e que mata, com 5.872 mortes confirmadas em 2024.

A vacina Butantan-DV é um alento na luta contra a dengue por vários motivos. Além de ser dose única, o que ajuda na adesão à vacinação, é tetravalente, protegendo contra os quatro sorotipos do vírus, e será produzida no Brasil, aumentando o acesso e a disponibilidade de doses, uma das barreiras da vacina Qdenga, do laboratório japonês Takeda, única hoje disponível no SUS apenas para uma faixa etária restrita. A nova Butantan-DV também pode ser tomada por quem já teve e por quem nunca teve dengue.

A vacina não é completamente brasileira. Foi desenvolvida a partir de um protótipo do Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. No Butantan passou muitos anos sendo aprimorada e testada em seres humanos – o protótipo precisava ser mantido a -80 graus Celsius e a atual é em pó, por exemplo.

Em estudo publicado em agosto na revista The Lancet Infectious a vacina também se mostrou bastante eficaz. Quatro anos após a aplicação da vacina, a proteção caiu de 79,6% para, em média, 67,3% das pessoas imunizadas apresentarem sintomas leves, moderados ou graves de dengue. E houve uma proteção de 89% contra dengue grave/sinais de alarme.

“A redução da proteção de 79,6% para 67,3% após quatro anos da administração mostra que, apesar de uma leve queda na imunidade, a proteção ainda é significativa. Esses resultados indicam que, pelo menos até o momento, não há necessidade de se adotar uma dose de reforço”, afirmou o cientista Rafael Dhalia, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco, que trabalhou no desenvolvimento da vacina.

A Marco Zero conversou com Dhalia sobre outros aspectos da produção da vacina. Confira abaixo.

Por que demorou tanto para desenvolver essa vacina da dengue no Brasil? Como foi a parceria com o Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos?

O desenvolvimento de uma vacina contra a dengue é um processo longo, independentemente do país de origem. A primeira vacina, por exemplo, a Dengvaxia® da Sanofi-Aventis, levou mais de duas décadas para ser desenvolvida. As vacinas Qdenga® da Takeda e a Butantan-DV do Instituto Butantan iniciaram suas fases de desenvolvimento no final da década de 1990. A demora no desenvolvimento dessas vacinas se deve ao fato de serem tetravalentes, compostas por vírus atenuados que devem fornecer uma resposta imunológica equilibrada contra os quatro sorotipos do vírus da dengue (DENV-01, DENV-02, DENV-03 e DENV-04). O processo de atenuação e confirmação de segurança, bem como a avaliação da proteção contra os quatro sorotipos (que depende da sazonalidade de circulação do vírus), são aspectos que tornam o desenvolvimento dessas vacinas mais laborioso e demorado.

A parceria com o NIH ocorreu após uma década de desenvolvimento das cepas atenuadas para os vírus DENV-01, DENV-02, DENV-03 e DENV-04. Quando os cientistas do NIH identificaram os melhores candidatos para a formulação de uma vacina tetravalente contra a dengue, o Instituto Butantan obteve as patentes das cepas. A partir daí, após quatro anos de experimentação para chegar a uma versão final, iniciou-se em 2016 um Estudo Clínico Multicêntrico em 16 centros de pesquisa brasileiros, incluindo a Fiocruz Pernambuco.

A foto mostra Rafael Dhalia em um ambiente de laboratório, vestindo um jaleco branco com um logotipo na manga e uma luva em uma das mãos. Ele é branco, tem barba curta e cabelos escuros e está sentado próximo a uma bancada de laboratório. Na bancada, há diversos frascos e equipamentos típicos de pesquisa científica, como tubos de ensaio, recipientes com líquidos e materiais de laboratório. Ao fundo, há armários e prateleiras com mais instrumentos e materiais de pesquisa. A expressão do homem é séria, e o ambiente sugere que ele está envolvido em atividades científicas ou de pesquisa médica

Rafael Dhalia, da Fiocruz, participou do desenvolvimento da nova vacina

Crédito: Divulgação/Fiocruz

O que a vacina da dengue do Butantan tem de diferente das demais para conseguir ser eficaz apenas com uma dose? Deve ser tomada apenas uma vez na vida? O esquema de vacinação ainda pode mudar?

Ainda não existe uma resposta definitiva para explicar porque apenas a vacina Butantan-DV é eficaz com uma única dose, embora a maior variedade de proteínas do vírus dengue presentes na vacina do Butantan seja um fator que provavelmente contribui para essa eficácia. Enquanto a composição da Dengvaxia inclui 8 proteínas específicas do vírus da dengue, a Qdenga possui 16 e a Butantan-DV contém 32 proteínas específicas da dengue. A maior variabilidade de proteínas das diferentes cepas de dengue na Butantan-DV pode ser um dos fatores que explicam sua eficácia com uma dose única, mas isso ainda requer uma investigação mais detalhada.

No que diz respeito ao número de doses necessárias ao longo da vida, ainda não é possível determinar se apenas uma dose será suficiente. Essa avaliação só poderá ser realizada através de estudos de farmacovigilância em indivíduos vacinados, analisando-se os níveis de anticorpos protetores e a resposta celular induzida pela vacina ao longo dos anos. Considerando que a tecnologia usada na vacina da dengue é a mesma empregada na vacina da febre amarela, é razoável especular que uma segunda dose após um período de 10 anos poderá ser necessária para manter a eficácia da vacina contra a dengue. No entanto, o esquema vacinal pode ser ajustado dependendo dos resultados dos estudos de farmacovigilância mencionados anteriormente.

<+>

O Instituto Butantan já afirmou que tem capacidade para disponibilizar cerca de 100 milhões de doses ao Ministério da Saúde nos próximos três anos, sendo um milhão de doses da vacina entregues já em 2025.

A vacina contra a dengue do Butantan é tetravalente, mas ela funciona melhor para algum dos quatro tipos de vírus da dengue?

A vacina do Butantan foi desenvolvida para proteger contra os quatro sorotipos do vírus da dengue. Durante o estudo de Fase III da Butantan-DV, apenas os sorotipos 1 e 2 circularam no Brasil. Nesse contexto, foi possível descrever uma eficácia de 89,5% contra o DENV-1 e de 69,6% contra o DENV-2.
Embora ainda seja necessário avaliar a eficácia da vacina contra os sorotipos DENV-3 e DENV-4, que não circularam no Brasil durante o estudo, as etapas anteriores da pesquisa indicaram que a vacina induz a produção de anticorpos neutralizantes contra todos os quatro sorotipos do vírus. Até o momento, podemos afirmar que a vacina é mais eficaz contra o DENV-1.

No final de setembro, o Ministério da Saúde afirmou que apenas 48,88% das 4.792.411 vacinas contra a dengue distribuídas pelo Governo Federal desde fevereiro foram aplicadas. A procura tem sido baixa, mesmo com mais um ano com recorde de casos de dengue. Por que você acha que existe essa hesitação? A vacina do Butantan, por ser por uma faixa etária mais ampla e de dose única, pode ter uma adesão maior?

A hesitação vacinal é um fenômeno mundial agravado por campanhas de desinformação, conhecidas como fake news. Infelizmente, na era da pós-verdade, opiniões de leigos nas redes sociais ganham força e impactam diretamente as taxas de vacinação. Isso resulta no ressurgimento de doenças evitáveis e no aumento da mortalidade e morbidade por doenças infecciosas.

Para mitigar esse problema, é urgente que o Governo Federal invista em campanhas de educação e informação para combater a desinformação. Também é essencial fortalecer a confiança da população e facilitar o acesso às vacinas. No caso específico da vacina contra a dengue, existe a percepção equivocada de que crianças e adolescentes de 10 a 14 anos são menos suscetíveis a agravamentos da doença, quando, na verdade, essa faixa etária concentra o maior número de hospitalizações por dengue.
Para vencer essa batalha, cada um de nós pode contribuir atuando como propagadores da importância da vacinação. O fato de a Butantan-DV ser de dose única e abranger uma faixa etária mais ampla certamente facilitará a adesão e a logística de vacinação.

O pedido de vacina para a Anvisa foi para pessoas de 2 a 59 anos, independente do histórico de infecção prévia de dengue? Já existem testes encaminhados para pessoas com mais de 60 anos?

A Butantan-DV pode ser administrada em pessoas de 2 a 59 anos, tanto naqueles que já foram expostos ao vírus da dengue quanto naqueles que nunca contraíram a doença. O Instituto Butantan está preparado para produzir e entregar 100 milhões de doses ao Programa Nacional de Imunização (PNI) nos próximos três anos, prometendo um impacto significativo na saúde pública.

Um novo estudo clínico de Fase III da vacina Butantan-DV, desta vez para a faixa etária a partir de 60 anos, deverá ser iniciado no primeiro trimestre de 2025. Esse estudo visa ampliar a cobertura vacinal para incluir também os idosos. A Fiocruz Pernambuco será um dos cinco centros nacionais participantes deste novo estudo, e em breve poderemos trazer mais notícias para os leitores da Marco Zero.

A imagem mostra duas mãos enluvadas manuseando pequenos frascos de vidro contendo um pó branco. Os frascos estão dispostos sobre uma superfície verde brilhante. Ao fundo, há uma fileira de frascos semelhantes. A cena parece ser de um ambiente laboratorial, possivelmente relacionado à produção ou análise de substâncias químicas ou farmacêuticas.

Novo estudo clínico da vacina para a faixa etária a partir de 60 anos deverá ser iniciado em 2025.

Crédito: Renato Rodrigues/Comunicação Butantan
AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org