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Do artesanato à luta por direitos: as conquistas das mulheres quilombolas da Serra das Viúvas

Giovanna Carneiro / 20/11/2024

Crédito: Divulgação / ASA

“Na década de noventa ninguém sabia o que era ser quilombola, tínhamos aqui as pessoas pretas com seus costumes, com sua cultura, mas ninguém imaginava o que era ser quilombola e foi graças a união das mulheres que nós demos entrada no processo de autoidentificação e conseguimos ser reconhecidos como uma comunidade quilombola”. Enquanto escuta o depoimento de Maria Helena Menezes sobre a história do quilombo Serra das Viúvas, a matriarca da comunidade, Marlene de Araújo, não contém as lágrimas. Aos 61 anos, a líder quilombola conta que “passa um filme na cabeça de toda a luta que a gente viveu”.

Maria Helena e Marlene são partes de uma mesma história, uma história que elas lutam para dar continuidade e ainda buscam por algumas respostas sobre a origem. Moradoras da Serra das Viúvas, localizada no município de Água Branca, no Alto Sertão de Alagoas, as descendentes quilombolas lideram e coordenam a Associação das Mulheres Artesãs e Quilombolas do Quilombo da Serra das Viúvas (AMAQUI).

A trajetória da AMAQUI é a continuação da memória do próprio quilombo e de suas conquistas. A história de formação da comunidade quilombola da Serra das Viúvas foi construída a partir de duas hipóteses. A primeira é que pessoas escravizadas se instalaram ali após fugirem das terras do Barão de Água Branca. Já a segunda é que as pessoas que ali se instalaram firmaram um compromisso de produzir e pagar ao Barão uma cota de uso da terra.

Já o nome da comunidade é uma referência a três famílias que ocuparam a região há séculos. Como contam os mais velhos, as viúvas são as mulheres ancestrais dessas três famílias fundadoras da comunidade que perderam seus maridos e ali permaneceram, criando seus filhos sozinhas.

“Infelizmente nós ainda não temos a confirmação da história da comunidade, não sabemos se essas famílias eram de pessoas escravizadas que aqui se refugiaram, e também não sabemos em que ano exatamente essas famílias chegaram aqui”, lamenta Maria Helena Menezes de Souza, doutora em Linguística e tesoureira da AMAQUI.

“Foi uma luta pra gente conseguir se aceitar como quilombolas, muita gente não entendia, só sabiam o que era ser descendente de escravo e isso ninguém queria ser. Só depois é que as pessoas foram entendendo melhor”, completa Marlene de Araújo.

Marlene de Araújo, líder quilombola da Serra das Viúvas

Artesanato produzido na Associação das Mulheres Quilombolas do Quilombo da Serra das Viúvas.

Crédito: Divulgação / ASA

Casa de Farinha do Quilombo Serra das Viúvas.

Crédito: Divulgação / ASA

Troca de experiência entre as agricultoras em campo.

Crédito: Divulgação / ASA

Maria Helena de Menezes e Marlene de Araújo, lideranças quilombolas e artesãs da AMAQUI.

Crédito: Divulgação / ASA

Atualmente, o Quilombo da Serra das Viúvas conta com cerca de 250 habitantes e 90 famílias. Em visita a comunidade, foi possível perceber como a população reconhece a importância da cultura quilombola e se orgulha de fazer parte dela, tendo o artesanato e a agricultura como tecnologias ancestrais de grande valor. Graças a articulação das mulheres da AMAQUI, hoje o quilombo possui a sede da associação, uma casa de farinha e uma igreja, construções que só foram possíveis com o trabalho das artesãs.

“Os homens podem até contribuir, mas o trabalho pesado mesmo é das mulheres e são elas que fazem tudo isso acontecer, com muito esforço”, conta Maria Helena.

Reconhecimento da identidade quilombola a partir da cultura do artesanato

Através do trabalho como artesãs e agricultoras, as mulheres do quilombo são responsáveis por gerir boa parte da renda da comunidade. E foi graças à organização destas mulheres a partir do artesanato que a população da Serra das Viúvas se reconheceu e se fortaleceu enquanto quilombo.

A confecção de artesanatos a partir de materiais como palha de licuri, cipós e fibras de bananeira foi, até meados dos anos 1990, a principal fonte de sustento da comunidade. Bolsas, chapéus, vassouras, cestas e outros itens eram vendidos em feiras locais, garantindo a subsistência das famílias. Foi nessa época que surgiu um pequeno grupo de mulheres artesãs, que em 1998 e 1999 firmaram uma parceria com o SEBRAE. Através de cursos e oficinas, o grupo diversificou seus produtos e expandiu suas possibilidades no mercado.

Um grande marco dessa parceria aconteceu no ano 2000, quando o grupo de artesãs recebeu o convite para decorar as celebrações do Dia de Zumbi no Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas – há exatos 25 anos deste 20 de novembro. Com a demanda crescente, outras mulheres da comunidade foram convidadas para fazer parte do trabalho. Com isso, a organização ganhou força e as artesãs realizaram algumas parcerias com designers, o que possibilitou o desenvolvimento de outros produtos artesanais.

Enquanto o grupo de artesãs crescia, a identidade quilombola da comunidade se fortalecia. Em 2009, o reconhecimento oficial como quilombo chegou com a certificação da Fundação Palmares. No ano seguinte, as mulheres fundaram a Associação das Mulheres Artesãs e Quilombolas do Quilombo da Serra das Viúvas (AMAQUI), que hoje reúne cerca de 45 associadas com idades entre 18 e 65 anos. Hoje, a associação celebra 25 anos como principal força mobilizadora da Serra das Viúvas.

Antes da construção da sede, as reuniões e os trabalhos aconteciam na casa de farinha, embaixo dos pés de árvore. Em 2018, conseguiram a doação de materiais para a construção da sede, que era um sonho coletivo. Na sede são realizadas oficinas, reuniões, ensaios, cursos e é também onde funciona a creche municipal da comunidade.

Com o reconhecimento e a titulação como território quilombola, as mulheres da AMAQUI avançaram em outras conquistas para a comunidade e buscaram políticas públicas para fortalecer a prática da agricultura. Com isso, as mulheres alcançaram um grande feito: o quilombo foi contemplado com o Programa Cisternas e atualmente todas as casas possuem a tecnologia de reservatório de água.

“Isso foi uma grande bênção porque antes a gente sofria muito sem água aqui, tínhamos que caminhar bem muito para pegar água e carregar nos potes, que muitas vezes quebravam no caminho”, conta a líder quilombola Marlene de Araújo.

Graças a história de resistência e conquistas, a AMAQUI foi uma das iniciativas escolhidas para integrar o X Encontro Nacional da Articulação Semiárido (EnconASA), que acontece entre os dias 18 e 22 de novembro nos estados de Sergipe e Alagoas. Em visita ao quilombo, parte dos agricultores e lideranças camponesas que participam do evento puderam conhecer as técnicas de artesanato, de agricultura e também a casa de farinha da comunidade da Serra das Viúvas. Os integrantes do grupo também trocaram experiências e saberes sobre a agricultura familiar em uma roda de diálogos.

O EnconASA tem o apoio do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), da Prefeitura Municipal de Piranhas, da Cáritas Francesa, e patrocínio da Fundação Banco do Brasil.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.