Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Crédito: Luciano Belford / Agência Nossa
por Andréa Machado, da Agência Nossa
A primeira impressão ao entrar no site da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) é de que se trata de uma instituição ligada ao meio ambiente. Verde predominante no layout, logotipo que até lembra o formato de uma folha e palavras como sustentabilidade e reciclagem em destaque. O que não fica tão óbvio à primeira vista é o próspero mercado que, segundo o Perfil 2020 da associação, produziu 7,3 milhões de toneladas de plástico no ano passado, um crescimento de 2,4% em relação a 2019 e o maior quantitativo desde 2015, quando a produção foi de 7,6 milhões de toneladas.
O faturamento do segmento também cresceu, com um índice de 5,5%, alcançando a marca de R$ 90,8 bilhões no ano passado. Só a brasileira Braskem, sexta maior petroquímica do mundo – indústria fundamental para a produção de plásticos – encerrou o ano de 2020, em plena pandemia, com R$ 58,5 bilhões de receita líquida. O relatório da empresa informa ainda que o ano passado ficou marcado pelo recorde trimestral de vendas de resinas no mercado brasileiro e aumento de vendas nos Estados Unidos, na Europa e no México, levando a um resultado operacional ajustado de aproximadamente R$ 11 bilhões.
Teoricamente, no entanto, o mundo está mudando e as empresas de plástico e matérias-primas do setor estão comprometidas com práticas sustentáveis. O principal produto da indústria do plástico, aliás, nem é mais o plástico e sim o “transformado plástico”, uma mudança sutil, em consonância com o segmento que adota o discurso da sustentabilidade.
Em setembro, a Abiplast anunciou a “Rede Pela Circularidade do Plástico“, novo nome para o projeto de economia circular da instituição, que antes se chamava “Rede de Cooperação para o Plástico“. “O plástico não precisa acabar, precisa circular”, diz o novo slogan do projeto, que combina muito pouco com a boa fase do segmento. Outra iniciativa foi a parceria com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), em 2020, com o objetivo de aprimorar a gestão de resíduos sólidos. A ação inclui projetos de educação e conscientização, como o Movimento Plástico Transforma, realizado em parceria com a Braskem.
Especialistas, entretanto, são unânimes ao afirmar que só a redução do plástico pode ser considerada uma ação sustentável. De acordo com o Atlas do Plástico 2020, publicação da Fundação Heinrich Böll, apenas 1,28% das 11,3 milhões de toneladas de resíduo plástico produzido por ano é de fato reciclada no Brasil. A publicação, que traz informações e números sobre os polímeros sintéticos no Brasil e no mundo, informa que o Brasil tem reciclagem de 145 mil toneladas anuais segundo as informações mais recentes.
Os EUA seguem como campeões de produção de lixo plástico, com 70,782 milhões por ano, mas a taxa de reciclagem é de 34,60%, enquanto esta média no mundo é de, pelo menos, 9%. A publicação também aponta que o Brasil é o quarto maior produtor de lixo plástico no mundo.
“A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei nº 12.305/10, fala bem claro qual é o caminho: primeiro a não geração, depois a redução, reutilização, reciclagem e tratamento, ou seja, não gerar seria o fundamental. Reciclagem é só a segunda forma mais eficiente, não produzir e não consumir é o ideal“, destaca o coordenador de Programas e Projetos na área de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil, Marcelo Montenegro.
Montenegro destaca que uma lei em vigor em toda a União Europeia já baniu o plástico de uso único, que gera maior quantidade de resíduos, como plástico filme, embalagens, talheres e copinhos. Montenegro acredita que uma legislação similar seria o caminho ideal para minimizar o problema do descarte de plástico no Brasil.
De acordo com o jurista ambiental, muitos produtores de plástico no país não levam em conta a cadeia produtiva nem mesmo cumprem a lei, como os fabricantes de embalagens de biscoitos salgadinhos, que, segundo o especialista, é confeccionado a partir de uma combinação de diversos tipos de plásticos não recicláveis.
“Quando se vê este plástico na rua, se culpa o cidadão, o município que deveria ser responsável pela coleta e até o coitado do catador de material reciclado, mas a empresa fabricante não entra neste questionamento e não aparece. Pela lei, a empresa é a responsável por dar fim ao plástico que ela gera e deveria estar respondendo, criando um sistema de coleta deste material e incentivando este processo todo“, observa Montenegro.
De acordo com o Atlas, o verão de 2018/2019 foi o recordista de animais mortos nas praias brasileiras, principalmente por ingestão de plástico. No ranking dos maiores poluidores do oceano por plástico, o Brasil ocupa a 16ª posição, com 2,4 milhões de toneladas descartadas de forma irregular e 7,7 milhões de toneladas despejados em aterros sanitários.
“Tenho achado cada vez mais plástico no mar, só piorou nos últimos meses. Tem menos sacolas plásticas mas em compensação muito mais quentinhas de isopor, garrafas pet. Copo de Guaravita, aquele guaraná barato que vende aqui no Rio, é febre”, conta a remadora Danielle Chevrand, fundadora de um clube de canoa que usufrui das belas enseadas da Baía de Guanabara, em Niterói (RJ).
“Quase toda semana encontramos uma tartaruga morta ou precisando de ajuda para se livrar de saco plástico ou outros lixos”, afirma a atleta, que também é jornalista.
O diretor superintendente da Abiplast, Paulo Teixeira, argumenta que, do total do plástico produzido, cerca de 70% têm ciclo de vida longo ou médio, como canos para construção civil, peças para carros e máquinas, próteses ortopédicas, e, dos 30% restantes, cerca de 2,5% são os chamados descartáveis, como plásticos de uso único.
De acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos (RSU) no Brasil 2020, das 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos gerados no país, 72,7 milhões foram coletadas, mas não há atividades de coleta seletiva em diversos municípios brasileiros.
“O nosso maior desafio é adaptar a lógica dos países centrais à realidade do Brasil. Temos uma sociedade com grande grau de desigualdade, com questões socioeconômicas complexas e graves, como a fome, a renda, o emprego. Não existe gestão de resíduos sólidos universalizada no país, há vários municípios sem coleta de lixo. Nem estamos falando em coleta seletiva! Muitas cidades não contam com água encanada ou tratamento de esgoto”, observa o presidente da Abiplast.
O professor do Instituto Oceanográfico da USP e coordenador da Cátedra Unesco de Sustentabilidade do Oceano Alexandre Turra explica que a simples prática individual da reciclagem é insuficiente para resolver o problema do tratamento do resíduo sólido. Para que esta gestão seja eficaz, é necessário que administrações municipal, estadual e federal viabilizem estas ações.
“O plástico é um produto interessante para várias aplicações. Em termos de termodinâmica, é necessário se valorizar este produto, mas não tem o menor sentido ir pra o aterro. A solução é atribuir ao plástico o valor que ele realmente tem, incorporar os custos para tirar da natureza e minimizar os custos ambientais“, destaca Teixeira.
Em agosto deste ano, o iFood se comprometeu a reduzir a oferta de itens plásticos descartáveis em seus serviços de entrega, assinando o compromisso para a campanha “DeLivreDePlástico”, da ONG Oceana e da Mares Limpos, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Lançada em dezembro de 2020, a iniciativa reivindicava aos aplicativos de entrega de comida a redução da quantidade de plástico descartável que enviam aos consumidores.
De acordo com o documento assinado pelo iFood, as metas de redução estão distribuídas em três fases e a meta é que, até dezembro de 2021, 100% dos restaurantes parceiros terão a opção de não enviar descartáveis. Até 2025, a empresa garantirá que 80% dos pedidos não incluam o envio de guardanapos, talheres, pratos, copos e canudos plásticos. O compromisso inclui, ainda, o desenvolvimento de planos de trabalho com metas de redução para sacolas e embalagens descartáveis até março de 2022 e de inserção de embalagens reutilizáveis até março de 2023.
“Esse foi um primeiro passo, muito importante, porque o Ifood é o maior player da indústria de delivery e tem um papel muito importante nesta transição. Mas o compromisso tem três fases e ainda vamos cobrar o cumprimento das metas, como a redução de embalagens, sacolas e aumento de embalagem retornáveis”, destacou a gerente de Campanhas da Oceana, a engenheira ambiental Lara Iwanicki.
A ONG, no entanto, ainda tenta firmar o mesmo acordo com outros aplicativos. Entre as ações de sustentabilidade, o aplicativo Rappi divulga a integração de um projeto em parceria com a marca de cerveja Corona para a criação do selo Less Plastic, que incentiva restaurantes a reduzirem a quantidade de plástico utilizado. Outra iniciativa da parceria foi a doação, com início em julho, de embalagens feitas a partir de fécula de mandioca, material com tempo de decomposição muito inferior ao plástico, para lojas e restaurantes de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Já a plataforma Uber Eats atua na redução de consumo de descartáveis. Ao selecionar o pedido no aplicativo, o cliente pode escolher se deseja os utensílios e os restaurantes participantes da ação possuem um selo de “restaurante com uso de plástico reduzido”, dentro do App.
“A campanha ‘DeLivreDePlástico’ nasceu durante a pandemia e foi uma resposta ao aumento de consumo e de pedidos de delivery em casa. O consumidor passou a consumir mais em casa, tanto por aplicativo como .por home office e isso aumentou muito a emissão de sacolas, isopor e até de mesmo de embalagens plásticas, como plástico filme, em volta destas do isopor, para evitar o vazamento dos produtos. Os consumidores estavam recebendo pilhas de plástico”, contou Iwanicki.
A gerente ambiental afirma que a própria população está cobrando medidas sustentáveis das empresas e que, em um futuro próximo, quem não se adequar vai perder clientes. Em março, uma pesquisa realizada pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), atendendo a uma solicitação da Oceana e do Pnuma, mostrou que 7 em cada 10 consumidores querem receber seus pedidos sem plástico descartável e que 15% já deixaram de solicitar o serviço por se sentirem incomodados pela quantidade de polímeros enviados junto com a refeição.
O movimento global Break Free From Plastic (BFFP) vai mais fundo na questão da contaminação do meio ambiente por polímeros e preconiza um futuro livre do plástico. Com mais de 11.000 organizações e apoiadores individuais no mundo inteiro, a instituição exige reduções maciças em plásticos de uso único e pressiona por soluções duradouras para a crise de poluição. A ONG acredita que este trabalho deva inserir toda cadeia produtiva, da extração ao descarte, “com foco na prevenção ao invés da cura“ e no fornecimento de soluções eficazes.
Integrante do BFFP, Elisabeth Grimberg é coordenadora de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis, representante da América Latina de GAIA – Aliança Global Alternativas à Incineração, além de coprotetora da Aliança Resíduo Zero Brasil. A especialista propõe uma verdadeira revolução na sociedade, com legislação mais rígida, redesign dos produtos e mudança de hábitos da sociedade.
“O recomendável é que os plásticos duráveis, usados em modem de computador, TV, na fabricação de bens duráveis em geral, sejam reaproveitados quando o equipamento apresentasse alguma falha. O ideal era que estas estruturas fossem passíveis de reaproveitamento, que, se possível apenas se substituísse o motor de um ventilador, por exemplo, assim como outros equipamentos. Estas medidas representariam uma grande eficiência energética e gerariam muito menos impacto ambiental“, recomenda a especialista.
Elisabeth afirma que temas como responsabilidade ambiental e sustentabilidade no campo de produção de plásticos dão uma sensação de greenwashing (ou banho verde, em português), termo utilizado para definir empresas que mascaram o dano provocado ao meio ambiente com medidas de marketing.
A ambientalista também sustenta que são necessárias mudanças no sistema de distribuição de alimentos, lembrando que os supermercados e hortifrútis estão entre alguns dos maiores emissores de plásticos não recicláveis no planeta. Para Grimberg, o ideal seria um sistema com circuitos curtos de produção e consumo, por meio do contato direto com o produtor agrícola, banindo, desta forma, o saquinho plástico de supermercados, proveniente não só das famosas sacolas, como também das embalagens.
“Um sistema com governança, sustentabilidade e responsabilidade maior teria que oferecer linhas de créditos de financiamento com baixos juros para, por exemplo, incentivar a venda de produtos a granel. Nas feiras livres, estimular os comerciantes a conversar com os consumidores para botar o plástico no carrinho sem plástico. Estimular vendas descentralizadas a granel, é toda uma mudança de lógica“, afirmou.
A integrante do BFFP argumenta que esta mudança de hábito de consumo e produção não é tão inviável, tendo em vista que em um passado bem recente, refrigerantes, bebidas alcoólicas, além dos tradicionais copos de requeijão, eram embalados por vidros, recipientes bem menos poluentes e reutilizáveis.
“Por que o plástico não desapareceu? Por causa do custo, basicamente. Tem que chamar estas grandes corporações e questionar: vocês querem ser sustentáveis? Então voltem para o vidro, que é 30 ou 35 vezes mais reutilizável para a mesma finalidade. Assim, você vai gerar essa massa absurda de plástico, mesmo que reciclável“, destaca.
A especialista também adverte que mesmo a reciclagem de plástico provoca impacto ambiental e não deve ser encarada como única solução para poluir menos o ecossistema.
Seja mais que um leitor da Marco Zero…
A Marco Zero acredita que compartilhar informações de qualidade tem o poder de transformar a vida das pessoas. Por isso, produzimos um conteúdo jornalístico de interesse público e comprometido com a defesa dos direitos humanos. Tudo feito de forma independente.
E para manter a nossa independência editorial, não recebemos dinheiro de governos, empresas públicas ou privadas. Por isso, dependemos de você, leitor e leitora, para continuar o nosso trabalho e torná-lo sustentável.
Ao contribuir com a Marco Zero, além de nos ajudar a produzir mais reportagens de qualidade, você estará possibilitando que outras pessoas tenham acesso gratuito ao nosso conteúdo.
Em uma época de tanta desinformação e ataques aos direitos humanos, nunca foi tão importante apoiar o jornalismo independente.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.