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Crime de importunação sexual no Carnaval pode render até cinco anos de cadeia

Mariama Correia / 01/03/2019

Tocar o corpo de alguém, sem seu consentimento, para obter prazer não é paquera. É um crime que pode dar até cinco anos de cadeia no Brasil. Desde setembro do ano passado, quando a Lei Federal 13.718 foi sancionada, os atos de importunação sexual passaram a ser punidos de forma mais severa. Antes rendiam apenas multas. O Carnaval deste ano será o primeiro com esse instrumento legal em vigor.

A lei tem força para ajudar a coibir casos como a passada de mão nos genitais ou nos seios sem consentimento, por exemplo. Esse foi o tipo de abuso mais registrado pela pesquisa da campanha “Aconteceu no Carnaval”, um trabalho de conscientização contra o assédio sexual durante o Carnaval do Recife e de Olinda de 2017. Mas ela também vale para o beijo roubado, encoxadas e outros tipos de abusos.

Não se sabe ainda, contudo, se as estruturas de segurança montadas para os dias de folia estão preparadas para realizar os flagrantes e atender as vítimas. E, o principal, se realmente haverá punições aos agressores. A Secretaria de Defesa Social (SDS-PE), por exemplo, ainda não divulgou dados sobre casos de importunação sexual registrados no estado após a sanção da lei. Também não informou se a nova tipificação – antes esse tipo de ação era classificada como importunação ofensiva ao pudor – já entrou no sistema dos Boletins de Ocorrência.

Mesmo assim, a SDS-PE garante que” os policiais estão preparados para autuar em flagrante os importunadores e encaminhá-los à audiência de custódia”, disse o secretário executivo de Defesa Social do estado, Humberto Freire, em coletiva. Na ocasião, a secretaria informou que, para atender essas e outras situações de violência, a Delegacia da Mulher em Santo Amaro funcionará 24h. Também haverá plantão extra da Polícia Civil com prioridade para atendimentos às mulheres e a grupos vulneráveis na Central de Plantões de Olinda, que fica na sede da Secretaria de Direitos Humanos.

No Carnaval do ano passado, o chefe da Polícia Civil, Joselito Amaral, chegou a dizer que “quem fosse pego em flagrante por beijo forçado seria autuado por estupro”. Na prática, a autuação tem ficado “a cargo da avaliação do delegado que está com o caso”, explicou  a diretora do Departamento de Polícia da Mulher (DPMUL), Julieta Japiassu. Ela disse que, nos plantões de Olinda e do Recife, equipes femininas com delegada, agente e escrivã atenderão prioritariamente mulheres vítimas de violência sexual.

“A partir do recebimento da denúncia, a polícia pode utilizar de vários recursos para identificar e punir o importunador. Inclusive os registros das câmeras de segurança instaladas em locais públicos”. Ela reforçou que é importante ter informações que ajudem o trabalho da polícia. Vídeos e testemunhas podem ser úteis. “Denunciar é uma forma de coibir esse tipo de ato, por isso é tão importante não deixar em branco”, frisou.

Rede de apoio e campanhas

Além do aparato policial, “é importante que haja uma rede de acolhimento às vítimas, porque muitas estão fragilizadas e têm dificuldade de denunciar”, lembrou Paula Viana, do Grupo Curumim, que lançou a campanha “Você não está sozinha neste Carnaval”. Ela reforça que será importante conscientizar a população, ainda pouco informada sobre a lei e as punições previstas.

O acolhimento das vítimas dessas práticas e de outros casos de violência na folia recifense será feito pelas equipes do Centro de Referência Clarice Lispector, ligadas à Secretaria da Mulher da Prefeitura do Recife. Elas estarão na Central do Carnaval, no Recife Antigo. “Teremos psicólogas e assistentes sociais de plantão das 18h às 2h durante todos os dias de folia”, ressaltou a secretária Cida Pedrosa. Composta por oito guardas municipais, a Brigada Maria da Penha vai garantir o encaminhamento das mulheres que precisarem de medidas protetivas à rede de enfrentamento.

Também haverá a distribuição de materiais informativos de combate a violências contra a mulher em vários polos de folia. Este ano, inclusive, a Prefeitura do Recife lançou a quarta edição do “Manual de como não ser um babaca no Carnaval” versão Teile e Zaga. Com música e vídeo da humorista Alcione Alves, o material usa gírias recifenses para alertar sobre situações de violência. O videoclipe da campanha já se tornou um viral nas redes sociais.

No trabalho de escuta e conscientização, a Secretaria Estadual da Mulher terá 600 multiplicadoras e multiplicadores realizando ações preventivas em 60 municípios. Em Olinda, além da atuação das polícias e patrulhamento com drones para identificar situações de violência, “também haverá distribuição de materiais explicativos”, detalhou a secretária da Mulher, Verônica Brayner. No município de Ipojuca, a prefeitura lançou o adesivo ‘Só beije se ela quiser”, que será distribuído para reforçar a campanha nacional do “Não é não!”.

Carmem Silva do Instituto Feminista SOS Corpo lembrou que ações de mídia são positivas, mas que somente o marketing não resolve o problema. “É preciso que se invista também em mais preparo das polícias e da estrutura disponível para atendimento às mulheres, porque se sabe que o sistema tem falhas, como delegacias da mulher fechadas em finais de semana, por exemplo, inclusive fora do período carnavalesco”.

Denunciar é importante

A Lei que tipifica a importunação sexual como crime foi criada depois que casos de homens que ejacularam em mulheres no transporte público de São Paulo foram divulgados pela mídia. A legislação, na opinião de Ana Addobbati, fundadora da Women Friendly, foi uma resposta à própria demanda da sociedade por uma maior punição nesses casos. Em Pernambuco, a Women Friendly está ligada à campanha nacional Não é Não, contra o assédio. Este ano, a campanha de mulheres para mulheres, com financiamento coletivo. vai distribuir fitinhas, tatuagens e cartinhas.

Ana diz que a expectativa para o primeiro Carnaval da Lei da Importunação Sexual é positiva, tanto do ponto de vista da redução das ocorrências, quanto da possibilidade de se ter um melhor monitoramento e acompanhamento dos casos, porque ainda há poucos dados disponíveis sobre essas ssituações. As normas, porém, não garantem que os  importunadores serão penalizados. “Outras peças precisam atuar para que a lei seja cumprida”, comentou Ana.  Ela explicou que, em espaços privados, as equipes de segurança podem intervir em casos de importunação sexual. Nos espaços públicos, a polícia e a guarda municipal devem ser acionadas. A fundadora do Women Friendly  lembrou que “todo importunador punido é um importunador a menos na sociedade”.

Onde encontrar ajuda durante o Carnaval?

Ligue 180
 
Liga, Mulher
0800-281-0107
 
Central da Mulher
Rua do Observatório, no Recife Antigo.
 
Centro de Referência Clarice Lispector
Rua Bernardo Guimarães, 470, Boa Vista
Disque Orientação do Clarice Lispector: 0800 281 0107
 
Centro de Atenção à Mulher Vítima de Violência
Hospital da Mulher do Recife, Rodovia BR 101, S/N, Curado
(81) 2011.0118
 
4º Delegacia Especializada da Mulher
Praça do Campo Santo, Santo Amaro
(81) 31843352 / 31843356
 
1ª Delegacia de Polícia da Mulher – Santo Amaro
Rua Siqueira Campos, 304 – 1º Andar- Santo Antônio
(81) 31843352
 
Central de Plantões de Olinda
Sede da Secretaria de Direitos Humanos, Avenida Sigismundo Gonçalves 599, Carmo
 
AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).