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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
Por Patrícia Beck Eichler-Barker*
O aumento da temperatura, uma das consequências mais desastrosas das mudanças climáticas, atingirá as regiões litorâneas diferentemente. Portanto, a adaptação e mitigação serão específicas de acordo com o local. De qualquer forma, já estamos testemunhando em 2022 as ondas de calor no Hemisfério Norte previstas para o ano de 2050. Comparando-se a temperatura média atual com a pré-industrial, a elevação de 3°C nas próximas décadas aumentará praticamente em dobro os riscos e danos que estamos observando com o aumento atual de 2°C.
Os oceanos retardam o aumento da temperatura na atmosfera devido à sua massa, que leva anos para aquecer, e o gelo marinho que atua como um “amortecedor”, consumindo o calor do oceano no processo de derretimento. O problema é que já estamos vendo as consequências desses aumentos muito rapidamente. Sem gelo marinho, menos luz solar será refletida de volta ao espaço, e em vez disso, será absorvida pelo Ártico. O derretimento de uma camada de gelo no norte da Rússia, entre 2015 e 2025, poderá liberar 50 gigas toneladas de CH₄ um índice dez vezes maior do que o que existe atualmente na atmosfera, o que anteciparia o aquecimento das temperaturas esperado apenas para daqui a 35 anos. A degradação do “permafrost” (permanentemente gelado), tanto terrestre quanto no fundo do mar do Ártico, parece causar grandes liberações de gases de efeito estufa (particularmente CO₂, CH₄ e N₂O), e por sua vez, também fazendo com que mais vapor de água entre na atmosfera, causando enorme aumento na temperatura, especialmente no Ártico, onde grandes quantidades de metano estão contidas em sedimentos no fundo do mar.
Uma pesquisa realizada pelo Ministério do Meio Ambiente revela que 70% do litoral do Brasil apresenta tendência de erosão nas últimas décadas, e calcula-se que até 42 milhões de brasileiros enfrentarão problemas ligados à subida do mar no século XXI. Locais de recreação e turismo como praias arenosas e baías possuem valores paisagísticos e culturais, e a erosão tende a desfigurar suas características e prejudicar atividades que são realizadas nesse ambiente.
Ecossistemas costeiros como manguezais, estuários, deltas, dunas, pântanos, restingas serão afetados negativamente pela elevação do mar, prejudicando a biodiversidade local pela diminuição de fontes de alimento, alterações nas cadeias alimentares, além de provocarem migrações forçadas das populações selvagens. O IPCC indica que em 2080 a subida do nível do mar transformará 33% das zonas úmidas costeiras em zonas alagadas permanentemente e aumentará a vulnerabilidade do restante à inundação durante tempestades. Vários desses ecossistemas abrigam diversas espécies de crustáceos, aves, peixes, moluscos e algas que são valiosas para o homem, e são locais de desenvolvimento de outras atividades econômicas, recreativas e turísticas, que serão altamente prejudicadas. Mas ninguém olha para o brejo! Ninguém fala em preservar o berçário das espécies marinhas que sustentam a cadeia trófica. Preservação dos grandes predadores e das baleias são medidas necessárias para evitar a perda de carbono para a atmosfera, que aumenta a poluição ambiental formando chuva ácida, elevando a temperatura.
A crescente interferência humana na geografia dos litorais com a tentativa de conter o avanço das águas, trará grandes prejuízos adicionais a ecossistemas localizados nessas regiões pela realização de obras de infraestrutura e proteção. Mesmo populações de seres marinhos de mar profundo também sofrem efeitos negativos indiretos, pois são dependentes das condições dos ambientes litorâneos e da camada superficial do mar, a que mais tem aquecido, provocando declínio populacional, aumento na incidência de doenças, malformações, redução das fontes de alimento, mudanças nos ciclos reprodutivos, redistribuição geográfica e outros. Ao mesmo tempo, os aquíferos costeiros subterrâneos de água doce serão invadidos por água salgada, diminuindo a oferta de água potável para as populações humanas, gerando problemas de saúde e migrações sociais.
Os efeitos drásticos da subida do nível do mar se combinam a uma série de outras atividades humanas cuja origem não está ligada diretamente ao aquecimento global. Entre as principais, estão a pesca excessiva e predatória, introdução de espécies exóticas e a poluição orgânica e inorgânica, onde se incluem o acúmulo de lixo marinho e despejos de esgotos, efluentes industriais, agrotóxicos, fertilizantes e produtos farmacêuticos.
Os mares estão em estado de degradação rápida e acentuada, estoques dos principais peixes com valor econômico estão superexplorados, próximos ao limite de suas capacidades ou em vias de rápida extinção. Cerca de 2,6 bilhões de pessoas obtêm dos peixes pelo menos 20% de sua ingestão proteica anual. Em áreas pobres litorâneas e em algumas nações insulares a população pode chegar a depender dos peixes em 50% para obtenção de proteínas. O declínio dos estoques marinhos de alimento e outros recursos pode também levar a um aumento de conflitos entre locais que dependem do mar para sobreviver.
O cenário atual brasileiro não é animador e necessita conscientização em diversos níveis, pois o ser humano que está preocupado em sobreviver não tem tempo de questionar, ou mesmo lidar, com as respostas necessárias para adaptação e mitigação das alterações climáticas que estão por vir.
Portanto, nessas eleições precisamos pensar quem vai preservar a vida, plantar árvores, preservar o habitat dos sumidouros de carbono (animais e plantas) e respeitar a Constituição Federal brasileira de 1988 que inovou ao incumbir ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente, incluindo, nesse contexto, a proteção aos animais contra a crueldade e os maus-tratos (art. 225, §1º, VII).
* Dra. Patrícia Beck Eichler-Barker (Bióloga e Oceanógrafa). Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). International Ocean Discovery Program (IODP). EcoLogic Project.
Este artigo foi escrito para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência.
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