Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Crédito: @taylorswift
por Cynara Maíra
Desde 9 de junho que sabia que iria em um dos shows da The Eras Tour, turnê que celebra os 10 álbuns, ou “Eras”, da Taylor Swift. Já naquela época, a The Eras foi polêmica no Brasil após cambistas furarem as filas de ingressos no Rio de Janeiro e de São Paulo, chegando até a tentar agredir fãs.
Mesmo com todo o caos e a dificuldade que foi conseguir os ingressos pela fila eletrônica ainda no Recife, a sorte de ainda ter conseguido comprar na pré-venda do show me deixou tranquilizada.
Quando cheguei na sexta-feira (17) às 22h percebi que não seria tão fácil quanto imaginava. Eu nunca tinha sentido tanto calor no meio da noite em toda minha vida, no avião já havia relatos de sensação térmica de quase 60 graus e ao sair diretamente do aeroporto, eu senti que estava sendo cozida, como se houvesse uma aura de calor ao meu redor.
Por chegar muito tarde na cidade, eu não olhei muitas coisas sobre o show daquele dia e só havia visto que muitas pessoas tinham passado mal com o calor. Só tomei conhecimento do falecimento de Ana Benevides quando acordei no sábado, que seria a data do segundo show.
Saber que existia uma chance genuína de morrer por conta do evento me deixou ansiosa, até então eu só temia que minha pressão caísse e eu perdesse o show.
Como só tínhamos conseguido comprar ingressos para pista comum, um setor com uma visão mais complicada, especialmente para mim que tenho menos de 1,60m, queríamos chegar cedo na fila para ter uma chance de ficar mais na frente. Com isso, fomos eu e mais três amigos para o estádio do Engenhão às 7h da manhã munidos de cangas, sombrinhas velhas (porque teríamos que descartar), protetor solar, muita água e comida. Já havia um número razoável de pessoas, ao menos 100 fãs, na nossa frente.
Quando chegamos, já passava dos 30 graus, não sei a sensação térmica porque ainda não estávamos na grade do Engenhão, então evitamos pegar o celular para descobrir. Ao longo das horas, também aprendemos que era melhor nem saber para não gerar mais nervosismo.
Por conta do forte calor, as grades do Engenhão foram liberadas antes das 9 horas e pudemos pendurar nossas cangas e sombrinhas diretamente nas barras para fugir do contato direto com o sol.
A partir desse momento, foi quando todo o caos realmente começou, a temperatura passou a subir cada vez mais e, como havia muitas pessoas amontoadas em mini “cabanas” criadas com as cangas, a sensação de calor era terrível.
Depois do que aconteceu com Ana, foi exigido que nos dessem água gelada de graça o tempo todo. Ao longo do dia fomos descobrindo que havia determinações judiciais e mobilizações nacionais sobre o assunto, mas até o momento não sei exatamente quem fez o quê nessa história, afinal éramos os últimos a saber o que iriam fazer com a gente.
O tempo a partir daí não passava, sinto que ficamos mais de um dia na fila com a lentidão que aquelas horas levaram a passar naquele amontoado. Como estávamos tentando sobreviver e ignorar os riscos possíveis, acabamos fazendo amizade com as pessoas próximas da fila, juntamos nossas cabanas para garantir menor exposição ao sol, trocamos pulseiras da amizade e cantávamos músicas da Taylor Swift, enquanto todo mundo tentava se ajudar com comida, água, abanadas com leque, etc. Mesmo assim, o número de pessoas passando mal ao nosso redor só aumentava. Uma menina que estava ao lado da nossa cabana ficou mais de duas horas na área para socorro, segundo ela, não foi feito nada para devidamente ajudá-la, o único auxílio foi o local ser na sombra e longe da multidão.
O calor estava tão forte que começamos a implorar para os funcionários que achávamos ser do estádio (não vimos nenhuma identificação da Time For Fun, a organizadora do show no Brasil) para nos dar as pedras de gelo das sacolas de água para que pudéssemos passar no corpo.
A partir das 11 horas, algumas ondas de calor vinham com muita força e só tentávamos sobreviver até elas melhorarem, nesses momentos guardava a energia e evitava falar muito, porque me sentia tonta, parecia que estava em uma névoa quente.
Nessas horas eu só bebia água gelada e respirava fundo, pensando que não podia desmaiar. Para dar mais força, pedimos por aplicativo um lanche para almoçar.
A jornada para buscar essa comida na rua foi extremamente complexa. Como basicamente criamos um estacionamento de “cabanas” ao redor das grades, passar por elas era muito difícil, ou você engatinhava por dentro dos espaços improvisados pedindo licença para passar no meio de todo mundo, pulava as grades que estava provocando queimaduras por conta do sol ou passava por baixo delas se fosse fino o suficiente para isso. Idas ao banheiro eram bem difíceis, eu só fui quando estava dentro do estádio, quase 10 horas após chegar no local.
Um dos nossos amigos conseguiu pegar a comida pulando as grades usando toalhas nas mãos para não se queimar. Alimentados, a maioria ficou mais tranquila, mas o calor começou a me consumir e estava tentando não me desgastar. Acho que não iria desmaiar porque – acredito -estava controlando tudo para que isso não ocorresse, mas às 13h o calor com certeza estava começando a me consumir. Se o caminhão de bombeiros não tivesse chegado poderia, sim, ter acontecido algo.
Depois de 30 minutos que os bombeiros apareceram sem explicar nada, começaram a jogar água em todo mundo com suas mangueiras. Como meu grupo estava mais atrás, a água inicialmente não chegou e tivemos que implorar para que puxassem as mangueiras para próximo da nossa área. Tentando animar a situação, entoávamos gritos chamando os bombeiros e celebrando os momentos que conseguíamos ser atingidos pela água.
Após levar muita água em todo o corpo e todas as cabanas, roupas, mochilas, etc, ficarem encharcados, tivemos uma leve trégua no calor, mesmo que agora estivéssemos totalmente desarrumados e com os olhos irritados do protetor que caiu durante o banho de mangueira.
Pouco tempo depois do fim da ação dos bombeiros, o público começou a ser chamado para dentro do estádio, em um horário antecipado comparado ao que estava previsto anteriormente.
Corremos o máximo que podíamos para entrar no Engenhão, meu grupo preferiu ficar sentado na cadeira sul, pois a pista estava tomada pelo público vip e eu ainda estava me recuperando de uma fratura no pé. Sentamos, acreditando que o pior já tinha passado.
Acredito que tenhamos ficado uma hora e meia sentados esperando o show começar, faltava cerca de 30 minutos para o início da abertura da cantora Sabrina Carpenter, quando pessoas começaram a ver em seus celulares que a Taylor havia adiado o evento. Primeiramente eu acreditei que era fake news, como também ocorreu quando disseram no meio da fila que outra pessoa tinha morrido no portão oeste, mas quando consegui acessar a Internet vi que a Taylor tinha realmente desistido do show que estava prestes a começar.
Todos ao nosso redor estavam em choque, passamos a fila toda nos questionando se iriam adiar, mas ninguém imaginava que isso iria ocorrer 30 minutos antes, quando a situação aparentava estar mais tranquila. Eu não sei qual era a sensação de quem estava na pista comum e premium, que sofria mais com o aglomerado e o sol, mas os comentários que ouvi eram de que o calor estava melhor do que na fila e que os ventiladores colocados nas áreas estavam ajudando.
Enquanto a revolta explodia entre os fãs, ainda não havia nenhum comentário oficial dentro do estádio e alguns tinham esperança de que alguém conseguisse convencer a Taylor para mudar de ideia. Gritos chamando por ela foram feitos, muitas pessoas choravam pensando no esforço que fizeram para estar lá e eu permanecia em choque, pensando que meu voo era para o dia seguinte às 10h da manhã.
Enquanto eu tentava pensar se voltaria para Recife sem ver a The Eras, o anúncio foi feito ao público e muitos começaram a vaiar. Nem reagi, percebendo que estava passando por uma situação infernal para nada.
Depois de 30 minutos chamando o motorista que ia nos buscar, tentando resolver o que fazer e acalmando uma menina que estava passando mal de tanto chorar próximo do nosso grupo, a equipe do Engenhão pediu para que nos retirássemos do local e tivemos que já ficar no ponto de encontro, perto de um posto de gasolina.
Enquanto tentávamos sair das proximidades do Engenhão em companhia de diversas pessoas na mesma situação que a gente, alguém gritou “arrastão” e todo mundo começou a correr. Eu sinceramente não sei se o caso era verdadeiro porque não olhei para trás, só tentando sair de perto. Entramos em uma venda próxima e só saímos quando confirmaram que a rua estava tranquila, mas meu pé, que ainda está se recuperando de uma fratura, já não estava funcionando tão bem.
Com medo de mais um arrastão, continuamos a tentar correr, enquanto meu pé implorava para que eu parasse. Ao chegar no ponto de encontro tivemos que esperar, já que o motorista não tinha conseguido chegar por conta do trânsito.
Sem opção, ficamos juntos de diversas pessoas na mesma situação, aguardando carro. O caso piorou quando começou a cair uma chuva muito forte e uma série de relâmpagos apareceram. Estávamos desolados, sem saber o que fazer, com medo de roubo e tentando se proteger da chuva. No fim, o motorista apareceu, descobrimos que raios caíram no Engenhão e só pensamos que existia mais uma chance de morrer ou nos machucar.
Ao chegar no lugar onde estávamos hospedadas ainda não sabíamos se ficaríamos até segunda, até porque nosso voo seria no dia seguinte de manhã e, normalmente, sairia caríssimo para resolver. Por volta das 21h ,anunciou que a remarcação dos voos seria gratuita por conta do adiamento, porém passamos a noite tentando mudar em vão.
Apenas no dia seguinte, faltando três horas para decolagem do nosso voo, conseguimos a alteração. O problema é que o grande volume de remarcações causou o esgotamento das passagens, só sobrando a viagem de volta na quinta-feira, 23, data da publicação deste texto. Como não tínhamos opção e não queríamos perder o dinheiro, aceitamos ficar quase uma semana a mais que o planejado, mesmo sabendo que não tínhamos hospedagem para tanto tempo, nosso check out seria, obrigatoriamente, no domingo às 12h.
Contando com a boa vontade do dono do local que estávamos hospedados, conseguimos local para ficar até terça, reservando apenas para o dia seguinte. Então, decidimos ir para casa de um amigo em Jacarepaguá, mais uma etapa de uma jornada quase nômade.
Sobre o show de segunda-feira? Chegamos 11 horas na fila e o local tinha pouquíssimas pessoas, já que a maioria ainda estava traumatizada com as situações vividas nos dias anteriores. Não choveu, não fez sol, o clima foi ótimo e a situação pareceu um sonho comparado com o sábado. O evento aconteceu com normalidade, relativa organização e cautela que deveriam ter existido desde a sexta. O fim da onda de calor definitivamente ajudou.
Taylor não falou nada sobre o adiamento ou citou o caso de Ana Benevides, o que chateou a mim e diversas pessoas que esperavam mais empatia e importância para uma jovem que perdeu a vida tentando realizar um sonho e que poderia ter sido qualquer um de nós. Com certeza a The Eras Tour foi inesquecível, para o bem e para o mal.
Não irei para os shows em São Paulo, mas pelo bem de todos e todas espero que haja mais organização, melhores condições climáticas e humanidade por parte daqueles que organizam o evento para que o sonho de muito tempo de várias pessoas não vire um pesadelo.
Uma questão importante!
Se você chegou até aqui, já deve saber que colocar em prática um projeto jornalístico ousado custa caro. Precisamos do apoio das nossas leitoras e leitores para realizar tudo que planejamos com um mínimo de tranquilidade. Doe para a Marco Zero. É muito fácil. Você pode acessar nossapágina de doaçãoou, se preferir, usar nossoPIX (CNPJ: 28.660.021/0001-52).
Apoie o jornalismo que está do seu lado
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.