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Isabella de Roldão. Foto: Clara Guedes/MZC
Por Clara Guedes
Desde o início do processo de discussões e montagem das chapas para as eleições 2018, o nome da ex-vereadora do Recife Isabella de Roldão foi cogitado para ocupar um lugar em várias composições, sempre na função de vice-governadora. Inicialmente, ela aparecia associada à Armando Monteiro, mas acabou como candidata a vice de Maurício Rands.
Formada em Direito e também professora, Isabella de Roldão interpreta o PDT fechar sua vice-candidatura com o PROS de Rands, se deve à atuação em seu mandato na Câmara Municipal onde foi “muito combativo, muito independente, muito positivo, modéstia à parte. Foram quatro anos que eu trabalhei ativamente em prol da sociedade do Recife. Acho que a atuação teve um papel de destaque de forma ampla, quando as discussões de gênero estão muito fortes”. Os itens relativos à questão de gênero no programa de governo são exatamente aqueles que ela conseguiu dar “a sua cara”, afinal ela se considera feminista “com muito orgulho”.
O partido tanto se identifica com esse tema, tanto que colocou meu nome para esse cargo de destaque porque tivemos essa atuação no enfrentamento ao preconceito. Você deve acompanhar que cada vez mais a bancada evangélica está dominando o cenário político. Então as discussões das minorias, especialmente da questão de gênero, são mais difíceis de acontecer, de prosseguir. E a gente conseguiu esse espaço, onde, essas discussões, não só aconteciam, mas como tinham evidência também.
É importante, sim, termos mais mulheres ocupando os papéis de poder no geral, agora, quando trazemos os espaços de poder eleitos, nós que votamos temos que ter cuidado porque essas mulheres, ou algumas dessas mulheres, continuam sendo usadas como massa de manobra dos homens. Por exemplo, um homem que é ficha suja, ele indica a mulher, a filha, a irmã, então essa mulher não está ali por desejo próprio, mas para pautar os desejos daquele homem, ela não vai elencar os direitos das mulheres.
Seria até machista da minha parte, se eu achasse que só acontece no universo feminino. Nós temos homens que são postos somente para representar os interesses de outro homem, de uma entidade, ou de uma personalidade jurídica, e que estão lá para representar exclusivamente interesses de terceiros, não os da coletividade. Então não enxergam a necessidade de pautar as minorias, ou de maiorias que são tidas como minorias, que é o caso das mulheres, somos mais de 54% de todo o eleitorado de Pernambuco, e cerca de 52% no Brasil.
Essa colocação de pessoas para representar interesses é muito perigosa, e nós precisamos estar atentos a isso.
Eu sou super a favor da cota, porque se não houvesse, não teria mulheres candidatas. É algo que, no processo de educação que vivemos no país, torna as cotas são importantes. Lembro-me, na eleição de 2012, quando me candidatei pela primeira vez, já tinha cota, na de 2014, tornou-se extremamente rígida, a cada três homens, uma mulher, ou a cada três mulheres, um homem candidato.
Algo que alertamos muito é que as mulheres continuam sendo usadas para garantir o espaço do homem, e necessitamos entender que os partidos políticos precisam abrir espaço para a vida ativa política das mulheres, sob pena de ficar escravo a cada dois anos estar a caça de mulheres para serem candidatas.
Por que esse espaço precisa ser garantido e aberto? Porque, quando compomos um projeto, sempre abrimos espaços para que os homens sentem nas mesas, estejam atrás do birô com uma canetinha na mão assinando, ou seja, os espaços de poder são destinados aos homens, as mulheres ficam sempre com as funções mais terceirizadas. Não estou dizendo que são menos importantes, mas os espaços de visibilidade são destinados aos homens, às mulheres, não. Então, quando eu não tenho essa visibilidade, não construo em dois, cinco, dez anos da minha vida, é muito mais difícil me lançar candidata, do que um homem que tem esse tempo de visibilidade. Isso já é um desequilibro. As cotas são necessárias para dizer aos homens comandantes das relações políticas que, sem as mulheres, você não sai candidato, precisa das mulheres.
Este ano, veio uma força muito maior, a destinação dos recursos. Ninguém faz campanha sem dinheiro, o mínimo que tem é precisar pagar a passagem, colocar gasolina no meu carro, comer, ter um papel na mão, um santinho com meu número pra pedir voto a você. Esses recursos eram exclusivamente destinados para as campanhas masculinas, as mulheres não tinham recurso. A cota do fundo para mulheres é um passo importantíssimo, para garantir, não só a quantidade, a porcentagem, mas também o financiamento dessas campanhas, porque não adianta só ter homens que dizem ser feministas, defendam pautas feministas, nós temos capacidades de brigar pelas nossas próprias pautas. Não preciso que ninguém me paute, eu tenho desejo de participar do processo, que é algo que deve ser respeitados, e as mulheres que tem vocação para a política, tem que ter espaço para entrar, mesmo que seja no enfrentamento para conseguir.
Eu acho que com a questão do golpe, deste impeachment, totalmente orquestrado e armado, de fato o papel, a pessoa do ou da vice, está em evidência, especificamente, porque temos um péssimo dito cujo chamado presidente da república, que nem sequer consideramos presidente. O espaço do vice, da vice, nunca foi um espaço desconsiderado, na verdade, você pode ter pessoas que não façam jus a esse cargo, pessoas que são sombra, digamos assim. Mas é importante, ele ser ocupado por uma mulher, é simbólico e significativo, e abre uma discussão que eu acredito que pode e deve ser trazida pela representação feminina. Eu digo sempre que eu não preciso de homens que falem por mim, eu sei falar, eu preciso de pessoas que se unam a uma grande bandeira para que a gente fortaleça essa luta pela igualdade. Então, acho muito significativo esse espaço, quando você está votando num governador, está elegendo um vice junto, e pode dar zebra, como deu agora, com o exemplo de Temer.
Caso sejamos eleitos, minhas atribuições seriam as que já se têm hoje na disputa eleitoral. Primeiro, essa atribuição não é designada por ele, é um espaço que nós já construímos hoje na própria dinâmica de campanha. Sentamos diariamente, discutimos diariamente a agenda, programa de governo, questões polêmicas, entrevistas, estamos sempre dispostos a discutir e a pautar. Acredito que Rands governador e Isabella vice-governadora é a participação comum aos dois.
Óbvio que, ele estando no Estado, os atos serão assinados por ele, porque é a função dele, mas isso não impede que a gente construa juntos e que o nosso espaço seja garantido. Primeiro, porque ele entende que assim que tem que ser – ainda bem porque não dava para eu estar na chapa com um homem extremamente machista – ele tem um entendimento muito legal dessa luta por igualdade. Esse espaço será construído por nós pós eleição, se eu assumiria alguma função específica, se ficaria na vice-governadoria, é muito de cooperação da dupla, estamos muito juntos em tudo.
Temos hoje quatro meses de licença maternidade, no serviço público, pode chegar aos seis meses, os homens têm, no máximo, sete dias. É como se entendesse que, ao homem, não cabe a responsabilidade do cuidado doméstico e paternos e maternos. Por isso a diferença.
Eu acho que existe um certo aspecto solidário das mulheres, até dos homens, por entender uma determinada situação. Saiu até em um jornal dizendo: se já é corrido pras pessoas o processo político, imagina para Isabella que está amamentando. Existe esse olhar, solidário mesmo, porque eu faço questão de ter esse contato familiar, isso tem uma exigência física e emocional. Vejo, então, como um olhar solidário, de perceber que existe esse peso maior, um momento delicado, entrei na campanha com catorze dias de parida.
Aos homens é muito diferente? Claro, se você pegar qualquer homem com uma mulher recém-parida em casa, quem está recém-parida é ela, não é ele. A vida segue normal, pode passar uma ou duas semanas fora de casa, enquanto ela e o bebê ficam guardados em casa.
Eu e Rands já construímos juntos as pautas que debatemos e os pontos específicos de transformação para o estado. Somos tanto dessa esfera da colaboração que o nosso plano de governo é colaborativo. Abrimos uma página onde você pode entrar, se cadastrar e propor o que você pensa, por exemplo: para a sua área de jornalismo, para área de estudante, para a área de estagiário, saúde, transporte coletivo, o que você enxerga que é necessário transformação?
A colaboração vai além da esfera Maurício-Isabella, ela entra para o entendimento de como devemos gerir o Estado. Claro que há questões que serão decisões totalmente nossas, mas a maioria das políticas propostas para um estado, um país, tem que participação popular, senão ela não é validada, você não se apropria do que eu proponho.
Eu sou advogada de formação, professora, eu nunca pensei em entrar para a política, até porque meu pai foi deputado, e eu tinha muito trauma dessa falta de ter meu pai em casa, ele estava sempre no mundo, a política toma muito tempo. Entretanto, as pessoas começaram a me provocar: “Isabella, tu tem muito jeito pra política”, e começou a me assustar porque dei conta que gostava, sempre participei, e, quando atuava, estava agindo politicamente.
Comecei a entender que gostava de discutir as questões do coletivo, nunca fui uma pessoa pautada no individual. Fui representante de classe minha vida toda, até na pós-graduação, quando tinha uma bronca, todos diziam: “vai, Isabella, resolve”, era eu quem fazia em prol do coletivo.
Devagarzinho, indo às reuniões, discussões das demandas de determinado local, pessoas que nós conhecemos e que moravam em certas comunidades. Percebi, assim, é possível, com todo esse potencial que eu me enxergo, esse desejo, fazer. Talvez não modificar imediatamente, mas plantar a semente, no mínimo, conversar sobre a importância do voto com as pessoas para se conscientizarem das suas escolhas.
Comecei a me envolver em 2011. No ano de 2012, eu já estava mais empoderada desses meus potenciais e me lancei a candidata a vereadora para Recife pelo PDT, um partido que meu pai foi filiado a vida toda, e um dos fundadores no estado. Me elegi e mergulhei de cabeça, mas meus filhos puderam sentir na pele a dor que eu senti com a ausência do meu pai. Eu fico muito ausente, porque exige muito de você. Há muitos lugares para ir, pessoas para visitar, reuniões, demandas de participação. As pessoas me procuravam muito na Câmara, porque me enxergavam como alguém que levaria a sério determinadas demandas nas mais diversas áreas, e isso exigia de mim tempo de estudo, de participação, e eu brigava por aqueles espaços, porque entendia que eram eles em que se construía.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.