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Crédito: Arnaldo Sete
Ao menos 350 famílias estão ocupando dois prédios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no Recife enquanto aguardam uma solução habitacional em meio à pandemia. Um dos imóveis fica no Centro, na Rua Marquês do Recife, no bairro de Santo Antônio, e é símbolo de uma região onde dezenas de construções estão, há anos, fechadas e sem uso, muitas com dívidas de IPTU, enquanto centenas de pessoas dormem nas calçadas. O outro prédio ocupado fica na avenida Norte, no bairro da Encruzilhada, Zona Norte da cidade.
Após revés em primeira instância, a Defensoria Pública da União (DPU) no Recife conseguiu garantir a suspensão das reintegrações de posse dos dois imóveis por meio de decisões, em caráter liminar, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) até que sejam asseguradas soluções de moradia para essas famílias, seja através de moradia popular, abrigos ou auxílio-aluguel.
A defensora regional de Direitos Humanos de Pernambuco, Maíra de Carvalho Pereira Mesquita, responsável pelos casos, explica que se baseou na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que suspende remoções e despejos por seis meses por conta da pandemia. Além de argumentar usando a Recomendação n° 90/2021, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta os magistrados a avaliarem com cautela os pedidos de desocupação de imóveis, sobretudo quando envolverem situações de vulnerabilidade durante a crise da covid-19.
No dia 15 de junho, houve uma reunião virtual com diversos órgãos públicos e representantes de movimentos sociais para debater a situação das ocupações dos prédios do INSS. Quase um mês depois, no entanto, ainda não há sinal de uma solução.
Entre os encaminhamentos estabelecidos, está a comprovação da segurança estrutural do imóvel do Centro, uma vez que o INSS um laudo datado de 2012 em que não menciona risco imediato de desabamento. Agora, a DPU busca um parecer técnico atualizado. Também ficou acordado que os movimentos enviariam à Prefeitura do Recife uma listagem com os dados das famílias para serem cruzados e incluídos nos cadastros sociais do município.
“Enviei um ofício à SPU (Superintendência do Patrimônio da União) solicitando informações sobre todos os imóveis pertencentes à União e suas respectivas destinações”, acrescenta Maíra. O objetivo é saber se há imóveis que podem ser cedidos à prefeitura. A defensora ainda aguarda respostas.
O prédio do INSS no Centro, o Edifício Segadas Vianna, foi construído para abrigar o antigo Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas) e está fechado e abandonado há mais de dez anos. Quando governador, João Lyra chegou a publicar, em 2014, uma lei que possibilitaria cessão de uso do imóvel ao Porto Digital. Mas não houve concretização desse plano e o prédio seguiu sem uso. Já o prédio do INSS na Encruzilhada está desativado há cerca de quatro anos.
Segundo o Movimento de Luta e Resistência pelo Teto (MLRT), responsável pela Ocupação Leonardo Cisneiros (em referência ao professor e ativista que faleceu em abril), do prédio do INSS no Centro, já foram retiradas 18 toneladas de lixo do local. O coordenador do movimento, Giancarlo Costa, explica que o prédio era usado como área de tráfico e roubo. “Além do lixo, foram encontrados e retirados muitos documentos e cartões”, detalha.
Ele diz também que está sendo elaborado, por uma engenheira, um calculista e um arquiteto parceiros do MLRT, um laudo para atestar que, apesar das visíveis marcas de abandono, das fissuras e dos desgastes, o prédio não oferece riscos estruturais às famílias.
“Nossa luta é por moradia digna e moradia popular no Centro. Hoje, no prédio do INSS, as famílias estão conseguindo pelo menos dormir debaixo de um teto”, reforça Giancarlo.
Coordenador da ocupação que se chama 23 de Maio, do prédio do INSS na Encruzilhada, Denety Ferreira, do Movimento Luta por Moradia Digna (LPMD), reforça que as famílias estão em luta por moradia digna ou que haja, de imediato, ao menos a concessão de auxílio moradia com posterior solução definitiva. Também integra a ocupação o Movimento das Mulheres ao Direito à Moradia (MMDM). “Eu estou há 16 anos recebendo auxílio, derrubaram meu barraco nas margens do canal do Arruda, mas até agora não tive mais uma casa própria”, conta Denety. Ele recebe R$ 200 de auxílio e vive com dois filhos numa casa cujo aluguel é R$ 600.
A Marco Zero procurou o Ministério da Economia para saber detalhes das construções, inclusive dos laudos que possam atestar riscos, e também se há projetos de destinação dos imóveis do INSS. A assessoria de imprensa disse que enviou a demanda à área responsável, mas não deu retorno.
A reportagem também procurou a Prefeitura do Recife, através da Secretaria da Habitação, para saber se há previsão de solução habitacional para as famílias e quais são as políticas públicas da gestão João Campos (PSB) para os diversos imóveis abandonados e fechados no Centro do Recife. A pasta, porém, não respondeu.
Está tramitando na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) o Projeto de Lei (PL) 1010/20, de autoria das Juntas Codeputadas (Psol), que pede suspensão temporária, enquanto houver situação de calamidade por conta da pandemia, dos despejos e reintegrações de posse em todo o Estado. Somente após 14 meses aguardando andamento na Casa é que o projeto conseguiu aprovação de requerimento, na semana passada, para tramitar em regime de urgência.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com