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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
Imagine ouvir durante todo o dia um ruído que lembra o de um avião sobrevoando a sua casa em uma altura relativamente baixa. É essa a realidade dos moradores do Sítio Sobradinho, localizado no município de Caetés, no Agreste de Pernambuco. Desde 2015, após a instalação de um parque eólico da empresa Cubico Sustainable Investments na região, as famílias de pequenos agricultores tiveram suas rotinas alteradas e “perderam completamente o sossego”.O barulho constante, em volume alto, é só um dos problemas dos camponeses vizinhos das turbinas eólicas em forma de gigantescos cata-ventos.
“Depois da implantação desse parque foi muito sofrimento para os moradores daqui por causa do barulho que é demais, a poeira também. Quando foram implantar o parque, tiveram que explodir algumas pedras para colocar as torres eólicas e muitas casas ficaram rachadas, a minha foi uma delas e até hoje está assim. Procuramos os responsáveis, mas eles nunca resolveram o nosso problema”, conta Roselma de Melo, moradora do Sítio Sobradinho.
Com sua casa cercada pelos aerogeradores, que são responsáveis por captar o vento e converter em energia, Roselma teme que as estruturas desabem e causem um grave acidente. “Com o passar do tempo as torres estão se desgastando, ficando velhas, e por mais que façam manutenção, o risco delas caírem é alto, há pouco tempo a hélice de uma delas caiu bem atrás da minha casa”, recorda, entregando um vídeo com o registro da queda da hélice.
Roselma é uma das poucas pessoas que permanece no local, pois muitas famílias venderam seus terrenos e casas, mudando para outras regiões. Ela resiste e cobra dos responsáveis pelo parque eólico uma solução, pois já não há mais condições de continuar habitando o território onde vive há pelo menos 13 anos. “O que todo mundo agora está esperando é a indenização pra gente poder sair do canto da gente pra ir morar em outro lugar. Não temos outra escolha”, disse.
A proximidade das torres eólicas da casa de Roselma, onde ela vive junto com o marido, seus dois filhos e seus sogros, é surpreendente e assustadora. Ao lado e atrás de sua propriedade os aerogeradores estão a apenas 150 metros. O barulho dos motores é ininterrupto e perturbador. Segundo ela, à noite, por volta das 22h, os ruídos ficam ainda mais altos. “A gente vive com medo, qualquer barulho a gente já pensa que são elas [torres] caindo por cima da casa, tem noite que a gente levanta com o barulho delas e já vimos algumas pegando fogo”, declarou a dona de casa.
“Depois da implantação muitos animais cismaram e fugiram daqui. Antes era comum, hoje em dia dificilmente a gente escuta o canto dos pássaros aqui, muitos dos animais que viviam por aqui a gente não vê mais, sumiram e eu acho que foi porque eles ficaram assustados com o barulho das torres”, completou Roselma.
Devido ao barulho dos aerogeradores, problemas de saúde como insônia, ansiedade, depressão e perda da audição se tornaram comum entre os agricultores do Sítio Sobradinho. Para muitos, dormir agora só é possível com a ajuda de remédios.O caso de Edna Pereira, a situação é ainda mais grave. Logo após sobreviver a uma delicada cirurgia para a retirada de um tumor na cabeça, Edna precisou conviver com as mudanças causadas pela instalação do parque eólico em sua propriedade e em toda a vizinhança.
“Eu não consigo dormir e não tenho mais sossego, fico muito agitada. A cada vez que eu vou ao médico, ele aumenta a dose de minha medicação porque eu não consigo dormir e os remédios nem fazem mais efeito. O barulho dessas torres me prejudica muito, mas os médicos dizem que não podem fazer nada porque não é culpa deles que tenham instalado as torres”.Com o tempo, as coisas só pioraram. “Há poucos dias eu me assustei com um barulho nas torres, caí e bati com a cabeça no chão. Os médicos pediram para eu fazer uma ressonância, mas eu ainda não fiz porque não tenho condições de pagar e estou esperando”, completou Edna.
“Desesperançada da vida”, ela perdeu mais de 10 quilos. “Como é que eles [empresários] chegam aqui e botam essas coisas [aerogeradores] sem pedir permissão a ninguém? Antes aqui era Sítio Sobradinho e agora já não é mais, agora eles é que são os donos e não pode ser assim, nós temos nossos direitos. Eu não quero sair do meu lugar porque meu lugar era muito sossegado, um lugar para você viver a vida inteira e agora não tem mais como eu viver aqui. Como é que eles podem vir fazer isso e tirar a paz da gente? Eu não me conformo com isso não”, desabafou Edna Pereira.
Assim como Roselma e sua família, Edna espera que a empresa compre o seu terreno para que ela possa se mudar, enquanto não consegue, a dona de casa tem procurado refúgio na casa de sua filha, que mora um pouco mais distante dos limites do parque.
Mencionado nos primeiros parágrafos dessa reportagem, o incidente da queda da hélice assustou os moradores do Sítio Sobradinho. Foi no final de 2021 quando uma das “pás” da torre que fica nos fundos do terreno de Roselma de Melo explodiu e caiu. A proximidade da torre levou pânico à família e aos vizinhos.“No dia que a hélice quebrou foi muito assustador. Era de manhã cedo, meus filhos estavam dormindo ainda quando, de repente, a gente ouviu a explosão, no lugar que ela caiu destruiu todas as plantas. Isso porque foi só um pedaço da hélice, se tivesse sido a torre toda tinha feito um estrago muito maior”, relatou Roselma.
Em um vídeo gravado pela família, é possível ver os pedaços da hélice se desprendendo da torre enquanto o motor emite um forte ruído.
“Foi um tiro condenado quando ela estourou, voou material pra todo canto. Tinha uma casa perto, caiu um pedaço no terreiro da casa, só não fez um estrago maior porque tinham uns cabos e ela ficou pendurada, mas ainda voaram muitos pedaços”, afirmou o agricultor Luiz Bezerra, vizinho do local do incidente.
A queda da hélice destruiu um trecho da vegetação local, mas foi pouco diante do desmatamento já realizado naquele trecho da caatinga. Para realizar o transporte do material para a instalação e manutenção dos aerogeradores, a empresa precisou construir novas estradas de acesso, desmatando uma grande área de vegetação nativa. As novas estradas, por sua vez, trouxeram outro problema inédito em Sobradinho: a violência. “Depois que fizeram essas estradas tá todo mundo com medo, muita gente já foi roubada”, revelou Edna Pereira.
Durante seis dias, a Marco Zero tentou contato com a empresa Cubico Sustainable Investments através do site e pelo e-mail corpotivo de Louis Scorza, apresentado no site como diretor de comunicações da empresa, mas até o fechamento desta reportagem não recebemos nenhum retorno.
Criada em 2015, a Cubico tem sede em Londres e conta com projetos de energia renovável em tecnologias eólica, solar fotovoltaica e solar térmica, em 12 países, entre eles, Uruguai, México, Portugal, Estados Unidos e Espanha. No Brasil, a empresa tem sedes filiais nos estados de São Paulo e Fortaleza e operações nas cidades de Caetés, em Pernambuco e Araripe, no Piauí.
Na aba “Sobre Nós – Quem Somos” do site oficial da empresa, a Cubico afirma o seguinte: “Estamos totalmente comprometidos em desempenhar um papel significativo na transição para um mundo de energia limpa, respeitando o meio ambiente e o desenvolvimento social das comunidades em que operamos. Somos apaixonados por moldar o futuro da energia com um negócio de investimento de longo prazo que gere crescimento constante, margens elevadas e alto valor para nossos acionistas”.
A reportagem também procurou a Agência Estadual de Meio Ambiente CPRH, para solicitar esclarecimentos sobre a instalação do parque eólico na cidade de Caetés, mas até o fechamento da matéria não obtivemos retorno. Assim que a demanda for atendida o texto será atualizado.
Entre os questionamentos enviados à CPRH, estão: “A CPRH cedeu a licença de operação à empresa Cubico?”; “Antes de ceder a licença a CPRH dialogou com os moradores da região? E ou fez um estudo da área?”; “A Cubico apresentou algum plano para reflorestar a área que foi desmatada para a instalação das torres e construção de estradas? Se sim, esse plano está sendo cumprido?”.
Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.