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Falta transparências nas assembleias legislativas, comprova levantamento nacional

Maria Carolina Santos / 26/05/2023
Grupo de cinco homens brancos, de diferentes idades, todos de paletó e gravata, observando papéis sobre uma mesa escura, tendo um painel eletrômico de votação por trás, em plano mais elevado na parede.

Crédito: Ascom Alepe

A organização não governamental Transparência Internacional – Brasil fez um levantamento das 27 casas legislativas do Brasil para analisar a transparência da atuação dos parlamentares e da administração das assembleias. O resultado foi desolador: 23 casas tiveram resultados considerados insatisfatórios e nenhuma delas pontuou como “ótima”. A Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) ficou como “regular”, com uma nota de 45,2 de 100 pontos possíveis, ficando em 11ª entre as 27 casas analisadas.

Essa foi a primeira vez que a ONG avaliou os legislativos estaduais. Para elaborar o ranking, oito quesitos – ou dimensões, como são chamados no estudo – foram avaliados: Legislação, Plataformas, Governança, Transparência Legislativa, Transparência Administrativa, Comunicação, Participação e Engajamento, e Transformação Digital.

Duas dimensões ganharam destaque:

Transparência Administrativa: que diz respeito à gestão fiscal das assembleias, contratos, salários, licitações, despesas e receitas.

Legislação: como vota cada parlamentar, quais as bancadas temáticas, as comissões que existem, os projetos de lei que estão sendo votados.

“Olhamos se todas essas informações estão públicas e se estão no formato adequado: se estão atualizadas, se há série histórica, se os dados estão disponíveis de forma aberta, em planilhas que possam ser comparadas com outras planilhas”, explica a coordenadora do Programa de Integridade e Governança Pública da Transparência Internacional – Brasil, Maria Dominguez.

Dez estados zeraram a pontuação em todos os itens sobre Legislação: Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rondônia, Santa Catarina, Sergipe, Amazonas, Rio de Janeiro, Piauí e Acre.

Os principais pontos negativos da Assembleia Legislativa de Pernambuco, segundo Maria Dominguez, estavam presentes na maioria das assembleias do Brasil. “Os salários dos parlamentares de Pernambuco não são publicados nos formatos ideais. Só Ceará, Espírito Santo, Goiás e Mato Grosso publicam esses dados importantes de parlamentares e servidores com série histórica, que dá para fazer comparações ao longo do tempo, em dados abertos, gratuitos e com possibilidade de download. Pernambuco tem alguns dados abertos, mas outros não”, explica.

Outro dado importante para a transparência e que não é encontrado na Alepe são as informações sobre as cotas de exercício parlamentar: os gastos que deputados e deputadas podem fazer com viagens, acomodação, transporte, alimentação. Esses custos não estão disponíveis para o público em geral.

O estudo também verificou que nenhuma casa legislativa do Brasil tem leis sobre lobby. “É uma regulamentação que dá transparência para as reuniões entre os parlamentares e os grupos de interesse, que podem influenciar nas tomadas de decisões. Em uma democracia, não há problema que empresários, lobistas, sindicatos ou organizações da sociedade civil apresentem para os parlamentares os seus interesses e tentem influenciar o debate. O problema é a falta de transparência sobre essas reuniões. Quando esses encontros não são apresentados ao público, tornam o ambiente mais propício à influência indevida”, comenta a coordenadora.

A Alepe também não oferece nenhuma proteção para quem quer fazer uma denúncia, seja um cidadão comum, um servidor ou parlamentar. Nas transmissões de audiências públicas, com participação popular, a Alepe tirou uma pontuação parcial, que significa que tem o dado, mas não no formato adequado. Vale lembrar que a Alepe passou alguns meses sem transmitir as reuniões online.

Dos poucos pontos positivos na Alepe, há a facilidade em encontrar as comissões existentes e as bancadas temáticas. “É importante para saber quais os grandes temas que dividem os parlamentares nas assembleias. Encontramos também os assuntos que vão para votações do plenário, inclusive com alguma antecedência. Isso é bom para que o cidadão interessado possa acompanhar”, comenta Dominguez.

Governos foram avaliados no ano passado

No ano passado, em junho, a Transparência Internacional – Brasil fez um levantamento parecido, avaliando a transparência dos governos dos estados. Na ocasião, o executivo de Pernambuco pontuou melhor que o legislativo, ficando na oitava colocação, com 74,3 pontos de cem, recebendo o conceito “bom”. Ao contrário do legislativo dos estados, cinco governos conseguiram o conceito “ótimo”.

“Depois dessa avaliação, agora em maio, o Governo de Pernambuco e a Controladoria Geral do Estado publicaram uma nova política de transparência que está em consulta pública. Há sinais de que há um investimento maior, um comprometido em aprimorar ainda mais a transparência do executivo”, diz Dominguez.

A especialista não vê uma correlação entre os resultados dos executivos e dos legislativos no Brasil. “Não tem uma relação muito clara, porque são poderes independentes, que podem ter lideranças bem diferentes. Mas em alguns estados vimos que ambos os poderes são muito transparentes. Por exemplo, no Espírito Santo e em Minas Gerais. Ambos foram primeiro e segundo lugares na avaliação do poder executivo e foram segundo e terceiro lugares na avaliação do poder legislativo. Mas, de modo geral, não dá para encontrar uma relação”, diz Maria.

No Nordeste, apenas o Ceará levou “bom” na avaliação do poder legislativo, ficando no quarto lugar do ranking. A Transparência Internacional – Brasil não fez nenhum cruzamento dos dados do ranking com o Produto Interno Bruto (PIB) ou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas há pistas sobre a influência desses indicadores na transparência das casas legislativas.

“Por exemplo, quando olhamos para os dez estados do fim do ranking, vemos que só o Rio de Janeiro não é das regiões Norte e Nordeste. Essa relação, porém, não é determinante. Há estados como Rondônia, que é pequeno, e ficou em quarto lugar no ranking do poder executivo, em 2022. E São Paulo, que tem o maior PIB do país, ficou no meio da lista. Quando existe vontade política, mesmo um estado não sendo rico e tendo um nível de maturidade institucional menor, é capaz de tornar as políticas de transparência melhores”, diz.

Metodologia da avaliação

Desenvolvido pela própria ong, o Índice de Transparência e Governança Pública (ITGP) foi lançado em 2021. No ano passado, o índice foi usado para avaliar, além das casas legislativas e dos governos estaduais, mais de 180 municípios de sete estados: Bahia, Espírito Santo, Pará, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo.

“A ideia do ITGP é avaliar qual a transparência daquele ente público, naquele determinado momento. Internacionalmente tem um índice bastante conhecido chamado IPC, Índice de Percepção da Corrupção, que compara mais de 180 países e territórios. No Brasil, vimos também a importância de trabalhar com entes subnacionais, justamente porque muitas vezes são esses governos estaduais e municipais que recebem menos fiscalização, controle social e monitoramento. Menos atenção de jornalistas e órgãos de controle. E é também onde existem mais falhas e lacunas na promoção da transparência”, explica Maria Dominguez.

Para a análise das casas legislativas, as informações foram buscadas em diversas fontes: portal oficial, portal da transparência, canais para pedidos de acesso à informação e denúncias (por exemplo, e-SIC, Ouvidoria e Fala.BR), portais de dados abertos, de licitações, de contratos e perfis em redes sociais e plataformas de mensagens. E também houve busca na legislação das casas.

A primeira etapa, de coleta, foi até dezembro do ano passado. Em março deste ano a Transparência Internacional entrou em contato com todas as casas legislativas para mostrar o resultado da avaliação e para que as casas pudessem apresentar pedidos de correção e/ou atualização dos dados.

No caso da Assembleia Legislativa de Pernambuco, a avaliação foi enviada para a ouvidoria e para a presidência da casa, comandada pelo deputado Álvaro Porto (PSDB). Não houve resposta ou pedido de retificação de nenhuma das duas instâncias.

“É um desafio que também estamos propondo: que as mesas diretoras, que foram eleitas recentemente, peguem esse relatório como um ponto de partida para a melhoria dos resultados”, afirma Maria Dominguez.

A metodologia completa poder ser baixada aqui.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com