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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
por Wanessa Oliveira, da Mídia Caeté
Uma determinação do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA-AL) e do Conselho Estadual de Proteção Ambiental (Cepram) reafirmou que a Braskem será, de fato, proprietária dos bairros destruídos pela mineração. O documento trata-se de uma condicionante para licença de operação e exige que a mineradora construa, nos bairros destruídos pela extração de sal-gema, uma Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN). Para ex-moradores, especialistas e ativistas dos direitos à cidade, a orientação termina por legitimar o termo de acordo que deu posse à empresa sobre todos os imóveis desocupados em razão do afundamento de solo.
A publicação do Instituto junto à CEPRAM define que a finalidade do documento é proibir qualquer atividade comercial na área situada no mapa de risco. “O objetivo é permitir que a vegetação ocupe toda a área, criando, assim, uma unidade de conservação. A Braskem deve apresentar a proposta de criação da RPPN para análise e aprovação do IMA e do Conselho Estadual de Proteção Ambiental (Cepram)”, descreveu. A nota completa pode ser lida aqui.
Embora o documento tenha como foco o estabelecimento de limites de construção para a empresa, termina por ricochetear num outro efeito: reforçar que a Braskem será, realmente, dona dos imóveis do bairro destruídos pela própria ação da mineradora.
A situação ocorre por duas razões, de acordo com especialistas. Primeiramente por dirigir a exigência à Braskem, levando à causadora do dano a responsabilidade sobre o projeto de reconstrução. Em segundo lugar, está a própria natureza de uma Reserva Particular, que se trata de uma unidade de conservação de domínio especificamente privado.
Na definição de RPPN que consta no site da autarquia paranaense Instituto Água e Terra, fica claro que, embora não haja um recebimento direto de recurso financeiro de governo ou órgão ambiental, esta categoria permite a possibilidade de beneficiamento financeiro de três formas: “por conta da inscrição da área para recebimento de recursos provenientes do ICMS Ecológico por Biodiversidade, recurso este que é destinado ao município onde está inserida a RPPN; pela participação em Projetos de Pagamento por Serviços Ambientais e/ou pela isenção do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR (Art. 8º Decreto Federal 5.746/2006) “
A arquiteta e urbanista Isadora Padilha acrescenta: “Sim, a Braskem vai poder explorar comercialmente. Porque uma RPPN é privada. O uso é controlado pelo proprietário. Inclusive uma coisa importantíssima: acesso. Imagine que toda a parte construída com patrimônio da cidade fique sob esse controle. Claro, sejamos justos. Fica sob controle da posse, independente de RPPN”, explica.
Para o economista e organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios: o lado b da exploração do sal-gema de Maceió, Elias Fragoso, a decisão do órgão extrapola os limites da competência do órgão, diante da complexidade atual em que todo esse processo se encontra. “Essa iniciativa do IMA e do Conselho de Meio Ambiente do Estado é mais uma prova da incompetência, da falta de compromisso com as questões que estão girando em torno desse tema. É um absurdo isso. A Braskem não é dona dessa área, nem vai ser dona, nem pode ser dona. Isso seria o extremo do absurdo para qualquer cidade, para qualquer estado, entregar de mão beijada para uma empresa privada uma área que ela mesma destruiu”, reforça.
Procurado, o IMA rebate que o documento traz apenas uma condicionante para evitar o uso comercial do território, não sendo responsável, por si só, pelo fato de que a Braskem deterá a posse do imóvel, uma vez que a situação já está dada pelo termo de acordo assinado entre os Ministérios Públicos Estadual e Federal, a Defensoria Pública Estadual, e a Defensoria Pública da União.
A alegação, entretanto, não convenceu. “ É lamentável. Diria que essas pessoas estão descompromissadas com a realidade. Essa situação do IMA é uma questão legal, não é uma questão ambiental apenas. É questão de justiça. Se a Braskem tentar se tornar dona desse processo, dessa área, evidentemente que isso tem que ser muito combatido por todos, e não apenas pela questão ambiental. Na hora que se faz isso, é até de se perguntar o que tem por trás disso”, acrescenta.
O documento que define expressamente a Braskem como proprietária dos imóveis trata-se do Termo de Acordo para Apoio na Desocupação das Áreas de Risco. Na Cláusula Nona, por exemplo, o Termo já inicia retratando que: “Após assumir a posse dos imóveis a serem desocupados e dos que já estão desocupados…”.
Em reportagem produzida pelo portal Marco Zero Conteúdo, que integra a Redação Nordeste, foram esmiuçados detalhes do termo do acordo que confirma a propriedade da posse da empresa sobre toda a área desocupada.
Já o termo de acordo pode ser visualizado clicando aqui.
Apesar de todas as provas documentais, permanece uma resistência dos órgãos em admitir que a Braskem será dona daquela área. Seja em entrevistas à imprensa, seja em notas oficiais.
Assim, em reportagem de agosto deste ano, órgãos que formalizaram o acordo com a empresa chegaram a encaminhar notas públicas comunicando que a Braskem não teria autonomia para construção. Contrariando os títulos animadores, que conduziam leitores desavisados a de fato perceberem que a Braskem não teria todo este poder, o texto trazia – contraditoriamente – outra informação, abrindo esta possibilidade de construção da Braskem para o que desejasse – caso a área fosse estabilizada e, finalmente, houvesse permissão pelo Plano Diretor.
O anúncio do IMA representou, portanto, um marco que confirma a posse da área sem, mais uma vez, ofertar qualquer alarde ao fato que, no fim das contas, foi o que mais trouxe controvérsia.
Para Isadora Padilha, também coautora de Rasgando a Cortina de Silêncios: o Lado B da Exploração da Sal-Gema, a decisão teve intenção política. “Trata-se de uma decisão política, porque isso teria que ser um projeto do poder público. Formatos jurídicos poderiam existir vários. Mas teria que ser encarado como algo pelo que o poder público lutasse para tornar realidade. Inserindo no Plano Diretor, por exemplo, no caso do município. Inserindo como medida reparatória do dano causado. Se o IMA exigiu a criação de uma RPPN, por que o estado não exige a entrega da área para uso público como medida de reparação do dano causado? Inclusive por ser na região lagunar, em uma boa parte pode ser vislumbrada a competência estadual, para além da municipal”, relata.
Contudo, a própria natureza da RPPN comunica a intenção estatal de tornar o território privado, de acordo com a pesquisadora. “Se o estado estabelece essa criação de RPPN, ele fortalece uma lógica de reconhecer que a área de fato será privada – e abre mão de outra possibilidade ser estabelecida: a da área se tornar pública. Acho que essa é a questão mais importante. Foi o que a prefeitura fez: aceitou o acordo e ratificou a posse da área para a empresa. Abriu mão de estabelecer outra possibilidade para a área, no Plano Diretor, que fosse melhor para a cidade”.
A despeito de intenção de determinar a no local onde os bairros foram atingidos, outras opções de formato são levantadas sem necessariamente colocar a Braskem enquanto proprietária. “ O poder público pode criar áreas de proteção. Inclusive ali ao lado tem uma Área de Proteção Ambiental (APA). Os Flexais fazem limite com a APA do Catolé. Incorporar à APA é uma possibilidade bastante plausível. Além disso, o Parque Municipal está bem ali também. E mais adiante o Horto do IBAMA. Ou seja: há possibilidades em qualquer uma das instâncias: municipal, estadual e federal”.
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