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Famílias prestes a serem despejadas no Rio Pina vivem angústia de não saber prazo nem valor de indenizações

Marco Zero Conteúdo / 23/08/2023
Fotografia do alto do rio Pina: curso d'água estreito e poluído, com barracos e palafitas de madeira na margem esquerda, com manguezal à direita, tendo ao fundo, sob céu azul e nuvens, os prédios do conjunto residencial Encanta Moça e prédios alto do bairro de Boa Viagem.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

por Jeniffer Oliveira

Há uma semana, na quarta-feira, 15 de agosto, a Prefeitura do Recife anunciou o nome dos moradores que foram contemplados para receber os apartamentos do Conjunto Habitacional Encanta Moça 1 e 2, no Pina. Das 600 unidades, 384 serão destinadas a famílias moradoras de palafitas previamente cadastradas; 125 para famílias afetadas pela construção da Via Mangue; e 91 para pessoas que vivem em áreas não edificáveis na área do projeto de urbanização Rio Pina. E os apartamentos já foram sorteados entre os contemplados. 

Assim que a lista saiu, moradores da comunidade usaram os grupos de Whatsapp e redes sociais para identificar possíveis irregularidades. Claudia Souza, marisqueira e integrante da Coletiva Cabras, de 44 anos, por exemplo, mora em uma palafita com a irmã Rosângela Rosa, e vai receber o auxílio moradia de R$ 300, pois não foi contemplada com o apartamento do conjunto habitacional. 

Cláudia Souza. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Esse valor não condiz com a realidade de aluguéis da região, afinal a comunidade está entre o Pina e Boa Viagem, conhecidos por serem bairros ricos e caros para morar. O valor é considerado insuficiente para custear a moradia no local e nem em outro território com o mínimo de segurança, o que aumenta a possibilidade dessas famílias irem morar em áreas de risco.

Com a promessa de ser direcionada a um dos novos habitacionais que serão construídos posteriormente na região, Claudia teme pela inviabilidade de garantir o seu trabalho na catação de mariscos por causa da logística. “A gente não tem alimentação certa, se comer de manhã não come de tarde. E aqui, graças a Deus, a gente come de manhã, de tarde e de noite, porque a gente vai na maré logo ali, pega o bote, faz a catação do sururu, vende e se alimenta. E a gente morando fora, como vai ganhar? Como vai sobreviver?”, indaga Claudia. 

Nas publicações das redes sociais da prefeitura do Recife e do prefeito João Campos anunciando a lista dos beneficiados, diferentes comentários apontam que pessoas que não moram nas áreas citadas pela gestão foram incluídas para receber as unidades. “Vocês precisam reaver [sic] essas pessoas, pois estão na listagem filhos de líderes da comunidade que não moram em palafitas”, denunciou a professora Amanda Amaral, na postagem do perfil do prefeito.

A prefeitura está prestes a iniciar a implementação do projeto Rio Pina desapropriando pelo menos mil famílias que vivem em uma área de 3,5 hectares que vai da comunidade da Areinha ao Jardim Beira Rio. O valor de R$ 65 milhões será investido na construção de diversos equipamentos, como pista de cooper, praça, ciclovia, parque infantil, áreas para piquenique e contemplação, academia, quiosques, Via Parque, Unidades de Beneficiamento de Pescados (UBPs), Mercado do Peixe, píer e rampas para marisqueiras. 

Nestes locais, diferentes realidades vão ser afetadas. Os moradores questionam, além do valor das indenizações, a falta de transparência e como a comunidade pesqueira e marisqueira vai conseguir trabalhar se tiverem de viver em outros bairros. “Recentemente, a gente apresentou uma carta para o prefeito na Caravana da Periferia dizendo pro mesmo que o projeto Rio Pina era um projeto que queria desapropriar mais de mil famílias e que a gente não iria aceitar isso. A comunidade em peso está totalmente desassistida, sem saber qual a data que elas vão ser retiradas”, afirma Ana Menezes, também ativista e diretora geral da Coletiva Cabras. 

De acordo com a prefeitura do Recife,”dentro do processo de escuta, novos elementos foram incluídos para atender às demandas dos pescadores e marisqueiras”. Sobre as indenizações, “cada imóvel é avaliado individualmente e recebe um valor que varia de acordo com questões como existência de documentação legal, área construída e benfeitorias realizadas pelos moradores. Os valores oferecidos são baseados em tabela atualizada anualmente e validada pelos órgãos de controle, como Tribunal de Contas do Estado e Caixa Econômica Federal”. A nota da prefeitura, no entanto, não informou quando e como essas famílias serão retiradas e indenizadas. 

Por se tratar de uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis), o diálogo com a população é necessário para realizar esse tipo de projeto, mesmo com a insatisfação e a resistência dos moradores, a prefeitura afirma que “o projeto foi amplamente discutido e validado pela comunidade”, o que contradiz as constantes queixas e denúncias realizadas. 

Em Areinha, bem próximo ao conjunto habitacional Encanta Moça, existem residências construídas há mais de 50 anos que, inclusive, já receberam o aval para garantir o título de posse e encontram-se em processo de regularização fundiária. Esta é uma das áreas onde há residências em locais considerados “não edificáveis” e que serão incluídas no processo de desapropriação. “A gente tem a nossa casa, que foi construída do jeito da gente e a outra alternativa seria a indenização por benfeitorias, mas a gente sabe que o que eles pretendem vai ser bem abaixo de qualquer outro imóvel dentro da área”, lamenta a advogada Edilene Simão, moradora da comunidade. 

Hoje, as famílias lutam para garantir que a desapropriação não aconteça, pois já existe um trâmite em curso para que os moradores da área recebam os títulos de propriedade, oferecidos pelo programa propriedade legal, realizado pela Pernambuco Participações e Investimentos S/A (Perpart), estatal subordinada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh). “Também tem um decreto da prefeitura para que haja essa regularização fundiária e age de forma antagônica querendo tirar as pessoas”, afirma o contabilista Robson Gustavo, morador da área que acompanha o processo de regularização dos moradores.

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