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Crédito: Géssica Amorim/MZ Conteúdo
Cobertura produzida por alunos do projeto de extensão Reportagens Especiais do curso de Comunicação Social do campus Caruaru (UFPE) mostra os impacto do auxílio emergencial em cidades do Interior de Pernambuco. Uma parceria do Observatório da Vida Agreste (OVA) com a Marco Zero Conteúdo.
Por Géssica Amorim
Um dos maiores sonhos da agricultora Ivonete da Silva, 47 anos, era poder fazer a feira do mês em fardos, como se vende no atacado. Uma compra abundante, que garantisse, e não somente a curto prazo, o bem estar dela, do marido José Januário da Silva, 76, e dos seis filhos do casal. Arroz, café, leite, macarrão e fubá em grandes quantidades. Uma despensa repleta, antes de tudo, de uma nova possibilidade. “A gente teve uma folga e tá fazendo assim, por enquanto”.
O “por enquanto” dito por Ivonete é o grande X da questão.
Antes da chegada da Covid-19 no país, a família da agricultora, moradora do distrito de Sítio dos Nunes, em Flores (Sertão de Pernambuco), recebia do programa Bolsa Família o valor de R$ 265. Com o salário mínimo de R$ 1.039 vindo da aposentadoria rural de José, as oito pessoas eram mantidas com os R$ 1.304 usados para custear alimentação, despesas com água, eletricidade, transporte, saúde. Desde abril, o auxílio emergencial “trocou” os R$ 265 por R$ 1.200 e a renda da família pulou para R$ 2.239. O valor se estendeu até José Antônio, 19, e José Humberto, 20, filhos do casal que estão começando a constituir suas próprias famílias e não têm emprego fixo. Para cada um, são repassados R$ 300.
O problema é que o valor que possibilitou a realização do sonho de Ivonete tem data para acabar, assim como os fardos de comida e sonhos em sua despensa: o fim do isolamento social e a volta da “normalidade” (que nunca foi efetivamente sentida por famílias como as da agricultora), também trará o fim do benefício lançado especificamente para atenuar os efeitos da pandemia.
Garantido graças à pressão de movimentos sociais e parlamentares (a proposta inicial do Governo Federal era pagar apenas R$ 200), o valor emergencial de R$ 600 diminuiu, segundo a Fundação Getúlio Vargas, a taxa de extrema pobreza no país, hoje a menor em 40 anos.
Em Flores, auxílio emergencial atinge o dobro de beneficiados pelo Bolsa Família
Atualmente, o município sertanejo, com pouco mais de 22 mil habitantes, tem 8,6 mil cadastros ativos para o saque do auxílio emergencial. Desse número, entre os povoados e distritos da cidade, 4.069 correspondem a beneficiários do programa Bolsa Família que, durante a pandemia, têm recebido mensalmente o valor de R$ 1.200. Os números são do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da cidade.
Ivonete não tem casa própria e nem tem água encanada no local onde mora. A agricultora e a sua família vivem há mais de 20 anos no antigo ponto de apoio da extinta empresa de ônibus Viação Princesa do Agreste, que de 1955 a 2015 operou transportando passageiros por quase todo o Nordeste e desativou o seu ponto no distrito ainda na década de 90.
O espaço foi cedido pela empresa à família, que, sem condições de pagar mensalmente pelo abastecimento, contribui com o pagamento de parte do boleto de uma vizinha que lhe cede alguns tambores de água por semana. Ivonete e os seus familiares integram a parcela de uma média de 32 milhões de pessoas que, no Brasil, não têm acesso à água encanada. Só na região Nordeste, são mais de 11 milhões sem abastecimento.
Com a folga trazida pelo auxílio, Ivonete da Silva e a sua família deixaram de integrar os números de uma outra estatística que diz — segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em dados de pesquisa divulgada em abril deste ano — que, atualmente, 45,9 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à internet.
A agricultora, além de quitar as suas dívidas recentemente, conseguiu comprar um celular usado e finalmente ter um número de telefone para contato. Agora, ela se comunica com os amigos e outros familiares usando aplicativos de mensagens e mantendo contas em redes sociais. Não tem, entretanto, internet: são os vizinhos de Ivonete que lhe cedem acesso à conexão.
Até o fim da disponibilização do auxílio, que pode se estender até dezembro de 2020, e na esperança de que seja criado e implementado um programa social que complemente o já existente Bolsa Família, Ivonete da Silva espera, ainda, conseguir comprar um guarda-roupa e fogão para a sua casa.
O auxílio emergencial tem dado abertura para, pelo menos, o início de uma estabilidade na economia e renda de famílias do distrito que precisam e têm acesso ao benefício. A possibilidade de quitação de dívidas e a pequena noção de poder de compra entregue às pessoas que, só agora, podem suprir parte de necessidades e desejos antigos, é algo que também é visto positivamente por quem trabalha com o comércio em Sítio dos Nunes.
É o caso do aposentado e comerciante Luiz Souza Diniz, 86, que há mais de 30 anos mantém no distrito, com a ajuda de seu filho João Bosco, 52, a sua bodega. Lá, vende bebidas, mantimentos e até itens para casa. “A gente sabe que tudo pro pessoal, aqui, é em Custódia [cidade vizinha]. Aqui em Sítio, as pessoas compram mais o que falta em casa, uma coisa ou outra que esqueceu. Quem costuma comprar mais e tem o nome na caderneta, nesse tempo, tem pagado mais as contas. Isso é o que vai ajudando a gente a escapar também. Não fica tudo parado”, conta o aposentado.
Flores ultrapassou os 100 casos testados positivos para a Covid-19. Segundo o boletim epidemiológico da cidade, divulgado na última quarta (19) na página oficial da prefeitura no Facebook, o município contabiliza 105 casos confirmados, 84 recuperados, 21 em investigação e 5 óbitos em decorrência do coronavírus. Não há registro oficial de casos confirmados no distrito de Sítio dos Nunes.
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