Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Foto: caminhandolibertad
por Montezuma Cruz, de Porto Velho (RO)
Um dos coordenadores nacionais da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Paulo César Moreira dos Santos, saiu em defesa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), contra a ofensiva jurídico e policial, principalmente no Paraná, onde ocorreram sete despejos em menos de dois meses, e em Pernambuco, onde o Centro de Formação Paulo Freire, em Caruaru, está ameaçado.
Paulo César lembra que “a maior produção de arroz orgânico da América Latina é mérito do MST”. Enquanto isso, queimadas e desmatamento na Amazônia se constituem uma combinação fatal na abertura de fronteira agrícola, e isso ocorre, conforme a CPT, sobre terras públicas nos estados do Acre, Pará, Rondônia e Mato Grosso. Nesses estados, “ações criminosas intencionam limpar o terreno para as futuras atividades econômicas, ligadas ao agronegócio. O governo brasileiro assumiu o papel de despachante do capital”.
Qual a importância do MST na vida brasileira e de sua luta pela reforma agrária popular?
O MST começou a surgir num momento em que o País vivia a opressão da ditadura militar, em que a violência e a impunidade eram expressões latentes do projeto político implantado no campo, de agravamento da concentração de terra e poder. E, não havia como pensar numa sociedade menos desigual sem buscar desconcentrar a terra e enfrentar o latifúndio, problema que ainda sangra em nossa frágil democracia. A sociedade havia que agir diante de tantas injustiças e tantas famílias abandonadas. Foi fundamental para a luta democrática o nascimento de um movimento de luta pela terra, porque sem organização popular e sem coragem para enfrentar as injustiças o que restava ao povo do campo, principalmente às famílias que esperavam pelo direito a um pedaço de terra, era a fome e a morte lenta e certa.
E para combater o MST veio a UDR…
Sim, foi nesse contexto que também surgiu a União Democrática Ruralista, como braço político dos grandes fazendeiros, que atuou de forma cruel e perversa contra a luta democrática no campo. Foi um período de muitas perseguições e assassinatos. Contra toda a criminalização que o movimento sofre, precisamos conhecer a vida de milhares de famílias em muitos assentamentos, a dignidade restituída através da condição de produtor de alimentos, de cultura e de sabedoria. Precisamos conhecer também a maior produção de arroz orgânico (sem agrotóxicos) da América Latina, que é um mérito do nosso MST. Como desconsiderar a importância da luta do povo pela criação de assentamentos rurais num País em que a terra nunca foi distribuída pelos poderes estabelecidos? É preciso enfrentar, a cada dia, a segregação naturalizada pelas elites brasileiras que vivem à base da exploração e demonização do índio, do negro, do pobre. E que cria, em sua forma mais cruel de dominação, a necessidade de grupos se organizarem a partir da negação dos seus direitos: sem-terra, sem-teto, sem-trabalho.
As ocupações de terras feitas pelo MST durante 35 anos seriam a única maneira de vencer a chamada burguesia agrária?
As ocupações de terra nasceram como forma de denunciar a injusta situação que o Brasil vive há séculos, iniciada com a invasão portuguesa e a consequente escravidão indígena e negra. Posteriormente, surge ainda a Lei de Terras, em 1850, que impossibilitou que os escravos libertos pudessem ter acesso à terra. Ou seja, temos no País um histórico de expropriação legalizada, que revela como a elite política e fundiária vê e trata o povo empobrecido e excluído. É justamente a perpetuação dessa injustiça que continua promovendo a existência de milhares de famílias à beira de estradas e morando em lonas pretas. Outra dimensão importante das ocupações de terra é a pressão sobre os órgãos públicos para que busque efetivar a tão esperada Reforma Agrária. “Ocupar, resistir e produzir” foi o lema que o movimento assumiu para mostrar ao Brasil que a terra deve ser para quem nela vive e produz, que o latifúndio e o agronegócio se alimentam da concentração de terra, muitas delas griladas, concentração de água e muito veneno. Unida a esses problemas, temos a situação das terras improdutivas, que seguem sem nenhuma revisão legal e continuam sendo blindadas pelos políticos e ruralistas de plantão, impedindo o cumprimento da sua função social, prescrita na Constituição. Esse cenário nos expõe uma chaga social, onde um país imensamente rico de bens naturais não consegue o mais básico compromisso social: democratizar suas terras.
A distribuição de terras não é a ideal, o que fazer no atual governo que demoniza o campo?
O que se conseguiu de distribuição de terras tem sido feito com muita coragem e luta, tristemente com muito sangue também, num País de tantos assassinatos e chacinas no campo e a consequente impunidade. Enfim, sabemos que o governo atual não respeita a vida dos povos do campo e seus direitos, que não considera a Constituição, muito menos a ordem democrática e que é preciso se organizar de todas as formas para não continuar perdendo direitos elementares, como já estamos presenciando. Povos do campo e da cidade, uni-vos.
Como o senhor vê essa escalada de ataques e despejos em acampamentos e assentamentos de sem-terra, notadamente no Estado do Paraná, onde ocorreram sete em dois meses?
Há uma determinada ofensiva sobre os territórios e seus povos. O governo brasileiro assumiu o papel de despachante do capital, principalmente internacional, representado pelos EUA. Com isso, expropriar e violentar povos e comunidades é a ordem, explorar a natureza até a exaustão é o dito progresso. Sem uma política clara e organizada, o governo segue omitindo sua responsabilidade e impulsionando a ilegalidade. O discurso é de criminalização contra os povos e organizações que se preocupam com a preservação da floresta, utilizando a estratégia de desmonte dos órgãos públicos de fiscalização e emitindo uma série de pronunciamentos que visam incentivar o avanço sobre as terras públicas, como um salvo-conduto para o apossamento de terras de parques e de áreas indígenas.
Nesse sentido, está criando, também, condições para que o próprio judiciário se sinta autorizado para emitir decisões de despejo de uma forma extremamente injusta, como é o caso do pedido de reintegração de posse contra o Centro de Formação Paulo Freire, em Caruaru. E tantos outros despejos em várias partes do País contra as famílias camponesas.
De outro lado, na Amazônia, desmatamento e queimadas se tornaram o caminho para a nova política. A combinação entre estes dois eventos aponta para uma singularidade dos incêndios florestais, como parte do processo de abertura de fronteira, incidindo especialmente sobre terras públicas, considerando que os desmatamentos e incêndios ocorrem em especial em terras sob domínio do estado. Estados como Pará, Acre, Rondônia e Mato Grosso, dentre outros, são gravemente afetados por estas ações criminosas que intencionam limpar o terreno para as futuras atividades econômicas, ligadas ao agronegócio.
Enfim, uma situação para lá de grave, mas quais seriam as saídas?
Vivemos um momento de muitos riscos para a sociedade como um todo e precisamos contrapor veementemente contra essa política de morte implantada. Há muitas esperanças nas comunidades tradicionais e povos indígenas, na produção agroecológica dos assentamentos e tantas outras iniciativas. Todas e todos atentos ao Sínodo da Amazônia que se aproxima e que já mostrou que pode ser um momento iluminado de importantes mudanças para a Igreja e a sociedade.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.