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Foto: Inês Campelo
A decisão pela legalidade do leilão do terreno do Cais José Estelita, tomada pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), foi considerada frágil em sua argumentação por alguns advogados consultados pela Marco Zero Conteúdo. A decisão, emitida na terça-feira (14), atende a recurso movido pelo Consórcio Novo Recife e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que procurava modificar sentença da 12a Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco (SJPE) que tornava nulo o leilão do Pátio Ferroviário das Cinco Pontas. Com a posição tomada pelo TRF-5, abre-se mais um capítulo de uma novela que está perto de completar 10 anos – visto que a venda do terreno foi realizada em 2008.
Em função dessa última decisão, diversas entidades, movimentos sociais, intelectuais, artistas e estudantes voltaram a definir uma pauta de atividades para reavivar o front de resistência ao Projeto Novo Recife. É que, em quase 10 anos, a venda de uma das áreas públicas mais privilegiadas da cidade do Recife não se livrou da imagem negativa que carrega desde o início por materializar a promíscua relação entre o capital privado e as administrações públicas locais.
Uma das fragilidades da relatoria da apelação, feita pelo juiz federal auxiliar Ivan Lira de Carvalho, é o argumento de que a Caixa Econômica Federal tem expertise em leilões e é um órgão ilibado. Entretanto, isso não impediu que o terreno tenha sido subfaturado em pelo menos R$ 10 milhões. A delegada da operação Lance Final da Polícia Federal, Andrea Pinto, afirmou em entrevista coletiva ainda em 2015, no Recife, que “a abertura do leilão também foi muito rápida e havia muitas limitações para outras empresas concorrerem. O prazo de mínimo de 15 dias estipulado pela Justiça para a publicação de recursos também foi ignorado. A Milan Leilões não informava nada para o mercado. É evidente esse favorecimento”.
A fragilidade da decisão ainda está relacionada a pedidos e sugestões feitas pelo Ministério Público Federal e que não foram tratados no atual acórdão. Pedidos, por exemplo, de realização de EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança) e EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental) e de realizações de pareceres do DNIT e da ANTT sem os quais, os projetos não poderiam ser aprovados, dentre outros pedidos não analisados. Para sanar essa omissão (é omissão porque não são mencionados na sentença de segundo grau) cabe um recurso aos próprios julgadores do TRF, que se chama Embargos de Declaração.
Os advogados consultados ainda lembram que, no que tange os argumentos do próprio acórdão, não foram consideradas a Lei 7347/85 que tornou possível a inclusão de bens no patrimônio cultural brasileiro por meio judicial, independente do critério administrativo. Essa possibilidade, de tombamento judicial (decidido por alguma instância judicial), foi ignorada pela Quarta Turma do TRF-5, que usou o argumento de que o Judiciário não pode proceder o tombamento para não ferir o princípio da separação dos poderes. Na prática, o texto da decisão afirma que caberia apenas ao IPHAN tombar o pátio do Estelita.
Como reação, uma série de atividades estão sendo montadas para fazer frente a ameaça representada pela legalização do leilão.
Essa nova articulação pode vir a contribuir para o envolvimento da sociedade civil com a revisão do Plano Diretor – “um processo que até agora tem tido pouca participação popular porque está sendo conduzido de forma não muito transparente, mas que deve impactar a vida de todo mundo na cidade”, afirma Leonardo Cisneiros, do grupo A Cidade Somos Nós.
Caso essa nova articulação dos movimentos prossiga e seja capaz de interferir sobre a revisão, não será novidade, uma vez que o caso Estelita sempre funcionou como um gatilho para diversas outras pautas ao longo desse tempo todo.
Os movimentos também devem realizar a segunda edição do Revelita, a passagem de ano com diversas atrações no cais. Será a segunda edição do evento.
Luiz Carlos Pinto é jornalista formado em 1999, é também doutor em Sociologia pela UFPE e professor da Universidade Católica de Pernambuco. Pesquisa formas abertas de aprendizado com tecnologias e se interessa por sociologia da técnica. Como tal, procura transpor para o jornalismo tais interesses, em especial para tratar de questões relacionadas a disputas urbanas, desigualdade e exclusão social.