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Conheça Pastor Eurico, deputado autor de parecer que contraria a Constituição e a Bíblia

Marco Zero Conteúdo / 07/11/2023

Crédito: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Por Jorge Cavalcanti*

Um dos 25 deputados federais por Pernambuco, Francisco Eurico da Silva, 61 anos, conhecido como Pastor Eurico (PL), ganhou recentemente espaço no noticiário por conta do parecer que deu a um projeto em uma das comissões da Câmara para proibir a união perante o Estado entre duas pessoas do mesmo sexo. O texto, se transformado em lei, negaria direitos civis e previdenciários, como herança e acesso a plano de saúde, o que afronta decisão da Suprema Corte do país. Por conta disso, a Marco Zero Conteúdo decidiu traçar um perfil político do deputado . A reportagem ouviu também lideranças religiosas que defendem uma interpretação da Bíblia guiada pelo mandamento de Jesus Cristo contido no Evangelho de Mateus, o primeiro livro do Novo Testamento: “amai o próximo como a ti mesmo”.

Natural de Presidente Prudente, no interior de São Paulo, Francisco Eurico iniciou em Pernambuco o ministério como pastor numa igreja localizada no município de Moreno, no Grande Recife, antes de trocar o púlpito pelo gabinete 906, no Anexo 4 da Câmara dos Deputados, em Brasília. Atualmente, ele pode ser considerado um parlamentar experiente. Está no exercício do quarto mandato consecutivo. Estreou na política já como deputado federal pelo PSB de Pernambuco, à época de Eduardo Campos como governador do estado. 

“Ele e o presbítero Adalto Santos aproveitaram uma dissidência na Igreja Assembleia de Deus com a família Ferreira, formaram uma dobradinha e foram candidatos em 2010. Os dois se elegeram e, depois de um período, trocaram de partido”, relembra um político filiado ao PSB-PE. Naquele ano, Manoel Ferreira, patriarca da família e um dos deputados mais antigos da Assembleia Legislativa de Pernambuco, perdeu a reeleição, mas um dos filhos, Anderson, foi eleito pela primeira vez para a Câmara dos Deputados. 

De lá para cá, Pastor Eurico acumulou passagens pelo PHS e PEN, legenda que depois trocou de nome para Patriota. Em 2018, ele apoiou a candidatura à Presidência da República de Jair Bolsonaro e passou a integrar a tropa de choque bolsonarista. Foi o único da bancada pernambucana a votar contra a prisão do colega deputado Daniel Silveira (PL-RJ), em fevereiro de 2021, por ordem do ministro Alexandre de Moraes (STF). Silveira foi detido por conta da divulgação de um vídeo em que xinga ministros do STF e defende o AI-5.

Ato Institucional nº 5: Publicado em 1968, o decreto foi um dos 17 atos institucionais impostos pela ditadura militar no Brasil. A norma fechou o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas estaduais, cassou mais de 170 mandatos e instituiu a censura prévia da imprensa e produções artísticas.

Antes da votação que decidiu pela manutenção da prisão de Silveira por 364 votos a favor, 130 pela soltura e 3 abstenções, Eurico e alguns outros deputados da bancada bolsonarista estiveram no gabinete do colega para prestar solidariedade. Na ocasião, aproveitaram para fazer uma oração pela absolvição de Silveira diante das câmeras. “Nós oramos pela imprensa brasileira, Senhor, e suplicamos o teu amor, o teu favor e tua misericórdia, em nome de Jesus”, disse um deles, tendo Eurico ao lado com a mão direita erguida. 

Filiação ao PL e filho com cargo no governo Raquel 

Pastor Eurico assinou a ficha de filiação ao PL em março de 2022. O ato marcou também a aproximação com Anderson Ferreira, contra quem disputou votos na comunidade evangélica em 2010. “Chego ao Partido Liberal atendendo à convocação feita pelo presidente Jair Bolsonaro. Sou parte desse time anti-Lula e anti-PSB de Paulo Câmara”, declarou, na ocasião, sem mencionar que estreou na Câmara no Partido Socialista Brasileiro. 

O deputado emplacou um dos seus quatro filhos, João Eurico da Silva Neto, como diretor de Relações Institucionais do Departamento Estadual de Trânsito de Pernambuco. A nomeação foi publicada em Diário Oficial em maio. A autarquia é um dos espaços no governo Raquel Lyra (PSDB) cedidos às indicações políticas de Anderson Ferreira, ex-prefeito de Jaboatão dos Guararapes que disputou o governo do Estado ano passado como candidato de Bolsonaro. 

Parecer controverso não deve seguir adiante 

O projeto ao qual o deputado Pastor Eurico apresentou parecer na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família é de autoria do ex-deputado Clodovil Hernandes, já falecido. O texto estava parado há 16 anos na Casa, foi resgatado e teve o objetivo sequestrado. Originalmente, o PL nº 580/2007 previa que “duas pessoas do mesmo sexo poderão constituir união homoafetiva por meio de contrato em que disponham sobre suas relações patrimoniais”.

A proposta de Clodovil foi pioneira à época. Só em maio de 2011, o plenário do Supremo Tribunal Federal, de forma unânime, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo a união civil homoafetiva também como “núcleo familiar”. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça aprovou resolução que determina que cartórios habilitem e celebrem uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, quando procurados.

Os templos religiosos seguem celebrando os casamentos de acordo com os preceitos de cada igreja, por conta do princípio constitucional da laicidade do Estado. No artigo 5º, a mesma Carta Magna diz que “todos são iguais perante a lei em direitos e deveres, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Apesar da recente ação da bancada bolsonarista, interpretada por analistas como uma ofensiva contra o Supremo, o PL 580/2007 não deve avançar na tramitação até chegar ao plenário para ser votado, porque precisaria antes passar por outras comissões, como a de Direitos Humanos e a de Justiça. Cabe à presidência dos colegiados a definição da pauta e essas comissões são presididas por parlamentares do PT, que têm desacordo com o parecer.

Lideranças religiosas divergem do político-pastor

A posição do deputado por Pernambuco não foi unânime na comissão da Câmara. Outro pastor também deputado, Henrique Vieira (PSOL-RJ), votou contra. “Esse parecer deseja retirar um direito adquirido para criar uma subcidadania. Eu sou religioso e acredito no fundamento do amor. Mas, se você é fundamentalista, mantenha isso na sua vida, na sua igreja”, alegou. Na sessão, o deputado abriu a Bíblia e afirmou que o livro sagrado não pode se sobrepor à Constituição no que diz respeito ao Estado.

Procurada pela reportagem, a ialorixá Mãe Lúcia de Oyá também criticou a posição do deputado e citou a violência psicológica, física e letal a que mulheres lésbicas, transexuais e travestis são submetidas no país. “Essa homofobia fere a Constituição. O racismo religioso é outra forma de violência muito grave alimentada por esse tipo de postura irresponsável, às vezes cometida até contra crianças”, asseverou. Mãe Lúcia é referência para o povo de matriz afro-indígena há mais de quatro décadas, coordena o Ilê Axé Oyá Togun, em Paulista, no Grande Recife.  

No parecer aprovado na comissão, o deputado por Pernambuco listou como argumentos o “impedimento para entrar no reino dos céus” e a “ausência de benefícios sociais” que significariam a união civil entre duas pessoas do mesmo sexo. A reportagem procurou o Pastor Eurico por meio do contato com o gabinete. Mas, até o fechamento desta reportagem, não teve retorno.


Entrevista //

“O amor ao próximo é uma das mensagens mais centrais do Evangelho de Jesus”

Entre lideranças da comunidade evangélica, a posição do deputado Pastor Eurico (PL-PE) enfrenta oposição, como a do pastor batista Fellipe dos Anjos. Ele aponta que não há consenso universal em torno das mensagens e dos escritos da Bíblia e que milhões de pessoas têm uma interpretação diferente das sustentadas publicamente por políticos da chamada bancada evangélica. Fellipe é mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, manteve atividades pastorais na Igreja Batista de Água Branca (SP) e conversou com a reportagem por escrito. 

Marco ZeroDo ponto de vista religioso, qual a sua opinião sobre o parecer apresentado pelo deputado Pastor Eurico?

Fellipe dos Anjos – Trata-se de um parecer discriminatório e antidemocrático que manipula argumentos sem profundidade teórica e sem respeito à diversidade da vida.  O fundamentalismo religioso quer no Brasil usar o Estado e o parlamento brasileiro para transformar suas crenças em lei e impô-las à diversidade da sociedade. Fazer Deus ser recebido à força de lei é um projeto radicalmente oposto daquele que o Cristo transmitiu à humanidade. A experiência da fé perde todo o seu sentido acolhedor e generoso quando é transformada em imposição violenta por meio do poder do Estado.

MZ – No Evangelho de Mateus, o primeiro livro do Novo Testamento, Jesus ressalta a importância do “amai ao próximo como a ti mesmo”. Qual a importância deste mandamento na doutrina cristã?  

Fellipe – A sabedoria cristã do amor ao próximo é uma das mensagens mais centrais do Evangelho de Jesus. Ensinar a possibilidade do ser humano se relacionar com o outro fora da chave da inimizade, da rivalidade, do ressentimento étnico e da guerra foi um dos trabalhos aos quais Jesus mais se dedicou. Ao encontrar as diferenças, Jesus nos ensinou a tratá-las segundo um imperativo ético de origem sagrada: o amor. O amor nos evangelhos é como uma força de mediação das diferenças. Ao invés de muros, trincheiras, armas e exércitos, Jesus estabelece a mediação do amor, da tolerância e do perdão.

MZ – Nos últimos anos, um grupo de lideranças evangélicas tem chamado a atenção por conta da pregação da intolerância, tendo a defesa da Bíblia como argumento. 

Fellipe – A discussão sobre a Bíblia se tornou questão de interesse público. E não há consenso no mundo evangélico sobre o assunto. Qualquer tentativa de defesa de um consenso em torno de interpretações não passará de uma ficção útil para legitimar um projeto de poder político, seja no Estado ou na igreja. Tenta-se produzir o efeito de percepção de que aquela interpretação é universal para produzir a legitimidade da sociedade, que é majoritariamente religiosa. Há milhões de pessoas que compreendem a Bíblia de outra maneira. Mas essa diversidade é obliterada pela elite político-religiosa. Informação, conhecimento, responsabilidade e respeito são o que farão com que a sociedade brasileira possa apontar para uma realidade de produção de vida, beleza, diversidade e democracia para todas as pessoas.

*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã

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