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Governo altera composição de forças no Conselho de Direitos Humanos

Débora Britto / 19/12/2017

Foto: Sabrina Nóbrega/Alepe

No último dia 16 de dezembro foi publicada no Diário Oficial do Estado a Lei Nº 16.243, que aumenta a quantidade de representantes do governo e órgãos públicos de 5 para 10 no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CEDH). Enquanto isso, os conselheiros da sociedade civil organizada eleitos em junho deste ano aguardam até hoje, sob protestos, a posse pelo Governo do Estado.

A lei original – nº 12.160, de 28 de dezembro de 2001, que cria o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos – definia o conselho como tripartite, com 5 cadeiras para governo, 5 para sociedade civil e outras 5 para povos e comunidades tradicionais de Pernambuco.

Para Sylvia Siqueira Campos, presidente da ONG Mirim Brasil, uma das conselheiras eleitas para o mandato no biênio 2017/2019, a demora para empossar os representantes da sociedade civil e a aprovação da nova lei fazem parte de uma tentativa de reprimir a atuação da sociedade civil organizada no conselho.

“O governo não alterou a forma de funcionamento, só alterou uma questão essencial que é de composição de forças”, argumenta. Segundo ela, que também foi conselheira na gestão anterior, o conselho conseguiu realizar ações importantes, como a Conferência Estadual de Direitos Humanos e o acompanhamento do orçamento da Secretaria de Justiça e Direitos Humano, além de ações que fortaleceram a sociedade civil e o caráter deliberativo do conselho. Nesse cenário, seria natural ouvir os conselheiros sobre as mudanças propostas, o que não foi feito.

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Sylvia aponta caráter repressor do Governo do Estado ao mudar a correlação de forças no Conselho de Direitos Humanos

“A gente acaba tocando em pautas que são muitos caras para o governo”, diz Sylvia, para quem a atuação do governo reflete uma postura repressora. “Quando ele propõe a mudança de composição de um conselho sem dialogar com as outras partes envolvidas mostra como tem sido repressor em várias dimensões, por exemplo, com a polícia nas regiões periféricas e também repressor ao se utilizar de um arcabouço legal para aplicar violências”, critica.

Para o promotor de Direitos Humanos do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Westei Conde, é importante que a sociedade debata se é democrático ou não a alteração do conselho sem se ouvir o próprio conselho, destacando que não havia qualquer impedimento para a posse dos novos conselheiros da sociedade civil enquanto a proposta de alteração do conselho tramitava na Assembleia Legislativa. “Já poderia e já teria que ter dado a posse dos conselheiros eleitos sem essa nova configuração do conselho”, defende.

Segundo ele, há uma incoerência na justificativa da lei, que seguiria a lógica de paridade adotada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos. “Aqui a lei altera a composição e matematicamente existe uma paridade, mas do ponto de vista real, não”, explica.

Westei aponta uma hiper representação do Governo do Estado. “Invoca-se tal paridade, mas deu-se uma hipertrofia do Poder Executivo nesse conselho”, diz o promotor. Com a nova composição, dentro das 10 vagas do governo e órgãos públicos a única representação que não é de Secretaria de Estado é a da Assembleia Legislativa, que já estava presente na formatação anterior. Quando empossados os novos conselheiros, serão quatro cadeiras a mais do Poder Executivo.

Segundo Conde, as vagas destinadas a “representantes governamentais e de órgãos público” não poderiam ser preenchidas apenas por secretarias e representações diretas do Executivo, mas deveriam ser ocupadas por outras entidades públicas. Como exemplo, cita o Ministério Público, a Defensoria Pública, e Tribunais de Justiça.

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Conde critica falta de representatividade do Ministério Público, da Defensoria Pública e outros órgãos no Conselho.

Sociedade civil

No dia 1 de novembro, o promotor fez recomendação ao Governo do Estado para a posse imediata dos representantes da sociedade civil. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos confirmou a posse dos conselheiros para o dia 27 de dezembro, às 10h, na seda da SJDH.

A assessoria da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos alegou que a posse não aconteceu anteriormente “em virtude do processo eleitoral não ter sido concluído”, informação contestada pelas entidades eleitas. “Cada grupo tem uma forma de composição de suas cadeiras. A sociedade civil tem eleição acompanhada pela Alepe e o Movimento Nacional de Direitos Humanos”, explica Sylvia.

De acordo com a Secretaria, a posse para as novas vagas criadas será realizada dentro do prazo legal de 180 dias para implementação da lei. O MPPE deverá acompanhar o caso até que aconteça a posse e verifique o funcionando do conselho, com reuniões regulares. “Minha esperança é que o conselho se reflita em uma política de direitos humanos consistente, com hipertrofia das políticas públicas de direitos humanos em Pernambuco”, diz o promotor Westei Conde.

Desafios para atuação do CEDH

A resistência à participação social por parte do Governo do Estado não é novidade para os conselheiros e as conselheiras. Como uma possível reação à atuação da sociedade civil e povos e comunidades tradicionais no último biênio, Sylvia faz um levantamento de pontos centrais do último mandato.

“A gente acredita que essa mudança na correlação de forças se deve ao êxito da atuação do próprio conselho. Nesses dois anos a gente conseguiu pautar e fazer valer o caráter deliberativo do conselho, pelo menos em algumas questões”

Entre as frentes de ações que obtiveram repercussão, o CEDH interveio nas remoções realizadas no bairro do Curado, teve acesso aos orçamentos de projetos da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. Segundo ela, a realização da conferência estadual também sofreu pressão da secretaria para que não acontecesse, sob argumento de contingenciamento de gastos.

“Foi importante porque reafirmamos o caráter democrático com a conferência. Na democracia do voto a gente conseguiu aprovar todas as pautas em que a gente entrou, ainda com baixa representação”, celebra.

Além das questões políticas, as dificuldades impostas são também estruturais, por exemplo, com a destinação de diárias de R$54,01 para deslocamento de conselheiros que vivem fora da Região Metropolitana do Recife. “O governo agiu muito mal no acesso ao recurso para facilitar a participação dos povos e comunidades tradicionais. Como é que você lida com uma diária de R$ 54,01 para ir e vir de Cabrobó para Recife? Em várias reuniões a gente não conseguiu ter presença porque as diárias não foram liberadas”, denuncia.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.