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Em Surubim, alívio do auxílio deixa de fora 1,5 mil famílias em situação de pobreza

Marco Zero Conteúdo / 20/08/2020

Marina, Raquel e Severina dependem, agora, na pandemia, dos recursos do auxílio emergencial e do INSS. Crédito: Janaína Costa/MZ Conteúdo

Cobertura produzida por alunos do projeto de extensão Reportagens Especiais do curso de Comunicação Social do campus Caruaru (UFPE) mostra os impacto do Auxílio Emergencial em cidades do Interior de Pernambuco. Uma parceria do Observatório da Vida Agreste (OVA) com a Marco Zero Conteúdo.

Por Maria Souza

Em março, Raquel Costa, 26 anos, mãe de Marina, 2, deixou a zona urbana de Surubim, Agreste pernambucano, e retornou para a casa dos pais na zona rural. Trabalhava em uma padaria e ganhava R$ 500 mensais para custear as despesas do aluguel — os R$ 180 do Bolsa Família ajudavam a manter a dupla. A Covid-19 mudou tudo: levou seu emprego e, agora, sua sobrevivência depende do auxílio emergencial.

A nova configuração decorrente da pandemia fez com que a renda de toda família de Raquel passasse a depender do Instituto Nacional de Auxílio Social (INSS) e do Cadastro Único (CadÚnico, no qual constam as famílias brasileiras em situação de pobreza e extrema pobreza). Atualmente, na casa dos Costa, a renda mensal vem da aposentadoria do pai (R$ 788) e da mãe (o mesmo valor) e dos R$ 600 do auxílio emergencial que Raquel recebe.

Apesar de ser mãe e não contar com ajuda financeira do pai de Marina, ela não ganha os R$ 1.200 destinados a mulheres em sua condição, pois divide o cadastro com a irmã Janaína, 24, e o irmão Valdir, 36, desempregados. Ambos também recebem os R$ 600 emergenciais.

Frente à realidade do município, no qual 3.100 pessoas vivem na pobreza ou extrema pobreza (recebendo menos de U$S 1,90 por dia) e não contam nem mesmo com o Bolsa Família, pode-se dizer que os Costa estão bem — mas com a proximidade do fim do auxílio, que deve durar até outubro, esse cenário vai mudar drasticamente.

Os dados são do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da cidade, no qual constam que 1.539 famílias vivem sem qualquer programa de transferência de renda por parte do governo federal. Novas inscrições — ou seja, repasses — para o programa foram cortadas pelo Governo Federal desde maio. Hoje, em Surubim, existem 14.967 famílias no CadÚnico. São 9.753 famílias que possuem Bolsa Família ativo, 9.509 delas recebendo o auxílio emergencial (atualmente, 70 famílias estão sendo fiscalizadas pela Controladoria Geral da União).

Inserida nesses números, Raquel reconhece a importância de programas sociais como o Bolsa Família e o auxílio emergencial para milhares de mulheres que, assim como ela, são (no caso, eram) únicas provedoras da família.

Mulheres provedoras

No Brasil, 60 milhões de mulheres chefiam os próprios lares, de acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estática (IBGE). Desse número, 57% estão abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com uma renda mensal de pouco mais que R$ 400. Entre mulheres negras especificamente, esse percentual chega a 65% dos domicílios. “Toda minha renda do Bolsa Família está voltada para gastos como alimentação e medicamentos”, conta Raquel, que recebeu três parcelas do auxílio. “Meus pais têm o dinheiro deles, mas precisam várias vezes da ajuda do meu para manter as despesas da casa”, relata.

O auxílio emergencial varia de R$ 600 a R$ 1.800 por família. A mulher provedora de família monoparental, ou seja, sem cônjuge e responsável ao menos por uma pessoa menor de 18 anos, recebe R$ 1.200. Segundo estimativa do Ministério da Cidadania, há ao menos 6 milhões nesse critério atualmente em todo o Brasil.

Em Surubim, com população de pouco mais de 60 mil habitantes, quase 10 mil famílias estão sobrevivendo com recursos do auxílio emergencial. Crédito: Alexandre Santana/Divulgação

Kátia Silva, 29, mãe de Arthur, 9, e Heytor, 10, viu desaparecer o trabalho informal como vendedora em Santa Cruz do Capibaribe, a 53 quilômetros de Surubim. Está há sete meses sem trabalho. Diz que as coisas já estavam difíceis há mais tempo, mas que agora não sobra nenhuma reserva depois que as despesas são pagas. “O dinheiro que recebo serve para custear luz, água e mercado. A feira ainda está fechada e muita gente depende dela, esse auxílio veio como uma válvula de escape”, conta a feirante, cujo lucro semanal era de R$ 90.

Hoje, o dinheiro do auxílio está servindo para amparar toda a família: o marido de Kátia, Marcos Souza, 32, também está em quarentena e desempregado. Caminhoneiro, ele faz parte dos 9 milhões de pessoas no Brasil que ficaram sem trabalho por conta da pandemia.

Pão e sopa

De acordo com Kellyane Medeiros, gestora do Cadastro Único e coordenadora do Programa Bolsa Família em Surubim, o CRAS intensificou o atendimento à população durante a pandemia com a adoção do serviço online. “Disponibilizamos um número de WhatsApp para diminuir a demanda presencial”, comenta.

O centro tem oferecido apoio para as famílias de bairros que se encontram mais vulneráveis, como a distribuição de pão e sopa. Atualmente, realiza a doação de cestas básicas, auxílio funeral, auxílio psicológico e suporte nutricional (consulta com nutricionista e doação de alimentos). De 2017 a 2020, houve um aumento de 37% em famílias que recebem o Bolsa Família na cidade.

Em Surubim, os bairros mais vulneráveis são também os que mais apresentam casos de Covid-19. Bela Vista registrou 34 casos leves, 4 casos graves e 2 óbitos. São José, 72 casos leves, 12 casos graves e 3 óbitos. O bairro Santo Antônio teve 20 casos leves, 1 caso grave e 1 óbito. Baraúnas, que também está nessa lista de bairros com menor renda, não apresentou nenhum caso até agora. No total, foram contabilizados 849 casos de Covid-19 na cidade. Entre esses, 126 pessoas estão em isolamento, 13 pessoas infectadas são profissionais da área da saúde, 684 pessoas já estão recuperadas e 105 casos suspeitos estão aguardando o resultado do exame laboratorial. A cidade registrou 26 óbitos, segundo dados divulgados no Instagram da Prefeitura.

Segundo o Ministério da Cidadania, cerca de 14,28 milhões de famílias receberam o Bolsa Família em maio em todo o país. Desse total, mais de 95% (13,6 milhões de famílias) também receberam a segunda parcela do auxílio emergencial. Ainda segundo o Ministério, cerca de 1,2 milhões de cidadãos elegíveis à Bolsa Família foram incluídos nos pagamentos do auxílio emergencial. O recebimento do auxílio emergencial é automático para quem está inscrito no Cadastro Único.

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