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A ideia soa absurda, mas começou a ser materializada esta semana: os organizadores do carnaval fora de época Fortal começaram a desmatar uma área de 20 hectares que faz parte do terreno do aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza, para realizar a micareta que dura quatro dias. Para efeitos de comparação, o futuro parque da Tamarineira, em Recife, tem pouco menos de 25 hectares.
Inicialmente, a limpeza do terreno aconteceu com a capinação e retirada de arbustos, mas na quarta-feira, 15 de maio, os operários contratados pelos promotores do evento começaram a desmatar árvores adultas de grande porte e foram flagrados por fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), que embargou a obra e multou a empresa que realizava o serviço. No dia seguinte, representantes do Ministério Público foram ao local vistoriar o terreno.
De acordo com o vereador de Fortaleza Gabriel Aguiar (PSOL), primeiro a denunciar o caso, a organização do Fortal pediu à Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Semace) isenção de licença ambiental para realizar desmatamento, o que foi negado pelo poder público. “A Mata do Aeroporto é um terreno público, pertence à União, mas está sob gestão da empresa alemã Fraport, concessionária do aeroporto Pinto Martins, e está incluída na Poligonal Federal da Mata Atlântica e integralmente protegida pela lei 11.428”, explica Aguiar.
O vereador, que também é biólogo, também gravou vídeo sobre o desmatamento marcando a cantora Yvete Sangalo, principal atração do Fortal, conhecida por sua atenção em defesa do meio ambiente.
A lei mencionada pelo vereador estabelece que “o corte, a supressão e a exploração da vegetação secundária em estágio avançado de regeneração do bioma Mata Atlântica somente serão autorizados em caráter excepcional, quando necessários à execução de obras, atividades ou projetos de utilidade pública, pesquisa científica e práticas preservacionistas”. A lei não menciona, portanto, a realização de uma micareta de quatro dias como critério que autoriza o desmatamento.
A vistoria do Ministério Público teve como finalidade levantar informações para identificar se o local está realmente dentro da poligonal estabelecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) como área de Mata Atlântica, conforme publicou o jornal cearense O Povo, que acompanhou a visita dos promotores. Dentro ou fora da poligonal, o promotor Fábio Ottoni advertiu que “a empresa só poderá realizar intervenção significativa na área a partir da apresentação do inventário florestal e com a expedição das licenças dos órgãos ambientais”.
A Marco Zero tentou entrar em contato com os promotores do Fortal, mas não obteve retorno. Entretanto, em suas redes sociais, a organização do evento garantiu que “buscou um espaço possível e adequado, sempre respeitando a legislação ambiental e urbanística em vigor e com todas licenças necessárias”. No mesmo parágrafo, afirmou que “a área escolhida é privada, não está inserida em zona de preservação” e diz estar preocupada com a recuperação e revitalização do local. O terreno, porém, não é privado, pois não pertence à alemã Fraport, mas sim à União.
Se o Fortal atender às demandas da MZ, este texto será imediatamente atualizado com as explicações dos organizadores.
A MZ também questionou a concessionária do aeroporto, perguntando “se a Fraport realmente autorizou o desmatamento. Se sim, com base em qual previsão legal? Ou seja, o que dá a Fraport o poder de autorizar tal desmatamento? A Fraport tinha conhecimento da realização do desmatamento estar acontecendo sem licença ambiental?”.
A assessoria de comunicação da empresa alemã respondeu, transferindo a responsabilidade para o Fortal: “Não procede a informação que a Fraport Brasil tenha autorizado qualquer desmatamento. A organização e as autorizações necessárias, junto aos Órgãos Públicos anuentes, são de responsabilidade do cessionário do espaço (Fortal), conforme estipulado em contrato”.
No final de abril, a Fraport havia anunciado no site oficial do aeroporto de Fortaleza a parceria com o Fortal informando que o “megaevento” aconteceria “em um terreno de cerca de 20 hectares do sítio aeroportuário do Fortaleza Airport” de 18 a 21 de julho, em um contrato que “contribui com o crescimento socioeconômico do Estado do Ceará, gerando empregos e atração turística”.
Ao longo da semana, as denúncias começaram a chamar a atenção da sociedade civil para o assunto. Fátima Limaverde, ambientalista e diretora da Escola Vila – escola particular que, há 40 anos, desenvolve a “pedagogia ecossistêmica” – gravou vídeo pedindo a mobilização contra a destruição da vegetação da Mata do Aeroporto. “Quando você fala e se mobiliza, o poder público se mexe, para o bem ou para o mal. Nós gravamos o vídeo e, no outro dia, o Ibama foi lá fazer o embargo”, garantiu.
Limaverde anunciou que amanhã, sexta-feira, os 390 estudantes iniciarão uma campanha para evitar o corte de árvores em Fortaleza. A participação da ativista e de sua escola nas lutas ambientais de fortaleza tem um histórico positivo. “Passamos décadas lutando contra a construção de condomínios de luxo nas margens do rio Cocó, até que, há dois anos, conquistamos a Área de Proteção Ambiental do Rio Cocó, que agora é um ecossistema protegido”, contou.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.