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Dengue do tipo 3 reacende alerta em Pernambuco, mas clima deve evitar epidemia

Maria Carolina Santos / 21/08/2025

Foto: Muhammad Mahdi Karim/Wikimedia

Desde 2002, a dengue do tipo 3 quase não aparecia em Pernambuco. Em 2023, voltou timidamente, com a identificação de quatro casos no Estado, subindo para 17 casos no ano seguinte. Já nos sete primeiros meses deste ano, houve um salto, com a identificação de mais 150 casos. Em uma população majoritariamente com anticorpos contra os sorotipos 1 e 2 da dengue, a presença de casos da dengue 3 gera um alerta: a segunda infecção pelo vírus da dengue, seja por qual sorotipo for, costuma ser mais grave, gerando mais hospitalizações e mortes.

No Brasil, é comum que os sorotipos 1 e 2 se revezam ao longo dos anos. Os sintomas de todos os sorotipos são parecidos – dor no corpo, febre alta, dor de cabeça e atrás dos olhos, mal estar, manchas vermelhas pelo corpo. De acordo com o Ministério da Saúde, a dengue 3 é considerada um dos sorotipos mais virulentos do vírus da dengue, ou seja, tem maior potencial de causar formas graves da doença. Há também a ameaça de uma alta de casos, já que a maioria da população não tem anticorpos contra o sorotipo 3.

Mas Pernambuco pode ter dado sorte. Isso porque a maioria dos casos de dengue 3 foi identificado já no final da sazonalidade da doença por aqui, que vai de março a julho. Há uma inversão na tendência de queda ao final da sazonalidade, mas não um aumento de casos – que, no geral, está 61% menor que no ano passado, de acordo com o último boletim epidemiológico das arboviroses em Pernambuco.

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O que são sorotipos da dengue?

Sorotipos são variações do vírus que, embora pertençam à mesma espécie, possuem diferenças em sua composição. No caso da dengue, os quatro sorotipos (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4) são suficientemente distintos para que uma infecção por um deles não ofereça imunidade contra os outros.

Isso significa que uma pessoa pode ser infectada até quatro vezes durante a vida, uma por cada sorotipo. Além disso, infecções subsequentes por diferentes sorotipos aumentam o risco de formas mais graves da doença.

A infecção por determinado sorotipo tem efeito protetor permanente contra aquele sorotipo especifico e efeito protetor temporário contra os outros sorotipos.

Fonte: Ministério da Saúde

Os casos de dengue 3 se concentram na Região Metropolitana do Recife e na Zona da Mata. De acordo com o diretor de Vigilância Ambiental da Secretaria Estadual de Saúde, Eduardo Bezerra, o clima contribui para segurar uma provável epidemia de dengue 3. “Foi um inverno atípico, com temperaturas mais baixas em geral, o que dificulta a reprodução do mosquito Aedes aegypti”, disse.

Outro fator é que não tivemos fenômenos climáticos como o La Niña e El Niño, o que também contribuiu para a diminuição de casos de dengue neste ano. “Apesar do aumento de casos de dengue 3, não houve um crescimento exponencial ou explosivo no número total de casos neste ano, o que leva a uma expectativa de que não se atinja um quadro mais grave devido às condições climáticas favoráveis. Eu, particularmente, acho que não vamos ter um crescimento de casos neste ano”.

O Aedes aegypti é um mosquito que gosta de calor — mas não muito. A reprodução dele é mais eficaz em temperaturas de 25 a 30 graus, enquanto que a transmissão da dengue pode ocorrer entre 17 e 34 graus, sendo mais eficaz aos 29º. Com um inverno mais frio, tanto a reprodução quanto a transmissão foram afetadas. “Em regiões como Garanhuns e Salgueiro houve diminuição da proliferação do mosquito. No entanto, na região metropolitana, essa baixa de temperatura pode não ser suficiente para afetar a capacidade de reprodução do mosquito. A expectativa é que o final do período de chuvas e a entrada em um período mais quente e com menos chuva ajudem a evitar uma explosão de casos”, diz Eduardo.

Ainda que as temperaturas aumentem nas próximas semanas, com o fim das chuvas, a tendência é que a água parada diminua, fazendo com que o mosquito perca seu local de reprodução.

Casos de dengue diminuíram 60,1% em relação ao ano passado

O mais recente Boletim Epidemiológico de Arboviroses da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE), divulgou nesta quarta-feira (20), com dados das semanas epidemiológicas de 29/12/2024 a 16/08/2025, aponta 28.503 casos notificados de dengue, representando uma diminuição de 60,1% em comparação ao mesmo período do ano anterior no estado.

Foram confirmados 6.818 casos de dengue em Pernambuco, incluindo 147 casos graves e 5 óbitos confirmados. O Boletim 33 revela que 114 municípios pernambucanos têm baixa incidência de casos de dengue, 43 localidades apresentam incidência média e 20 apresentam alta incidência.

O boletim também traz 4.509 casos notificados de Chikungunya, com 676 confirmações. Para o Zika, houve 958 casos notificados, porém sem confirmações. Pernambuco também registra 183 casos de Febre do Oropouche desde maio de 2024, com 7 casos confirmados em 2025.

Vacina brasileira contra a dengue pode mudar cenário

Em dezembro de 2023, o Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou a vacina Qdenga, do laboratório japonês Takeda. Mas, com poucas doses disponíveis, o público foi limitado. Hoje, só pessoas entre 10 e 14 anos podem receber a vacina pelo SUS, que é em duas doses. De acordo com Eduardo Bezerra, ainda não há mudanças epidemiológicas desde a adoção da vacina. Além de ser uma faixa etária restrita, há poucas doses e baixa adesão da população.

“Embora cerca de 90 mil crianças tenham recebido a primeira dose em Pernambuco, apenas 35 mil retornaram para a segunda dose. A segunda dose é considerada muito importante para fixar e manter a imunidade”, afirmou Bezerra.

A Qdenga também não tem doses suficientes para ser distribuída em todo o estado, apenas nas regionais do Grande Recife, de Garanhuns (Agreste) e Salgueiro (Sertão). É mais eficaz contra os sorotipos 1 e 2, os prevalentes no Brasil. “Apesar de ter uma eficácia de 47% contra a dengue tipo 3, esse percentual é considerado muito bom no contexto da farmacologia e da imunologia, e não deve ser interpretado com a mesma lógica de cálculos gerais”, acrescenta o diretor de vigilância ambiental de Pernambuco.

A Qdenga é encontrada também na rede privada, com cada dose custando cerca de R$ 570. O intervalo entre as duas doses é de três meses.

Vacina Qdenga pelo SUS é restrita a pessoas entre 10 e 14 anos. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

O que pode realmente ter impacto no controle da dengue é uma vacina em dose única e amplamente oferecida à população. Desde o começo deste ano a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) analisa a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan a partir de um protótipo do Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. Em dose única, a possível vacina é vista como a principal promessa para uma imunização ampla da população.

A expectativa do Butantan era de que a vacina fosse aprovada ainda neste ano. Em nota à Marco Zero, a Anvisa afirmou que recebeu, no dia 6 de fevereiro deste ano, o pedido de registro da vacina. “A partir desse pedido, a avaliação teve início, sendo que, em 14 de fevereiro, a Agência enviou à equipe do laboratório uma exigência técnica, solicitando informações e dados complementares necessários para o prosseguimento da análise”, informou a nota.

A resposta ao primeiro pedido foi dada pelo Butantan em 7 de março. Uma nova exigência técnica foi feita pela Anvisa em 22 de maio e atendida pelo laboratório em 13 de junho. “Esse tipo de solicitação ocorre quando a Anvisa identifica alguma lacuna de informação nos dados e estudos apresentados, exigindo explicações ou dados complementares. Trata-se de uma dinâmica comum na análise de vacinas e medicamentos, e as equipes da Agência e do Butantan mantêm um canal constante de comunicação”, diz a nota.

A nota da Anvisa também informa que no dia 31 de julho foi realizado um painel com consultores externos para discussão dos dados da vacina apresentados pelo Butantan. “A próxima etapa será discutir com o Instituto Butantan sobre os encaminhamentos necessários para o prosseguimento do processo de registro, com vistas à formalização do termo de compromisso, necessário para a conclusão da análise técnica”, diz a nota, que concluiu afirmando que “a Anvisa está comprometida com a avaliação da eficácia e da segurança da vacina, de forma que sua análise ocorra no menor tempo possível”.

A prevenção contra a dengue

Embora medidas amplas como saneamento básico universal e limpeza urbana sejam as medidas realmente efetivas, é possível fazer alguma diminuição individual de riscos. Evitar o acúmulo de água é o principal deles.

Os cuidados essenciais são:

– manter caixas d’água limpas e vedadas;

– fechar bem sacos de lixo e lixeiras;

– dispensar o uso ou preencher com areia os “pratinhos” de plantas;

– manter as calhas limpas e livres para o total escoamento da chuva;

– esfregar o fundo e as laterais dos potes de água oferecidos a animais;

– manter em dia a manutenção de piscinas.

A fim de reforçar os cuidados, vale instalar telas nas janelas e portas, e mosquiteiros em cima de camas e berços. Também é recomendado aplicar repelente na parte da pele exposta e por cima da própria roupa.

Fonte: Instituto Butantan

Em nota à MZ, o Butantan afirmou que os ensaios clínicos do imunizante foram encerrados em junho do ano passado, quando o último participante completou 5 anos de acompanhamento. Os dados de segurança e eficácia divulgados da vacina mostram 79,6% de eficácia geral para prevenir casos de dengue sintomática. “Resultados da fase 3 do ensaio clínico publicados na The Lancet Infectious Diseases mostraram, ainda, uma proteção de 89% contra dengue grave e dengue com sinais de alarme, além de eficácia e segurança prolongadas por até cinco anos”, diz a nota.

Em caso de aprovação pela Anvisa, o Instituto Butantan poderá disponibilizar cerca de 100 milhões de doses ao Ministério da Saúde nos próximos três anos. De acordo com o órgão, um milhão de doses da vacina poderão ser entregues já em 2025, em caso de aprovação. “As outras cerca de 100 milhões de doses poderão ser entregues nos anos de 2026 e 2027. A definição dos critérios de vacinação da população deverá ser feita pelo Ministério da Saúde, por meio do PNI (Programa Nacional de Imunizações)”, diz a nota.

Enquanto a vacinação ampla não chega, a prevenção, ainda que difícil, segue sendo a saída. “A composição urbana atual das cidades e as mudanças climáticas tornam a prevenção ainda mais desafiadora hoje em dia”, afirma Bezerra, que alerta que a dengue não é uma doença que deve ser subestimada. “É preciso estar muito atento aos sintomas, já que a dengue pode se agravar e pode levar ao óbito num período muito curto. Não se deve demorar para procurar assistência médica”, ressalta Eduardo Bezerra.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org