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Faculdade processa ex-professor por postagem nas redes sociais, mas perde ação na Justiça

Giovanna Carneiro / 28/04/2022

Crédito: site Focca

Ainda sem entender o motivo da sua demissão e sem receber as verbas rescisórias há quase dois anos, o advogado e ex-professor de Direito Penal da Faculdade de Olinda (Focca), Eloy Moury Fernandes, resolveu fazer uma postagem em sua rede social para denunciar o descaso da instituição de ensino com os direitos trabalhistas de seus funcionários. No conteúdo da postagem, o professor usa as cores que representam a instituição e satiriza a situação sem citar o nome da faculdade.

Dias depois, a Focca entrou com uma medida judicial contra seu ex-professor para que ele excluísse o post e pagasse uma multa por danos morais no valor de R$ 20 mil. No entanto, a decisão da Justiça em primeira instância, publicada no dia 7 de março de 2022, foi favorável a Eloy Moury, com o juiz Carlos Neves da Franca Neto Júnior afirmando que “a Constituição Federal assegura o direito à livre manifestação do pensamento como garantia fundamental, nos termos do art. 5º, IV, o qual garante a todas as pessoas a ‘livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato’”.

“Fiz uma postagem questionando como uma faculdade que funciona normalmente, com promoções e descontos para alunos, não tem dinheiro para pagar as verbas rescisórias de um professor que foi demitido. Eu não estou atrás de uma massa falida, uma usina abandonada, eu estou atrás de receber dinheiro de uma faculdade em funcionamento, com alunos que pagam mensalidades. Então, eu preciso saber para onde está indo esse dinheiro? A minha revolta é principalmente essa”, declarou Eloy.

Postagem feita no perfil de Eloy Moury no dia 15 de fevereiro de 2022. Crédito: reprodução/ Instagram

“Não é apenas a questão de dever e não pagar, é também humilhar os professores, nos desmoralizando. Já havia uma situação de humilhação e perseguição quando estávamos atuando na faculdade e essa situação continuou mesmo após a demissão porque a faculdade não paga os nossos direitos trabalhistas”, disse o advogado e ex-professor da Focca, Eloy Moury Fernandes.

Em nota enviada à Marco Zero Conteúdo, a Focca afirmou que devido a chegada da pandemia da covid-19 “foi necessária a realização de reestruturações, o que, pontualmente, culminou com o desligamento de alguns profissionais” e reiterou que “a Focca sempre agiu com retidão e boa-fé com seus colaboradores e alunos e tem por missão institucional a contribuição para a satisfação das necessidades de pessoas e organizações, mediante a prestação de serviços educacionais, culturais e sociais com excelência, produzindo e difundindo o conhecimento, de modo a fomentar riqueza para a sociedade, o que vem sendo construído e observado ao longo de sua história”.

Leia a íntegra da decisão do juiz Carlos Neves da Franca Neto Júnior :

Com direito e sem indenização

Eloy e outros quatro professores do curso de Direito, que foram demitidos no segundo semestre de 2020, ainda não receberam suas verbas rescisórias, mesmo depois da Justiça do Trabalho ter ordenado o pagamento. De acordo com os profissionais, a faculdade sugeriu um acordo “surreal e inadmissível” de pagar um valor equivalente a metade do total devido parcelado em 18 vezes. Os docentes entraram com ações individuais na Justiça do Trabalho. Quatro casos já foram julgados, com decisões favoráveis aos professores, mas a instituição teria ignorado a determinação judicial e não fez os pagamentos.

“Eu fui demitida há quase dois anos e a única coisa que consegui receber foi o FGTS, por determinação judicial, e o valor equivalente a cerca de 15% do que eles [administradores da Focca] me devem de verbas rescisórias, que foi o valor que meu advogado conseguiu através do bloqueio de bens. Fora isso não recebi mais nada e não há previsão de quando irei receber”, declarou a professora Ciani Sueli das Neves, que foi titular da disciplina de Direitos Humanos por 11 anos e que também ganhou na Justiça a ação trabalhista. 

De acordo com Ciani e Eloy, a Justiça não consegue fazer o bloqueio de bens da Focca porque as contas bancárias da instituição estariam zeradas. “Desde que ganhamos o processo na Justiça, há cerca de um ano, a gente não tem conseguido encontrar nenhum tostão na conta oficial da Focca, embora a faculdade continue funcionando normalmente”, afirmou Eloy.

Demissões após queixas no zap

De acordo com os ex-professores da Focca, os atrasos salariais começaram em 2018 e se agravaram ainda mais com a pandemia, chegando ao ponto dos profissionais ficarem quase quatro meses sem remuneração. Cansados da situação, alguns professores começaram a pressionar e cobrar, além de comentarem sobre a demora nos pagamentos em um grupo no Whatsapp. Para eles, essa teria sido a verdadeira causa de suas demissões.

“Foi muito estranho porque foram oito pessoas do mesmo curso demitidas em um mesmo período e foram justamente aquelas que reclamaram dos atrasos. Algumas pessoas da coordenação comentaram com a gente que estávamos falando demais, manchando a imagem da faculdade e isso estava incomodando”, revelou outra docente demitida, mas que preferiu não se identificar.

Sobre as acusações trabalhistas, a faculdade afirmou, por meio da nota enviada à reportagem, que “alguns desses profissionais [que foram demitidos] ajuizaram reclamações trabalhistas, as quais são discutidas isoladamente e em cada processo, de forma que a Focca se vale do seu Direito de discutir cada caso nos autos do processo judicial”.

Leia na íntegra a resposta enviada pela Focca:

De acordo com seu site oficial, a Faculdade de Olinda é uma Instituição privada, sem fins lucrativos, mantida pela Associação Olindense Dom Vital de Ensino Superior. Fundada em 1972 com o nome de Faculdade Olindense de Administração (FOA), por Biagio Chiappetta. Atualmente, a Focca oferece 11 cursos de graduação, dos quais o curso de Direito, de onde saíram os professores demitidos, é classificado com o conceito 4 do MEC, em uma escala de 1 a 5.

Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.