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Desorganização e disputa política provocam fracasso da Conferência Estadual de Meio Ambiente

Inácio França / 14/03/2025
A imagem mostra um auditório durante a 5ª Conferência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco. No palco, há um grande telão exibindo o regulamento do evento. Pessoas na plateia e no palco participam ativamente, algumas gesticulando e levantando as mãos. Um homem com microfone parece falar ao público. Uma pessoa vestida com trajes indígenas também está presente. O ambiente sugere um debate intenso, com sinais de discordância ou manifestação. O público é diverso, com roupas e acessórios variados.

Crédito: Reprodução

“A Conferência implodiu antes mesmo de começar os debates”.

“Está tão desorganizado que não pode ser má intenção, é puro amadorismo”.

“A bagunça começou já no credenciamento”.

“Quem veio do sertão viajou a madrugada toda pra só ficar sabendo que o estado não iria fornecer alimentação na hora do almoço”.

“Nem água tem”.

“A equipe da SEMAS tem boa intenção, mas tem pouca experiência com conferência e o primeiro erro começa pela escolha do local para a quantidade de pessoas”.

“Se a SEMAS não tinha experiência, contratava quem tivesse”.

Na tarde da quinta-feira, 13 de março, mensagens como essas começaram a chover nos celulares da equipe da MZ e, provavelmente, dos jornalistas de todos os veículos locais. As mensagens vinham de representantes de organizações da sociedade civil e delegados de vários municípios. Gente de oposição e até aliados do governo Raquel Lyra.

O volume de queixas era tanto que foi até difícil entender o que estava acontecendo ou deixando de acontecer na 5ª Conferência Estadual do Meio Ambiente, organizada pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha (Semas).

A conferência deveria ter começado às 9h, com o credenciamento começando uma hora antes. Mas, às 10h, quando começou a palestra de abertura, alguns delegados ainda buscavam seus nomes para receber a credencial. O atraso, porém, já é considerado normal nesse tipo de evento, principalmente porque ao menos uma delegação do interior, a de Afogados da Ingazeira, avisou que não chegaria a tempo para o café da manhã.

Sim, foi servido café da manhã. Mas não o almoço, o que acirrou os ânimos no início da tarde, após a palestra do vice-reitor da UFPE, Moacyr Araújo. Segundo uma gestora da Semas ouvida pela MZ, a comissão organizadora havia decidido que o estado forneceria duas refeições, mas não o almoço, o que era de amplo conhecimento. Foi durante o intervalo que a organização do evento propôs que, após uma hora e meia da parada para o almoço, fosse feita a leitura do regulamento da conferência.

De acordo com alguns ativistas que participaram do evento, a exemplo de Augusto Semente, do Movimento de Defesa da Mata do Engenho Uchoa, e Wellington Lima, da Unegro, começar o evento pela leitura e debate de pontos críticos do regimento (e não regulamento, pois a diferença dos nomes foi motivo para muita confusão) é praxe de conferências do tipo. “É esse documento que diz como será todo o processo, é a regra do jogo, sem leitura de regimento não tem regra acordada em plenário, e aí o governo pode fazer o que quer”, alfinetou Wellington Lima. Além disso, a validação do regimento é obrigatória.

Pois a leitura e consequente aprovação do regimento (ou regulamento) foi o pivô do tumulto após o almoço.

2026 como pano de fundo

O que aconteceu antes do intervalo já não está disponível no YouTube. Mas a transmissão ao vivo foi retomada à tarde, depois que os 578 delegados voltaram da discussão em cinco grupos temáticos. O que se vê a partir daí é uma bagunça generalizada. Nitidamente, a equipe de organização perde o controle da situação no auditório 4 do Centro de Convenções, com locutores tentando fazer a leitura do regulamento e várias pessoas no palco, gritando palavras de ordem como “cadê o regimento?” e “impugnação”.

A gestora da Semas que aceitou conversar com a MZ pediu anonimato para evitar ter o nome exposto nas redes sociais. Ela rebateu algumas das críticas e garantiu que, sempre que foram consultados, a maioria dos participantes levantava a mão concordando com a continuidade dos debates.

Em relação ao atraso do credenciamento, a integrante da equipe da Semas explicou que o prazo foi ampliado para 11h para garantir que todas as delegações se inscrevessem. Apesar de não ter sido oferecido almoço, o Governo do Estado forneceu o café da manhã e um lanche bem servido no final da tarde. “Durante o processo ficou claro que os municípios custeariam suas respectivas delegações, todos sabiam disso”, afirmou a gestora, que, inicialmente, tentou realizar a leitura e aprovação do regulamento nos grupos temáticos e não no plenário, como é de praxe.

Para organizar o evento, a gestora explicou que a Semas contou com a ajuda da equipe do Ministério do Meio Ambiente durante todo o processo.

O que explicaria então tamanho tumulto? O clima de confronto político antecipado de 2026, entre o prefeito do Recife, João Campos, e a governadora Raquel Lyra. Os gritos e ameaças teriam partido, segundo essa gestora, dos representantes da delegação recifense.

Na véspera da reunião, inclusive, integrantes da Secretaria Municipal do Meio Ambiente teriam procurado a titular da Semas, Ana Luiza Ferreira, pedindo os nomes dos delegados que já haviam se credenciado tanto do Recife quanto de outros municípios, principalmente do sertão do Araripe. A assessoria do secretário municipal de Meio Ambiente, Oscar Paes Barreto, foi procurada. A MZ aguarda posicionamento.

No final, por motivos políticos e desorganização, a 5ª Conferência não elegeu delegados nem escolheu propostas. Ou seja, não terminou. O departamento jurídico da SEMAS está estudando o que pode ser feito para garantir a participação de Pernambuco na Conferência Nacional do meio Ambiente, em maio, em Brasília.

A imagem mostra um grupo diverso de pessoas reunidas em um evento, sorrindo e demonstrando união. No centro, Marina Silva, mulher negra, magra, de óculos e cabelo grisalho preso, vestindo azul, em destaque no encontro. Algumas pessoas usam adesivos com REDE, indicando relação com o partido Rede Sustentabilidade. Duas grandes bandeiras da REDE são seguradas pelo grupo. O ambiente é bem iluminado, com luz natural e uma parede clara ao fundo. Alguns participantes usam crachás e óculos, vestindo roupas casuais.

A ministra Marina Silva está participando de algumas conferências estaduais, mas não veio para a de Pernambuco

Crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil

Atrasos e percalços

Em maio de 2024, os dois funcionários da Semas que assumiram a responsabilidade de organizar a conferência participaram de um curso específico para isso no Ministério do Meio Ambiente, em Brasília. Cinco meses depois, as duas pessoas pediram exoneração por diferentes motivos. A titular da Semas indicou outra equipe que assumiu em novembro, dez dias antes do fim do prazo para a realização, pois as regras da Conferência Nacional do Meio Ambiente estabeleciam que os municípios deveriam promover as conferências municipais entre junho e 25 de novembro.

O prazo não poderia ser pior: havia uma eleição para prefeito e vereador no meio.

Por causa da inadequação do calendário, até 13 de novembro só Garanhuns tinha feito a conferência em Pernambuco. O MMA, então, esticou o prazo para 15 de janeiro, reduzindo o tempo disponível para o estado promover a versão estadual. No final das contas, só 48 municípios pernambucanos elegeram delegados.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.