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“A gente tem essa necessidade de cuidar melhor do trânsito, diminuindo a violência no trânsito. Nós conseguimos uma redução de quase 30% exatamente colocando lombadas eletrônicas na cidade, pintando faixas de pedestre, colocando orientadores (…). A redução de 30% de um ano para o outro é muito expressiva” – prefeito Geraldo Julio (PSB), em entrevista ao programa PE no AR, na TV Club, em 15 de agosto
No sábado (13), os amigos Isabela Cristina de Lima, 26 anos, e Adriano Francisco da Silva, 19, foram atropelados e mortos pelo motorista de um Sendero preto, em Boa Viagem, quando abriam o portão da casa de uma colega que iriam visitar. Enquanto os corpos das vítimas eram enterrados na segunda-feira (15), a Avenida Conde da Boa Vista – na zona central da cidade – amanhecia tomada por coroas de flores e cruzes, simbolizando o início da campanhaBasta de Mortes no Trânsito, movida por organizações da sociedade civil.
Na mesma manhã do dia 15, ao ser questionado sobre as ações da Prefeitura para reduzir os acidentes de trânsito no Recife, duranteentrevista ao vivo no programaPE no Ar,da TV Clube, o prefeito e candidato à reeleição Geraldo Julio (PSB) disse que sua gestão havia reduzido a violência no trânsito da capital em quase 30%.
Procurada pelaMarco Zero Conteúdo, parceira do Truco Eleições 2016 – projeto de fact-checking da agência Pública -,a assessoria do candidato informou que Geraldo Julio se referia à queda no número de vítimas fatais nos acidentes de trânsito no Recife. Segundo a assessoria, o prefeitoutilizou informação da Companhia de Trânsito e Transportes Urbanos (CTTU), empresa vinculada à Prefeitura do Recife e responsável por administrar e fiscalizar o trânsito da capital pernambucana.
O Truco nas Eleições 2016 checou a declaração do prefeito e concluiu que a afirmação é discutível porque ela está respaldada numa base de dados incompleta, que não dá conta da totalidade da violência do trânsito no Recife. Por isso, atribuiu a carta “Não é bem assim” à afirmação de Geraldo Julio.
De fato, os dados da CTTU corroboram a tese de diminuição da violência no trânsito da capital pernambucana. Segundo a Companhia, o número de acidentes se manteve estável em 2011 (2.601), 2012 (2.547), 2013 (2.534) e 2014 (2.566), mas caiu 19,8% em 2015 (2.041).
A queda no número de mortes no trânsito, segundo a CTTU, foi ainda mais expressiva, chegando à margem mencionada pelo prefeito, mas, ao contrário do que ele afirmou, isso não aconteceu de um ano para outro, mas no intervalo de três anos. Foram 74 mortes em 2011, 56 mortes em 2012 (último ano da gestão do petista João da Costa), 55 em 2013, 46 em 2014 e 39 em 2015, totalizando 30,36% de redução no período de 2012 a 2015.
O problema é que a CTTU só contabiliza as mortes ocorridas no local do acidente, ou seja, nas vias públicas, e registradas pelos seus agentes de trânsito. Ficam de fora dessa conta todas as mortes que tenham acontecido nos hospitais e em outras unidades de saúde para onde as vítimas tenham sido socorridas. A falta deste dado torna a estatística da CTTU incompleta. Os dados estão subestimados.
A mais precisa base de dados sobre óbitos decorrentes de acidentes de trânsito no Recife é o Sistema de Informação sobre Mortalidade do DATASUS (Ministério da Saúde), onde estão contabilizadas as mortes que aconteceram no local do acidente, durante o socorro às vítimas e nas unidades de saúde públicas e privadas da cidade.
Há duas formas de cálculo para os dados registrados no DATASUS. Numa delas se contabilizam todas as mortes ocorridas no Recife decorrentes de acidentes de trânsito, mesmo quando estes acidentes aconteceram em outras cidades da Região Metropolitana ou do interior do estado e as vítimas foram socorridas para a capital. A outra contabiliza as mortes apenas de pessoas residentes em Recife. Nos dois casos, adiferença dos números da CTTU para os do DATASUS é gritante.
Pelo primeiro modelo de cálculo, foram 591 mortes em 2011, 537 mortes em 2012, 451 em 2013 e 560 em 2014. Considerando exclusivamente as vítimas que residiam em Recife os números caem para212 mortes em 2011, 202 em 2012, 185 em 2013 e 204 em 2014. Os dados relativos a 2015 ainda não estão disponíveis. Dependendo do recorte adotado e do ano pesquisado, o número absoluto de mortes computadas pelo DATASUS chega a ser 12 vezes maior do que aquele contabilizado pela CTTU.
Os dados do DATASUS, embora também mudem a ordem de grandeza conforme o modelo de cálculo, seguem a mesma tendência de oscilação positiva ou negativa ao longo dos anos, conforme pode ser observado na tabela abaixo. O mesmo não acontece quando o comparativo é com os números da CTTU.
Se entre 2012 e 2014, os dados da Companhia de Trânsito e Transportes Urbanos apontam redução de 17,8% nos óbitos registrados pelos seus agentes de trânsito, os números do DATASUS mostram que contabilizadas as mortes no trânsito de pessoas residentes em Recife ocorridas nas vias públicas, durante o socorro às vítimas e nas unidades de saúde, houve um aumento de 0,99%.Se considerarmos todos os registros de vítimas de acidentes, independentemente de residirem ou não no Recife,o aumento foi de 4,28%. Ou seja, atendência de queda apontada pelo prefeito não se confirma pelos dados disponíveis no DATASUS.
O que significa que os números da CTTU representam apenas uma parte do total de mortos no trânsito do Recife, desconsiderando uma parcela importante de vítimas (aquelas encaminhadas para unidades de saúde). Não servem, portanto, como amostra válida para se ter a real dimensão das oscilações percentuais de crescimento e redução no total de vítimas fatais no trânsito por ano na capital pernambucana.
Ouvidos pelo Marco Zero, especialistas em levantamento de dados de saúde disseram que o cálculo mais aproximado da realidade é o que considera as mortes apenas de residentes em Recife.Segundo eles, esses refletem melhor a violência do trânsito do Recife do que os dados ampliados (que contam todos os registros feitos nas unidades de saúde da capital,mesmo quando os acidentes aconteceram em outras cidades do estado), utilizados nas campanhas de redução da violência no trânsito. As entidades que promovem as campanhas, porém, alegam que isso tiraria a visibilidade de muitas vítimas, e que a construção de hospitais regionais e UPAs na RMR e no Interior reduziu a transferência de acidentados para o Recife.
Mas, num ponto, especialistas e entidades concordam: os dados da CTTU são os que menos representam a realidade dos fatos.
(Laércio Portela e Thayná Campos)
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República