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Cientistas encontraram pegadas e fizeram registro fotográfico de uma anta no oeste da Bahia.
Nas matas do Agreste pernambucano, o ambientalista e geógrafo Arnaldo Vitorino já ouviu relatos de avistamentos de gatos do mato, onças, veados, raposas. Mas há um animal que há muitos e muitos anos não é visto por lá: as antas. Maior mamífero do Brasil, o animal foi considerado extinto na Caatinga em 2012, quando há mais de 30 anos já não havia indícios da presença da anta nesse bioma.
“Os moradores mais antigos sempre comentavam que tinham visto esse bicho por aqui, mas alguns nem sequer sabiam o que era. Só que era muito grande, com um focinho diferente. E gostava de ficar perto de água, pelas matas da bacia do rio Capibaribe”, conta Vitorino.
No mês passado, a anta foi reencontrada na Caatinga. Mas muito longe da bacia da bacia do Capibaribe.
Depois de percorrer seis mil quilômetros em 20 dias, pesquisadores da Incab – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, projeto do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê), identificaram a presença da anta na Área de Proteção Ambiental Rio Preto, região oeste da Bahia, e no entorno do Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí.
A comprovação de que as antas ainda estão na região não significa que esses animais foram extintos e voltaram para esses locais, mas que provavelmente nunca desapareceram de lá. Porém, as populações diminuíram bastante ao longo dos anos, dificultando os avistamentos.
Ambos são lugares chamados de ecótonos, onde há a transição de um bioma para o outro. Apesar de ter passado por regiões de transição entre a Caatinga e a Mata Atlântica, foi só entre o Cerrado e a Caatinga que a expedição encontrou o bicho.
Estudando antas há 28 anos, a engenheira florestal, mestre e doutora em conservação de vida selvagem Patrícia Medici é uma das maiores especialistas sobre o animal do mundo. E foi a idealizadora do projeto da Expedição Caatinga – Em busca da anta perdida.
“Fizemos uma grande rota pela Caatinga, no norte de Minas, Bahia e Piauí. A gente passou ali pela bordinha com a Mata Atlântica, paralelo à costa da Bahia, e entramos novamente para Chapada Diamantina e Boqueirão da Onça”, conta em entrevista para a Marco Zero por vídeo-chamada, do Pará, onde faz pesquisa em campo sobre a anta na Amazônia.
Os pesquisadores não chegaram a avistar uma anta, que é um animal de hábitos solitários e noturnos, mas acharam pegadas e colheram depoimentos de pessoas que moram nas localidades. Também conseguiram um registro da anta por meio de uma armadilha fotográfica. Era um indivíduo adulto, mas não é possível dizer se era macho ou fêmea.
“As fêmeas costumam ser maiores, mais altas, bem mais largas e bem mais corpulentas do que os machos. Mas isso também varia de acordo com o bioma, da diferente nutrição desse bicho em cada um dos diferentes biomas. Como não sabemos como as antas são na Caatinga, ainda não podemos dar um chute bem informado se era macho ou fêmea”, diz Medici.
Essa foi a segunda expedição em busca de informações sobre a anta na Caatinga. A primeira aconteceu na mesma época do ano passado, quando os pesquisadores da Incab-Ipê percorreram 10 mil quilômetros, em 31 dias. Foi financiada por uma vaquinha online que arrecadou pouco mais de R$ 200 mil.
Dia da Anta:
O australiano Anthony Long, um apaixonado por antas, foi quem articulou o estabelecimento do dia 27 de abril como o Dia Mundial da Anta. A data é comemorada desde 2008. É uma forma de dar visibilidade ao animal.
“Ao contrário dos elefantes, rinocerontes, leões, tigres e outros mamíferos de grande porte, as antas não aparecem na mente da maioria das pessoas. As pessoas não sabiam o que são as antas, esses animais não apareciam em filmes, livros infantis ou de qualquer outra maneira que outros animais – mais populares – apareciam”, contou Anthony Long, em entrevista ao Instituto Ipê.
Dia da Caatinga:
Já o dia 28 de abril é o Dia Nacional da Caatinga, data criada para conscientizar as pessoas sobre a importância da sua conservação para o equilíbrio ambiental. A Caatinga é um bioma único do Brasil, ocupando aproximadamente 11% do território nacional.
Em agosto, a expedição Em busca da Anta Perdida vai para uma etapa mais ambiciosa. A ideia é procurar o gigante em uma área de Caatinga distante 80 quilômetros da zona de interseção com o Cerrado, na divisa da Bahia com Minas Gerais. Uma área mais “Caatinga, Caatinga mesmo”. É também um período do ano em que a região, perto do rio Cariranha, um dos afluentes do rio São Francisco, está mais seca.
“Ouvimos relatos de aparições da anta nessa região que nos deixaram intrigadas. Se encontrarmos registros nesse local, colocaria a anta lá bem dentro do mapa da Caatinga de acordo com o IBGE, sabe?”, conta Medici.
A pesquisa pretende entender também se a mudança de estação influencia no deslocamento das antas. Se elas permanecem na área de Caatinga quando a disponibilidade de água é mais reduzida ou se se embrenham pelo Cerrado adentro. Para isso, a equipe vai visitar os mesmos locais onde achou a anta na segunda etapa.
“Outra pergunta que apareceu nas pesquisas de campo neste mês de março foi o papel dos grandes rios do Cerrado em levar esses bichos para dentro da Caatinga. A gente olhou para o rio Preto e vimos que ele funciona como um corredor. A gente olhou o rio Grande e aparentemente é um corredor também. Tem o rio Correntes, tem o próprio rio Carinhanha. O plano é seguir o curso desses rios vendo como que esse animal aparece ou desaparece ao longo deles, em direção ao Cerrado ou à Caatinga”, explica a pesquisadora.
As informações da pesquisa serão utilizadas para a próxima avaliação da Lista Vermelha do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e para a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) para que a Caatinga volte a ser considerada um bioma onde a anta ainda vive. Isso vai ajudar a viabilizar planos para conservação do habitat desses animais.
“Na nossa pesquisa, encontramos alguns registros na literatura de antas na bacia do Capibaribe. É uma região que eu diria que deve ter existido antas no passado, mas um passado remoto. Fizemos mais de 150 entrevistas na Caatinga e quase a totalidade dos entrevistados trouxe para a conversa a questão da diminuição da disponibilidade de água, junto com a caça, como um fator para o desaparecimento do animal deste bioma”, diz a especialista. “O bicho existiu em algumas áreas da Caatinga há muitos anos atrás, quando tinha mais águas, tinha mais minadouros, mais nascentes, mais rios. O processo de desertificação do semiárido é um fator de suma importância para um futuro não muito promissor para todas as espécies de animais da Caatinga”, diz Medici.
É uma injustiça que anta seja sinônimo de falta de inteligência, já que o animal cumpre um papel importantíssimo na biodiversidade das nossas florestas. É chamada de jardineira de florestas, por quem conhece o bicho: por andar bastante para se alimentar – come cerca de dez quilos por noite – ela ajuda a espalhar, pelas fezes, sementes pelas florestas e campos.
“É um animal herbívoro que consome grandes quantidades de frutos e que anda muito, que se desloca por grandes distâncias e vai disseminando essas sementes. Algumas espécies de primatas desempenham esse papel também, assim como muitas espécies de aves. Mas sementes grandes é somente a anta que dissemina, porque é um animal muito grande. Sementes de várias palmeiras, sementes de vários frutos grandes de diferentes florestas é só esse bicho quem dispersa. Sem as antas, as florestas acabam perdendo a biodiversidade da vegetação”, afirma Medici.
Apenas no Brasil há a associação das antas com a pouca inteligência. A origem está no período colonial. “Quando os portugueses chegaram à costa do Brasil, conheceram a anta e pelo tamanho e porte do animal tentaram domesticá-la para o transporte de cargas. No entanto, como um animal selvagem, a espécie não se submeteu. Pelo fato de não conseguirem domesticá-la, passaram a relacioná-la a um animal de pouca inteligência, o que a ciência já mostrou que não é verdade”, contou a pesquisadora em entrevista ao Instituto Ipê.
O Brasil é formado por seis biomas de características distintas: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa. E anta está presente do norte do Rio Grande do Sul até o extremo norte do país. Apesar de conseguir se adaptar à variedade de alimentação que cada um desses biomas oferece, a anta é um animal globalmente classificado como vulnerável. Em quase todos os biomas, a anta enfrenta muitas ameaças.
“A Mata Atlântica já sofreu bastante, tem séculos de exploração, então esse bicho está presente em poucos lugares. Nós temos três pequenas populações de anta na Mata Atlântica da Bahia, por exemplo”, diz Medici.
Apesar da Amazônia apresentar condições ambientais boas para a anta, é um animal muito caçado tanto pelos povos indígenas quanto pela população ribeirinha. “É um animal utilizado como recurso alimentar, como fonte de proteína mesmo”, explica. Como a anta tem uma reprodução lenta – com gestações que duram até 13 meses e normalmente geram apenas um único filhote – onde há a caça contínua a recuperação da espécie fica comprometida.
No Cerrado, as antas enfrentam desde perda do habitat para as plantações do agronegócio e contaminação por agrotóxicos até atropelamentos nas estradas. “Em sete anos, foram 700 carcaças de anta encontradas atropeladas em rodovias do Mato Grosso do Sul. É um desespero total. O Cerrado apresenta um grande mosaico de todas as ameaças que você possa imaginar”, lamenta a pesquisadora.
As razões para a quase extinção da anta na Caatinga também são várias, com destaque para o desmatamento, a caça e as secas.
É no Pantanal que a anta ainda encontra um ambiente mais favorável, com muita água. “É um refúgio bem importante para esse bicho. É uma das maiores áreas alagadas de água fresca contínuas do planeta. São 170 mil quilômetros quadrados de habitat para esse animal. É um paraíso para elas”, diz Medici.
Mas os melhores habitats estão se tornando ilhas, explica a pesquisadora. “Daqui a pouco as antas vão estar amplamente desconectadas uma das outras e esse animal vai sim, seriamente, caminhar para a extinção. Isso nos angustia: estamos pesquisando e contribuindo para a conservação deste animal ou simplesmente documentando a extinção dele? Mas também há notícias boas, como essa de que a anta não está extinta na Caatinga”.
As informações das expedições na Caatinga também serão utilizadas no desenvolvimento do próximo Plano de Ação Nacional (PAN) para os Ungulados Ameaçados de Extinção. Os ungulados são mamíferos que andam sobre cascos, como o porco-do-mato, a queixada, o cateto, cervos e veados.
Patrícia Medici lembra que houve um grande desmantelamento da preservação no governo Bolsonaro, e que as agências federais são fundamentais para a fiscalização e a conservação das espécies e seus habitats. E que é preciso reforçar as leis ambientais e a fiscalização.
“O que temos buscado focar é em planejar estratégias adequadas para cada um dos biomas de acordo com as ameaças. Onde tem colisões veiculares e atropelamentos, pensamos em planos de mitigação, por exemplo. Onde caça é o problema, pensamos em formas de prover proteína para determinadas comunidades. E assim por diante”, afirma.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org