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Uma semana depois de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mentir sobre os incêndios na Amazônia e no Pantanal, atacando “índios e caboclos”, a quem ele atribui a culpa pelas queimadas de grandes proporções, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deu mais um passo na destruição da preservação ambiental brasileira.
Nesta segunda-feira (28), considerada por alguns especialistas como “o dia da boiada” – referindo-se à desastrosa frase proferida por Salles em reunião ministerial -, mais duas importantes normas de proteção foram derrubadas, abrindo os caminhos para a especulação imobiliária no litoral do Brasil. Isso porque o já combalido Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) derrubou, em estranho caráter de urgência, resoluções que protegem praias e áreas de restinga.
A reunião online transmitida pelo Youtube e que deveria ser pública não teve qualquer abertura para colocações e debates técnicos prévios com especialistas. O chat da plataforma foi desativado, não permitindo comentários ou manifestações dos mais de 1.200 espectadores. Foi apresentado apenas um parecer jurídico do Ministério do Meio Ambiente.
Os 23 conselheiros revogaram as resoluções 303 e 302 do Conama. A alteração das resoluções que tratam de licenciamento, alerta o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) e conselheiro do Conama, Carlos Bocuhy, pode provocar sérios prejuízos a áreas hoje protegidas.
A primeira delas, a 303, protege áreas de preservação permanente numa faixa de 300 metros, justamente a vegetação típica das praias. Já a 302 trata de reservatórios artificiais, como é o caso das represas Billings e Guarapiranga, em São Paulo.
Na prática, a novidade abre caminhos para a instalação de mega empreendimentos imobiliários, como hotéis e resorts. Na avaliação de Bocuhy, em comunicado à imprensa, “é um importante anteparo de vegetação rasteira, que protege a linha do litoral e é cada vez mais essencial devido às mudanças climáticas”.
Segundo o professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco (UPE) e membro do Instituto Bioma Brasil Clemente Coelho, estão em risco locais já ameaçados pela especulação e pelo turismo predatório em áreas de desova de animais marinhos e de proteção contra erosão. Alguns exemplos são Porto de Pedras, São Miguel dos Milagres e Passo de Camaragibe, no estado de Alagoas, e Maracaípe, Cupe e Muro Alto, no estado de Pernambuco.
Além disso, Clemente alerta que a revogação da 303 é um risco muito alto para o favorecimento da carcinicultura (criação de camarões em viveiros) em área de manguezais, que já haviam sido desprotegidas em 2012, na época do novo código florestal, quando parte do ecossistema teve liberação de 30% para o cultivo de camarões.
“Incrivelmente no momento em que mais precisamos da área de proteção da praia em função do aquecimento global e da elevação do nível médio do mar, se faz essa revogação que coloca totalmente em risco essa proteção natural. Uma vez ocupada, a gente estaria perdendo praias e acelerando o processo de erosão”, detalha.
Clemente lembra ainda que, se a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber tivesse julgado, a época, as mudanças no Conama, reconhecendo a inconstitucionalidade do desmonte, provavelmente o Brasil não estaria tendo que enfrentar esta péssima notícia de hoje. O Conama teve corte de quase 80% dos assentos, aumentando o peso do lobby da agropecuária e da indústria.
A também integrante do Bioma Brasil, doutora, professora sênior da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em manguezais Yara Schaeffer Novelli destaca que o problema vai além das resoluções. Para ela, o ministro Salles condenou a nossa legislação ambiental.
“O golpe dado hoje é muito maior que a perda da base legal porque extrapola em muito os planos do governo ao beneficiar carcinicultura, hotéis e resorts na zona costeira, sobre áreas que atualmente são de proteção permanente, deixando por conta dos municípios uma suposta proteção, que sabemos que não vai acontecer”, protesta.
“Usaram o Conama para dizer que essas resoluções já estão cobertas pela legislação vigente. Mas não é verdade. O que deram foi um grande passo em cima de toda a nossa legislação de proteção ambiental. Nós perdemos nossa proteção ambiental, perdemos muito mais que duas resoluções, o que foi perdido não tem limite”, reforça Yara.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com