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Foto da cintura para cima do professor Josimar Medeiros, homem branco, de meia idade, calvo, usando camisa azul e óculos de aro escuro. Ele está em pé em frente a um jardim ou espaço verde cuja entrada está sinalizada por uma placa que tem texto escrito. A placa branca com letras pretas está suspensa entre dois postes e contém texto em português que diz “Guardiões da Natureza Contribuindo para a Sustentabilidade Urbana”. Flores cor-de-rosa estão crescendo ao redor e sobre a placa. Ao fundo, pode-se ver um espaço verde com várias plantas e árvores sob céu claro. Há também uma pequena cerca branca visível no lado esquerdo da imagem.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo.

Ele tem um sonho: reflorestar a caatinga

Sem políticas públicas de reflorestamento, professor se dedica a formar voluntários para plantar faveleiras na caatinga

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo.

Especialista em Bioecologia, mestre em Engenharia Sanitária, doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente, pós-doutor em Geografia. O currículo de Josimar Araújo de Medeiros sugere que se trata de um pesquisador ou acadêmico imerso nos corredores de uma universidade, preocupado com a publicação de seu próximo artigo em alguma revista científica ou preparando uma aula magna. Nada mais distante da verdade.

Até que tentaram tirá-lo de São José do Seridó, mas ele nunca quis sair desse município do Seridó potiguar com 4.560 habitantes, de acordo com o Censo de 2022. Lá, ele é professor de Geografia da escola estadual e também da rede municipal de ensino. De vez em quando, atende a alguns convites e dá aulas em módulos em pós-graduações de várias universidades pelo país, mas seus horizontes são outros: “minha vida é aqui, trabalhando educação ambiental com as crianças e adolescentes, formando gente disposta a atuar coletivamente pela caatinga, pelo meio ambiente”.

A convivência com estudantes da sua cidade dá a Josimar a dimensão do problema: “minha geração cresceu achando que açudes não secavam. As crianças de hoje estão crescendo achando que os açudes nunca enchem”

Josimar persegue um objetivo que passa longe do mundo acadêmico. Em 1999, ano em que o Brasil sediou a COP-3 da Desertificação, ele começou a colocar em prática uma ideia ambiciosa: reflorestar a caatinga na região. Ele alimenta a esperança de que é possível evitar que o Seridó se transforme em deserto.

“Não há mais processos ecológicos para que a vida volte a brotar. A cada seca, vemos mais juremas e pereiros mortos. E essas plantas são as últimas a morrer, são as mais resistentes à falta d’água. Essa é a nossa realidade, mas que não aparece nas imagens feitas por satélites, só sabe quem vive o cotidiano do semiárido”, afirma Josimar. Essa foi a razão que o leva a mobilizar alunos, ex-alunos e famílias agricultoras como voluntários no reflorestamento do território.

Foto de algumas faveleiras, árvores jovens e verdes em um terreno árido. As árvores têm troncos finos e estão cobertas de folhas verdes brilhantes, indicando vida apesar das condições do solo. O céu acima é claro e azul sem nuvens visíveis, sugerindo um dia ensolarado. A paisagem ao redor parece seca e desértica, mas as árvores proporcionam um contraste verde vivo.

O uso da favela no reflorestamento aumenta a biodiversidade, explica Josimar

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo.

A opção pela faveleira

Depois de testar várias espécies de plantas nativas, o geógrafo decidiu pela espinhosa favelereira, também conhecida como favela. E ele detalha os fatores que justificam a escolha:

“Pra começar, o gado só come as folhas da faveleira quando elas caem no chão, pois os espinhos mantêm os animais longe da planta saudável. Além disso, ela fornece sombra e matéria orgânica, além de ser uma árvore que pode durar séculos”, explica Josimar, que faz parte do comitê municipal de combate à desertificação de São José do Seridó.

Nas áreas reflorestadas, Josimar e os voluntários identificaram que, a cada hectare com plantio de faveleiras, em média, convivem mil plantas de oito espécies diferentes. Onde não há faveleiras replantadas, há apenas 700 plantas por hectare. “Onde tem faveleira parece um jardim”, resume o também geógrafo Inácio Libânio, de 40 anos, educador ambiental da ONG Cáritas e ex-aluno de Josimar no ensino médio.

A partir de sua experiência na Cáritas, Libânio lembra que, quando uma experiência de reflorestamento é executada por alguma empresa privada de gestão ambiental contratada pelo poder público, o planejamento vem pronto de cima pra baixo. “E inclui o uso de espécies inadequadas ou de plantas exóticas”, critica. Um exemplo seria o uso de pés de algaroba, espécie nativa dos Andes que consome toda a água no solo e não permite que outras plantas germinem ao seu redor.

Teobaldo Clemente da Costa, de 79 anos, foi um dos agricultores que aceitaram receber os estudantes e voluntários coordenados por Josimar para o replantio de faveleiras em sua terra. As árvores plantadas pelo grupo às margens de um riacho intermitente permanecem com as folhas verdes desde que foram plantadas há uma década, sinal de que as raízes estão mantendo a água no subsolo.

Curiosamente, Teobaldo encontrou para os pés de favelas uma utilidade para diferente da imaginada por Josimar: “eu uso as sementes dela para plantar onde não tem água, nas clareiras, porque elas secam e os bois comem as folhas caídas no chão pra engordar na estiagem. É como se fosse uma forragem natural”.

Foto de Teobaldo Clemente Costa, homem idoso, pardo, sentado em uma cadeira branca em um ambiente com paredes amarelas desgastadas. Ele está usando um chapéu de palha, uma camisa preta e calças escuras. A parede amarela ao fundo está desgastada e descascando, mostrando sinais de envelhecimento e desgaste. Há uma porta ou janela aberta à esquerda, permitindo a entrada de luz natural e mostrando parte da vegetação externa. O chão é de concreto não acabado e mostra manchas e marcas de uso.

Teobaldo está usando faveleira como forragem para o gado

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo.

A ameaça das eólicas

O professor de Geografia da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) Manoel Cirício Pereira Neto, amigo de Josimar e admirador de sua atuação, acredita que todo o esforço do replantio da caatinga será em vão se uma nova e mais perigosa ameaça não for enfrentada: a produção de energia eólica. Para ele, o desmatamento das serras para a construção dos parques eólicos pode ser o que falta para, definitivamente, transformar a região em um deserto.

“A solução para conter o processo de desertificação passa por políticas públicas para conservar o bioma nas serras da região. Acredito que criar unidades de conservação seria um modo eficiente de manter as nascentes d’água e a biodiversidade existente”, defende. Para Cirício, a estratégia dos governos para combater a desertificação deveria priorizar mais recursos financeiros para a conservação.

Mesmo assim, Josimar acredita que o reflorestamento precisa ser uma prioridade para a sociedade civil: “existem políticas públicas e financiamento para perfurar poços e construir cisternas, mas não há para o reflorestamento”.

Foto aérea de uma paisagem árida com vegetação esparsa e um caminho de terra que serpenteia pelo terreno plano. Um caminho de terra clara serpenteia pelo cenário, indicando uma rota ou trilha. Ao fundo, há uma visão distante de montanhas ou colinas sob um céu claro com algumas nuvens dispersas. Há um contraste visível entre o terreno árido em primeiro plano e as áreas mais verdes ao fundo. O céu é amplo e claro, dominando a parte superior da imagem.

No Seridó, as clareiras estão cada vez maiores e se tornando permanentes

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo.
AUTORES
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.

Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.