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Foto: Divulgação/ASA
A ameaça das sementes transgênicas de multinacionais como a Monsanto sobre as sementes crioulas (cultivadas sem agrotóxicos e fertilizantes, melhoradas ao longo dos séculos na agricultura familiar) é o principal mote do V Encontro de Agricultoras e Agricultores Experimentadores do Semiárido que reúne, em Juazeiro do Norte (CE), desde terça-feira, (12), 250 camponeses/as dos nove estados nordestinos, além de Minas Gerais.
Quem promove o evento é a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), que também convidou representantes de instituições de pesquisa e de organizações de fortalecimento da agricultura familiar.
A dinâmica do encontro, realizado no Horto do Padre Cícero, permite a troca de experiências entre as famílias e grupos de agricultores de vários assentamentos, resultantes de ocupações do Movimento dos Sem-Terra, e que hoje abastecem as feiras de orgânicos de centenas de municípios. De acordo com os informes da ASA, o objetivo é valorizar o conhecimento produzido pelas famílias participantes de programas como o Um Milhão de Cisternas.
Além disso, há também o intercâmbio entre a produção científica tradicional e os saberes das famílias do campo.
Um exemplo disso são as pesquisas que comparam as variedades crioulas, melhoradas há séculos por gerações de camponeses, com as variedades convencionais, melhoradas por instituições de pesquisas.
Estes estudos, realizados na Paraíba, Sergipe e Ceará pela Embrapa, em parceria com organizações que fazem parte da ASA, com variedades crioulas de milho e de feijão, têm confirmado o que os agricultores e agricultoras já sabiam: que as sementes crioulas são melhor adaptadas às características ecológicas do Semiárido e respondem a contento a todas as necessidades de quem as planta.
Esse reconhecimento produz argumentos que dão força aos questionamentos feitos aos programas públicos inadequados, como o de distribuição de sementes não adaptadas à região.
Dias antes do encontro a ASA anunciou uma nova parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). Esse projeto irá ampliar as pesquisas sobre as sementes crioulas no Semiárido. Em sete territórios de quatro estados – Bahia, Pernambuco, Paraíba e Piauí – serão realizados estudos para averiguar as qualidades de germinação, produção e outras das variedades genéticas de domínio das famílias agricultoras.
Bom humor, sabedoria e resistência
Na abertura do encontro, o bom humor da agricultora e militante do MST, Maria Ana da Silva, de 66 anos, deu o tom do que viria a seguir:. “Eu não sei porque me escolheram para fazer a abertura. Deve ser porque sou atrevida e falo sem ficar escolhendo as palavras, mas se encaixa naquilo que querem escutar”, explica, arrancando risadas da plateia.
Semianalfabeta – “só sei escrever o nome, não leio nadinha, mesmo assim dou palestra no mundo todo” – , Maria resume assim os desdobramentos das políticas concebidas e executadas pela ASA: “Esses encontros fazem os agricultores ficarem sabidos. Hoje a gente sabe que essas sementes que o Governo Federal distribui são para nos iludir, nos enganar”.
Maria faz parte do Assentamento 10 de Abril, no Crato (CE), nascido da luta dos sem-terra e que hoje mantem, por exemplo, uma rádio comunitária e um convênio com a Universidade Federal do Cariri. A feira de orgânicos criada pelas famílias do assentamento no centro do Crato deu origem a outras três feiras agroecológicas de outros grupos.
O agricultor Josivan Lima, de 37 anos, vindo de Santa Cruz da Baixa Verde, onde está integrado à Associação de Desenvolvimento Rural Sustentável da Serra da Baixa Verde (Adessu), explica que a contaminação das lavouras pelos transgênicos não se dá apenas pela distribuição de sementes pelos programas governamentais.
“A contaminação se dá pelo vento, pela água ou pelas abelhas que sobrevivem aos veneno. Assim, o pólen das plantas nascidas de sementes transgênicas, de lavouras vizinhas, vai parar nas nossas plantações”, relata Josivan.
Como outros agricultores e agricultoras das entidades da ASA, ele decide por uma tática que dispensa o enfretamento, lançando mão da generosidade: “A gente distribui sementes crioulas, que produzem mais sem precisar gastar com agrotóxicos nem fertilizantes, para os vizinhos. Aos poucos, o veneno e os transgênicos vão ficando mais distantes”.
Outro agricultor de Pernambuco, Gildevan de Nascimento, de Ouricuri, acredita que é preciso investir nos bancos de sementes que a ASA implanta há alguns anos no Semiárido. “Essas multinacionais só pensam em lucrar, lucrar e lucrar. Se a semente crioula sumir, vamos ter de acabar pagando por semente ruim. O banco de semente preserva e fortalece o conhecimento do nosso povo”, explica Gildevan, que tem 21 anos e já usando as técnicas da agroecologia no sítio da família.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.