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Gaby Dantas, a estilista que faz moda sustentável na praia do Sossego, em Itamaracá

Marco Zero Conteúdo / 27/10/2023
Gaby Dantas: jovem mulher negra vestindo roupa azul, está sentada diante de máquina de costura, ao ar livre, com uma peça de jeans sendo costurada e outras várias calças jeans, tanto junto à maquina, quanto por trás e acima da mulher, penduradas em um varal

Crédito: Acervo pessoal

por Jorge Cavalcanti*

Da Praia do Sossego, na Ilha de Itamaracá, no Grande Recife, de onde cria e produz, Maria Gabrielly Dantas, 26 anos, é a única empreendedora com atuação em Pernambuco entre 20 profissionais selecionada(o)s pelo Re-Farm Cria, edital de fortalecimento de jovens talentos cujo trabalho tenha conexão com  o chamado ecossistema da moda. Ao todo, foram 370 inscrições das cinco regiões do Brasil. Na categoria sustentabilidade, ela executa um dos quatro projetos aprovados, o Moda Sustentável do Sossego. Em meados de novembro, um desfile acontecerá em praça pública na ilha. O objetivo é envolver a comunidade e valorizar o território e a produção artística que será confeccionada por artesãos e pescadores durante os encontros.

“Hoje eu construo moda preta sustentável numa perspectiva do que a minha avó já fazia. Ela pegava a blusa de lã do bazar da igreja, desmanchava e costurava uma nova. Hoje, com o acesso da moda, isso se chama mundialmente upcycling”, conta Gaby, como a empreendedora também é conhecida. A especialidade de ressignificar coisas, objetos e lugares é um aprendizado repassado de uma geração a outra. Os encontros do Moda Sustentável Sossego acontecem na Casa de Sal, construção que une os conceitos de moradia e ecologia popular que ela e a mãe, Edna Dantas, ergueram. A empreitada durou seis meses de trabalho e teve com matéria-prima mais de 13 mil garrafas de vidro recolhidas do meio ambiente.

Nos encontros do projeto, acontecerá o processo de produção de peças e artigos de moda a partir de boas práticas, como a recuperação de resíduos e o “design vernacular”. A expressão se refere a formas não-acadêmicas de design com artefatos do dia-a-dia de quem a realiza e vínculo com a cultura local. “Produzo moda numa linguagem conectada com os jovens negros, periféricos, LGBTQIA+, criados por vó. Reuso criativo é a sabedoria popular de quem vive num país escasso”, analisa. 

Criadora da Cabrochas Brechó, Gaby Dantas tem presença ativa nas redes sociais. No Instagram, ela é a @pretaquepariu. Surge exuberante sempre em modelos coloridos, alegres e personalizados. Muitos dos cenários tem a Ilha de Itamaracá como locação para as fotos e vídeos. “A minha grande referência na ilha é a Lia de Itamaracá. Me apresentei para esse território, que tem me acolhido e potencializado. E aqui eu estou. Com o meu trabalho, acredito que também posso ser guardiã desse território negligenciado na política socioambiental”, conta. Pretaquepariu é natural de Curitiba, no Paraná. Habita a Praia do Sossego há cinco anos.

O ambiente sem barreiras físicas do mundo digital tem sido ferramenta para a projeção do trabalho de Gaby Dantas para o Brasil. No final do ano passado, ela estampou as páginas do Estadão, na editoria de Meio Ambiente e Sustentabilidade. Falou um pouco do que significa produzir moda fora do eixo Rio-São Paulo para o jornal que é a cara e a voz da elite paulista.

Abaixo, veja um pouco da conversa da designer de moda com a reportagem da Marco Zero Conteúdo.

Marco Zero – Qual a dimensão da influência da sua avó na sua formação e no seu trabalho?

Gaby Dantas – Minha avó, dona Severina, 84 anos, sempre cuidou de mim enquanto minha mãe trabalhava. Sempre foi uma referência, talvez pelo fato de eu ter sido uma criança negra em um dos estados mais brancos do Brasil, o Paraná. E ter uma referência nordestina dentro de casa, num contexto de Sul, de racismo e xenofobia, foi importante. Minha avó é pernambucana, do agreste, do município de Iati, um lugar indígena. E isso tudo foi formando a minha opinião, o meu pensamento crítico, meu lugar afetivo. Posso dizer que a maior parte boa em mim, da minha veia artística, é minha avó, uma guardiã de saberes, uma mulher do reaproveitamento, do reuso criativo.

Qual a tua experiência sobre produzir no Nordeste, fora do eixo Rio-São Paulo?

O Nordeste é um dos maiores berços culturais da humanidade. Não tem como falar de Cultura sem falar do Nordeste brasileiro, que acaba sendo um grande lugar de inspiração e referência para muitos criativos, para muitas marcas. Mas, na maioria das vezes, na hora do desenvolvimento dos projetos aqui, usa a estrutura do Sul. Ou seja, não fomenta, de fato, o Nordeste. O mundo inteiro está vendo os artistas de brega funk acontecerem, por exemplo. Na grande maioria, jovens negros das periferias de Pernambuco, que batem números que são verdadeiros recordes. E você não vê uma marca grande fazendo publicidade com esses jovens, que têm Instagram com muitos números, já que é isso que importa, os números.

Como você descreve o seu trabalho e a dimensão da sustentabilidade nele? 

A luta socioecocultural eu trago enquanto uma postura de pensar. Que eu posso criar e fomentar algo bom para meu povo, que precisa de muita coisa. Eu vejo na sustentabilidade, na moda preta sustentável que eu produzo, esse caminho. Ailton Krenak traz isso, né: ideias para adiar o fim do mundo. Estamos vivendo num mundo que pede cuidado, que pede conservação, a nossa atenção. Para isso alcançar mais gente, é preciso criar estratégias de grandes redes, nos conectar, conectada com a periferia a grande massa.

*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã

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