Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Crédito: José Cleiton Carbonel/Divulgação
por Jorge Cavalcanti*
Descartes no meio ambiente de cabos de internet, fios de náilon, CDs, garrafas PET, peças de alumínio, sacos de ráfia e sacolas de plástico. Tudo virou roupas, acessórios e beleza nas mãos da designer Gaby Dantas, 26 anos, e da equipe de mulheres que participou da realização do Moda Sustentável do Sossego, na Ilha de Itamaracá, no Grande Recife. O projeto foi concluído no domingo (19) em grande estilo e cenário paradisíaco. O desfile de moda tendo a areia da praia como passarela foi aplaudido por moradores e turistas da ilha de modo efusivo.
“Tudo o que está aí à nossa volta é possível transformar. Essa moda preta sustentável foi construída por tecnologias da minha vivência. Cresci vendo minha avó transformando abandono em arte, no reuso das coisas com sabedoria”, contou Gaby, ao microfone, para a plateia, logo após o desfile. Um dos figurinos, por exemplo, foi elaborado tendo como matéria-prima 70 sacolas plásticas recolhidas da faixa de areia e terrenos da ilha.
O material que pode levar até mil anos para se decompor na natureza foi transformado em fios e, com ele, Gaby e equipe montaram peças em formato de flores. A técnica de pescadores para tecer redes também serviu à moda. Foram concebidas saídas de banho para o calor do verão. E sacos de ráfia rasgados que tentaram, em vão, conter o avanço do mar foram transformados em pantalonas, como a usada pela estilista.
O Moda Sustentável do Sossego foi pensado e realizado com primor e atenção aos detalhes. Do recolhimento e processamento dos materiais reutilizados até o horário da apresentação do elenco de modelos – a maioria mulheres e jovens moradores da ilha -, que precisou levar em consideração os movimentos da maré.
O desfile começou por volta das 15h30 no lado da Praia de Jaguaribe, atravessou a água em direção à plateia, na Praia do Sossego. Com os pés na areia, pessoas acomodadas em cadeiras ou debaixo de tendas assistiam à apresentação enquanto eram atendidas nos comes e bebes pelo pessoal do bar da Mozona. O evento foi sucesso de crítica e também de público, confirmado pelo freezer do estabelecimento que terminou vazio.
Ao final da apresentação, Gaby dividiu os aplausos com todas as pessoas que participaram das fases do projeto. “Esse desfile foi feito por muitas mãos e serve para demarcar a potência do nosso lugar, que é também um território sagrado. Meu agradecimento a toda essa comunidade”, concluiu. Em tupi-guarani, Itamaracá quer dizer pedra que canta. E, agora, também desfila.
O evento, realizado às vésperas do Dia da Consciência Negra, contou também com um reforço internacional: a trancista Lilian Katchaki veio da Guiné-Bissau para fazer o penteado das/os modelos. O país, localizado na costa atlântica da África, faz fronteira ao norte com Senegal e foi a primeira colônia a ter a independência de Portugal reconhecida na África, mas só em 1974. Colonização essa que não tem espaço na moda de Gaby. “A gente precisa usar a nossa arte e o nosso trabalho para nos afirmar enquanto pessoas negras que têm potencialidades, ciência e beleza”.
Criadora da marca Cabrochas Brechó, nas redes sociais a empreendedora é @pretaquepariu e tem presença ativa ao alinhavar moda com questões ambientais, de raça e gênero. “É preciso que haja um consumo consciente e sustentável. O mercado da moda tem chamado a atenção para isso, mas é preciso também identificar quem faz isso de forma real, sem apropriação. E são as comunidades tradicionais que realizam esse trabalho”, analisa.
Gaby Dantas foi a única estilista com atuação em Pernambuco entre 20 profissionais selecionada/os pelo Re-Farm Cria, edital de fortalecimento de jovens talentos cujo trabalho tenha conexão com o chamado ecossistema da moda. Ao todo, foram 370 inscrições das cinco regiões do Brasil. A Marco Zero Conteúdo contou essa em outubro e acompanhou de perto o desfile a convite da Seabra Produções para a vivência ecocultural.
*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã
Uma questão importante!
Se você chegou até aqui, já deve saber que colocar em prática um projeto jornalístico ousado custa caro. Precisamos do apoio das nossas leitoras e leitores para realizar tudo que planejamos com um mínimo de tranquilidade. Doe para a Marco Zero. É muito fácil. Você pode acessar nossa página de doação ou, se preferir, usar nosso PIX (CNPJ: 28.660.021/0001-52).
Apoie o jornalismo que está do seu lado
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.