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Governo Federal começa a ouvir sociedade civil sobre combate às emergências climáticas

Raíssa Ebrahim / 02/08/2024
Foto de dezenas de pessoas, homens e mulheres em um grande salão. Elas estão usando roupas variadas, tendo vários cartazes nas cores pretas e brancas ao fundo.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

O Governo Federal começou a percorrer os seis biomas brasileiros, com visitas a oito cidades, para discutir emergência climática e ouvir propostas da população. As sugestões serão analisadas e selecionadas por um comitê interministerial e incorporadas ao Plano Clima, o guia da política climática brasileira até 2035. O presidente Lula (PT) apresentará a primeira versão do texto já na COP 29 (Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas), no Azerbaijão, em novembro.

A visita das autoridades começou pelo Recife, nesta quinta-feira (1º), debatendo o Sistema Costeiro-Marinho, em evento no Centro de Convenções de Pernambuco. Até 15 de agosto, as consultas públicas passarão por outras cidades, em plenárias sobre a Caatinga, Amazônia, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa.

Com a presença dos ministros Márcio Macêdo, da secretaria-geral da Presidência da República; Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima; André de Paula, da Pesca e Aquicultura; e da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), dez representantes da sociedade civil pernambucana apresentaram suas sugestões. A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, a pernambucana Luciana Santos, teve uma mudança de agenda e não compareceu ao evento. Conheça as propostas ao final da matéria.

A plenária teve protestos. Servidores ambientais, mobilizados desde janeiro, aproveitaram o evento com os ministros para fazer pressão por reestruturação e reajuste salarial. Trabalhadores do Ibama, ICMBio, Serviço Florestal Brasileiro e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima entraram em greve em junho, depois de não conseguirem fechar acordo com o governo. Os servidores denunciam que os órgãos estão, há anos, enfrentando desestruturação e escassez de material e pessoal.

Foto de cinco pessoas, sendo três homens e duas mulheres, usando camisetas verdes onde é possível ler floresta em pé sobre outras palavras que não são legíveis. Esse gupo segura duas faixas, uma sobre a outra. A faixa de cima é branca com letras vernelhas e pretas formando o seguinte texto: Servidores ambientais em greve - reestrutruração já - presidente, coloque o discurso em prática e fortaleça os órgãos ambientais! Chega de hipocrisia. A outra faixa tem frases copm letras amarelas e brancas com fundo verde formando o seguinte texto: Não tem floresta atlântica! Não tem vida marinha! Sem servidor ambiental valorizado!

Na plenária do clima no Recife, servidores ambientais protestaram por reestruturação e reajuste salarial. Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Também houve ato pedindo desmatamento zero da Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia Beberibe, na Região Metropolitana do Recife, onde será construída a Escola de Sargentos, um megaempreendimento das Forças Armadas. A vinda do projeto já foi dada como irreversível pelo presidente Lula e pela governadora Raquel. Após pressão popular e de ambientalistas, o Exército anunciou uma redução da área de supressão de mata atlântica, de 150 para 90 hectares.

Depois da capital pernambucana, a caravana federal passará por Teresina (PI), Macapá (PA), Imperatriz (MA), Campo Grande (MS), São Paulo (SP), terminando em Porto Alegre (RS). A abertura aconteceu na quarta (30) em Brasília.

A última fase de elaboração do Plano Clima será em 2025, com a formulação de planos setoriais e a realização da 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente e Mudança do Clima, em maio. A apresentação completa da Política Nacional sobre Mudança do Clima, com participação da população, acontecerá na COP 30, em Belém (PA), em novembro do ano que vem.

Brasil tem metas ousadas 

O Plano Clima definirá as estratégias nacionais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global, e promover a adaptação aos impactos das mudanças climáticas, que podem se traduzir em eventos extremos como as chuvas no Rio Grande do Sul e a seca na Amazônia. No contexto global, o plano será usado como base para definir a nova meta de redução de emissões do Brasil, conforme os compromissos assumidos no Acordo de Paris.

As metas são bastante ousadas: atualmente, o país se comprometeu a reduzir suas emissões em 48% até 2025 e em 53% até 2030. A nova meta, ainda mais ambiciosa, a ser alcançada até 2035, é atingir emissões líquidas zero até 2050.

“A gente pode mitigar, a gente pode adaptar, a gente pode se preparar para enfrentar a mudança do clima, mas, se a gente não reduzir a emissão de CO2, o problema só vai aumentar. E aí não tem adaptação que dê jeito”, enfatizou a ministra Marina. “Ou seja, é preciso reduzir a emissão dos principais vetores que levam à mudança do clima. Quais são esses vetores? Desmatamento, uso da terra. Um outro vetor é uso de carvão, uso de petróleo, uso de gás. Essa é a raiz do porquê está mudando o clima no planeta e criando problemas como temos no Rio Grande do Sul”, explicou.

Foto da ministra Marina Silva. Mulher negra, idosa, de óculos e cabelos presos em coque atrás do pescoço. Ela está usando blusa azul escuro e está segurando o microfone enquanto fala em público junto a uma mesa de material transparente com folhas de papel em cima.

Ministra Marina falou da necessidade de reduzir emissão de gás carbônico. Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

No início de sua fala, a ministra cumprimentou os servidores ambientais presentes, citou “a manifestação democrática em benefício da valorização da carreira” e afirmou que a pauta é um compromisso de Lula e da ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck. “Estamos inteiramente solidários com a luta em defesa da valorização por concurso público, por salários dignos. Depois de quatro anos de perseguição, de assédio moral aos nossos servidores, a liberdade de trabalhar é fundamental”, disse, contabilizando que sua pasta tem 92% dos cargos de confiança ocupados por servidores de carreira.

A plataforma digital Brasil Participativo receberá as contribuições da população até o dia 26 de agosto. Qualquer pessoa com CPF pode apresentar três propostas e votar em até 10 propostas de outros participantes. Também há espaço para comentários. As 10 propostas mais votadas de cada um dos 18 temas definidos pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima poderão ser incorporadas ao texto final do governo. O modelo usado para o Plano Clima é o mesmo do Plano Plurianual 2024-2027 (PPA Participativo), realizado no ano passado.

Responsável pela articulação com movimentos sociais, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, lembrou, em seu discurso, a retomada da política de participação social do Governo Federal. “A política de participação social foi completamente obstruída nos últimos seis anos, nos dois primeiros anos e nos quatro anos de namoro do país com o fascismo. E o presidente Lula resgatou a política de participação social”, disse. 

“Estamos aqui no ambiente marinho e costeiro, que é fundamental. Uma boa parte, uma parte significativa do território nacional está na zona costeira. Tem incidência em populações fundamentais, tradicionais, como marisqueiras, pescadores e pescadoras, catadores e catadoras, que são fundamentais na produção de proteína, para que nós possamos combater essa chaga que mancha o Brasil, que é a fome que assola milhões de brasileiros”, acrescentou Macêdo.

Foto do ministro Márcio Macedo, homem branco, maduro, de cabelos pretos com fios brancos. Ele está falando ao micrfone, gesticulando com a mão direita, em um ambiente interno de paredes marrons, usando um paletó cinza e camisa branca.

Ministro Macêdo é o responsável pela articulação com movimentos sociais. Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Escola de Sargentos: Marina diz que ministério vai cumprir legislação

À ministra Marina Silva, em coletiva de imprensa, a Marco Zero questionou se não seria uma contradição o desmatamento de 90 ha para construção da Escola de Sargentos na APA Aldeia Beberibe, frente a um plano que pretende frear o aquecimento global e as metas de desmatamento zero propagandeadas pelo Governo Lula. A liderança do Plano Clima comentou que trata-se de processos de licenciamento e que o Exército também precisa olhar para o meio ambiente. “Eu costumo dizer que os licenciamentos são processos técnicos que se remetem sempre às decisões legais. Dentro dos espaços militares tem dinâmicas que são diferenciadas, mas nem por isso a questão ambiental deva ser secundada”, respondeu.

“O Ministério do Meio Ambiente não facilita, não dificulta. Ele busca cumprir com aquilo que está na legislação, olhando sempre para aquilo que é o interesse da preservação. Fico feliz que você acabou de falar que já houve aí um ajuste”, acrescentou, referindo-se à diminuição da área de Mata Atlântica que será suprimida. “Seja empreendimento público ou empreendimento privado, é muito importante observar a preservação dos biomas e dos ecossistemas”, completou.

Raquel anuncia edital para pesca e promete incluir clima nas plenárias da LOA

A governadora Raquel Lyra aproveitou o evento para anunciar que, ainda este ano ainda, vai lançar um edital pra fortalecimento e fomento da pesca artesanal para financiamento de maquinário, barcos e cooperativas, para projetos de até R$ 1 milhão.

Em conversa com a MZ ao final do evento, questionada sobre a falta de um plano de estadual de participação popular para debater a emergência climática, a governadora Raquel citou os processos de diálogo que tem feito junto à população, destacando os investimentos em acesso à água, saneamento e moradia, e antecipou que vai aproveitar as plenárias da Lei Orçamentária Anual (LOA) para incluir a questão do clima.

“Vou aproveitar agora, na LOA, que nós vamos agora fazer uma nova rodada de plenárias, em todas as regiões do Estado, a gente abre tópicos para saúde, educação, assistência, infraestrutura, e agora eu vou abrir para clima”, assegurou.

Foto de Raquel Lyra segurando um microfone junto a uma mesa de material transparente. Ela está usando um cardigã bege sobrepondo uma camisa branca.

Governadora Raquel anuncia edital para pesca artesanal. Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com