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Dona Liu, 82 anos, luta contra o despejo da casa onde nasceu e morou por toda a vida na Madalena

Giovanna Carneiro / 17/01/2023

Maria José da Silva, a Dona Liu, diz que tem laços afetivos com a comunidade e vai lutar para permanecer na casa. Crédito: Arnaldo Sete / MZ Conteúdo.

Há 82 anos, Maria José da Silva, conhecida pelos vizinhos como Dona Liu, mora na Comunidade Mangueira da Torre, no bairro da Madalena, Zona Oeste do Recife. A casa onde nasceu, cresceu e criou seus nove filhos é para a idosa um lugar sagrado e de valor imensurável. “Podiam me oferecer o maior apartamento do mundo, mas eu não saia da minha casa porque eu amo tudo que tem aqui”, disse Dona Liu.

Além de amar tudo no lar em que construiu, dona Liu também é muito amada em sua comunidade. Assim que a reportagem da Marco Zero chegou na rua, encontramos alguns vizinhos que comentavam preocupados sobre a situação que a idosa vem enfrentado. “Será que é possível fazerem isso mesmo, de tirar ela daqui depois de tantos anos?”; “A gente não deixa não, a gente faz um alvoroço aqui, mas ela não sai”; “Ela ‘tá’ aqui há muito tempo, viu tudo aqui ser construído”, foram alguns dos comentários que ouvimos.

A apreensão toma conta da comunidade porque, no dia 11 de janeiro, dona Liu recebeu uma ordem judicial determinando que o seu imóvel fosse desocupado no prazo de 30 dias. “Estou muito mal com tudo isso”, afirmou a idosa que é hipertensa e tem um marca-passo ligado ao coração.

A decisão, assinada pelo juiz Hélio Silvio Ourém Campos, é referente a um mandado de reintegração de posse expedido pelo casal José Arraes de Alencar Ximenes e Ana Maria de Albuquerque Lima Ximenes, reconhecidos como donos do local. No entanto, o terreno onde estão construídas a casa de Dona Liu e outras residências que abrigam seus familiares, que ao todo conta com 35 moradores, está dentro de uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS).

“É muito estranho que de toda a ZEIS só esse lote esteja passando por essa especulação. Minha mãe mora aqui há 82 anos, e há uns 23 anos chegou esse empresário dizendo que era dono do terreno e mandando a gente embora. Mas tudo tem um porquê e eu acredito que o fato de estarmos em uma área de especulação imobiliária forte, em uma região da cidade que é bem localizada e está cada vez mais valorizada, influencia”, declarou Eduardo José, filho de dona Liu.

Comunidade Mangueira da Torre, no bairro da Madalena, Zona Oeste do Recife. Crédito: Arnaldo Sete/ MZ Conteúdo

Segunda tentativa de despejo em menos de dois anos

Em setembro de 2021, dona Liu já havia recebido um pedido de desocupação voluntária do terreno, mas, graças à “lei de despejo zero”, – que vetou medidas administrativas ou judiciais que resultassem em despejos, desocupações ou reintegrações de posse no período crítico da pandemia da covid-19 – , aprovada na Assembleia Legislativa de Pernambuco, o processo foi suspenso.

Agora, dona Liu e seus familiares voltaram a enfrentar o processo judicial, mas garantem que não vão deixar o imóvel. “Nós vamos protestar até o fim, mas não vamos sair daqui. Isso aqui é história, tem valor afetivo, não é só um pedaço de terra e umas casas não”, declarou Natália Castro, sobrinha de dona Liu.

O defensor regional de direitos humanos da DPU, André Carneiro Leão, que acompanha o caso desde 2021, explicou os trâmites da ação judicial. “O processo estava suspenso em razão do pedido formulado pela Defensoria Pública da União. Em outubro de 2022, o advogado da parte autora pediu a retomada do curso do processo e a imissão na posse. Em novembro, o juiz, induzido ao erro, acatou o pedido e determinou a imissão. As famílias foram intimadas na semana passada e o processo agora aguarda a manifestação da parte ré, se ela vai ou não acatar a desocupação voluntária”, disse o defensor.

“A DPU apresentará pedido de reconsideração ao Juiz, a fim de que seja cumprida a decisão do STF na ADPF 828 e que o processo fique suspenso, pelo menos até que haja a reunião da Comissão de Mediação do TRF-5. Se necessário, a Defensoria recorrerá da decisão e apresentará uma Reclamação Constitucional dirigida diretamente ao STF. Contudo, acreditamos na possibilidade de solução consensual do conflito”, completou Carneiro Leão.

Dona Liu conta com o apoio de familiares e moradores da comunidade. Crédito: Arnaldo Sete / MZ Conteúdo.

Na última sexta-feira, 13 de janeiro, familiares, amigos e vizinhos de dona Liu realizaram um protesto e interditaram a Rua José Bonifácio, na Madalena, a fim de cobrar da prefeitura uma posição sobre a ação de despejo. “Só assim nós conseguimos ser ouvidos”, afirmou Natália Castro.De acordo com os moradores, a Prefeitura do Recife não emitiu nenhum aviso ou esclarecimento à comunidade e eles foram pegos de surpresa com o pedido de reintegração de posse.

A Prefeitura do Recife enviou, nesta segunda-feira, uma nota aos moradores da comunidade Mangueira da Torre onde afirma que apresentou uma proposta de compra do terreno ao representante jurídico do casal José Arraes de Alencar Ximenes e Ana Maria de Albuquerque Lima Ximenes e que, caso o acordo seja firmado, pretende conceder os títulos de propriedade aos atuais moradores.O empresário é parente do prefeito João Campos.

Apreensiva, dona Liu espera que o processo acabe o quanto antes para que ela possa continuar vivendo em paz e segurança junto a sua família. “É muito ruim quando a pessoa nasce e se cria em um lugar e de repente ver alguém querendo tirar o que é seu”, concluiu a idosa.

Leia a nota da PCR na íntegra:

NOTA PREFEITURA DO RECIFE – Visando mediar o conflito de interesses envolvendo um terreno na comunidade Mangueira da Torre, no bairro do mesmo nome, a Prefeitura do Recife reuniu-se, na semana passada, com o representante jurídico do proprietário do local para verificar a situação do processo. Na ocasião, a gestão municipal apresentou uma proposta para aquisição do terreno e, com isso, futuramente poder conceder os títulos de propriedade aos atuais moradores. A gestão municipal aguarda retorno da parte interessada, pelo fato de o terreno estar inserido numa Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). As ZEIS são áreas de assentamentos habitacionais, previstas em legislação municipal, que visam promover projetos de urbanização e regularização fundiária e proteger os espaços urbanos de especulação imobiliária. Por fim, caso a proposta não seja aceita, a Prefeitura avalia a possibilidade de desapropriação do terreno.

* Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.