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Parte do Sítio Histórico de Olinda está afundando. Com um solo majoritariamente arenoso, com muitas minas de água, um crescente desmatamento e a ocupação irregular de encostas, boa parte do solo da Cidade Alta precisa de atenção redobrada. Dois relatórios feitos por consultorias como parte do projeto Iphan/UFPE para subsidiar a nova portaria de normatização da área trazem dados que mostram que, além de cuidar dos monumentos e do casario secular, a cidade também vai ter que investir em obras para evitar deslizamentos de terras, afundamento de ruas e infiltrações nos imóveis, além de preservar o verde que ainda resta.
Com coordenação do professor da Universidade de Pernambuco (UPE) e engenheiro Alexandre Gusmão, junto ao grupo de pesquisa Grupo de Pesquisa de Engenharia Aplicada ao Meio Ambiente (Ambitec), foi realizada uma consultoria especializada que resultou em um parecer técnico do solo do Sítio Histórico. O relatório mostra problemas generalizados no sistema de drenagem da área – com escoamento de água muitas vezes obstruído – e ocupação humana desordenada, com intervenções irregulares como corte de encostas e descarte irregular de lixo e entulho.
O professor Alexandre Gusmão explica que os movimentos de solo em Olinda estão frequentemente relacionados à remoção da cobertura vegetal, o que facilita a infiltração da água. “A presença da água é um fator agravante para a instabilidade, pois diminui a resistência do solo e aumenta seu peso, favorecendo os movimentos. O tipo de solo do Sítio Histórico, quando submetido à água, seja por chuvas, água servida, esgoto ou fossas, pode ter movimentação, explicando a aceleração do movimento durante as épocas chuvosas”, explica o professor.
Um achado importante da consultoria foi a hipótese que explica a movimentação lenta e progressiva observada nas casas no entorno da Bica dos Quatro Cantos. Embora a inclinação nesta área seja relativamente baixa (inferior a 30º), a instabilidade é atribuída ao fluxo subsuperficial (água correndo dentro do solo, logo abaixo da superfície) da chuva e da bica – a água não consegue penetrar mais fundo porque há rochas no subsolo. A presença dessa camada de rocha menos permeável acaba por direcionar o fluxo da água de forma horizontal, o que compromete a estabilidade do solo e das construções da região. No relatório, vários moradores reclamam de fissuras nas paredes das residências.
Moradora da rua da Bica dos Quatro Cantos há três anos, a professora Dilma Costa conta que quando chove a rua vira um rio. “O esgoto aqui da esquina com a rua Joaquim Cavalcanti estoura e fica saindo água pela tampa. A rua fica toda esburacada depois das chuvas, essa parte perto da esquina é toda afundada”, conta ela. “A infraestrutura do Sítio Histórico deixa muito a desejar. E todos os moradores aqui falam pela mesma boca. Aqui tem muito buraco e tem muitas ruas em que falta água direto”, reforça a musicista Aglaia Costa.
Outra rua que tem destaque no relatório é a Bertioga, uma transversal da Ladeira da Misericórdia. A análise de estabilidade realizada para o talude (encosta) entre a rua Bertioga e o Observatório de Olinda (Rua Bispo Coutinho) indicou um Fator de Segurança (FS) de 1,30, abaixo do Fator de Segurança Mínimo recomendado de 1,5, o que torna a área provavelmente instável. Além do risco de deslizamentos, o relatório mostra que a região enfrentou intervenções que descaracterizam o patrimônio: na área entre a rua Bertioga e a rua Bispo Coutinho foram aplicados geossintéticos (as mantas para proteção das encostas) de cor azul, o que destoa dos princípios de preservação do Sítio Histórico. A obra, feita com recursos estaduais, custou R$ 2,65 milhões.
Maria Aparecida vê a rua Bertioga cada ano mais íngreme
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroMoradora há 30 anos rua Rua Bertioga, Maria Aparecida da Silva vê todo ano buracos se abrirem no calçamento – que recebem da prefeitura, no máximo, um tampão. Mas ela também nota o afundamento da rua. “A rua parece que está caindo, ficando mais íngreme”, diz Maria. “A reforma da encosta era necessária, porque ali quando chovia tinha muito barulho, fazia medo de arriar a barreira e levar as casas. Mas a obra só ficou em uma parte da encosta, não pegou a parte que fica atrás da minha casa”, reclama.
O professor Alexandre Gusmão ressalta que afundamentos pontuais observados em áreas como a Ladeira da Misericórdia, que podem envolver tubulações rompidas, muitas vezes são problemas de manutenção de serviços (água e esgoto) e não necessariamente instabilidade de encosta. “Muitos dos problemas atuais de Olinda decorrem da própria evolução urbana da cidade. A remoção de grandes massas de solo para a criação de espaços, como a Praça da Preguiça, entre a Igreja do Carmo e a Igreja de São Pedro, desestabilizou as estruturas ao redor, causando movimentação e fissuras na torre da Igreja do Carmo, por exemplo”, conta o professor, lembrando que, na década passada, a UFPE realizou um trabalho para estabilização do morro onde fica a Igreja do Carmo, que já estava sofrendo danos estruturais por conta da movimentação da terra do morro.
Para resolver os problemas de estabilidade, o estudo sugere que o trabalho de mapeamento do solo continue e se aprofunde, permitindo a identificação e a hierarquização das ações mais críticas. “Para uma solução definitiva, é necessário um trabalho em escala “um para um”, ou seja, o desenvolvimento de projetos específicos para cada rua ou encosta. É fundamental entender a causa da patologia para fornecer um diagnóstico e tratamento adequados. Em alguns casos, o simples disciplinamento das águas, como uma drenagem, pode ser suficiente para estabilizar a encosta”, diz o professor.
A intervenção em solos de sítios históricos é sempre um grande desafio. As obras nessas áreas são mais caras e demoradas do que em locais sem valor histórico por conta dos protocolos mais restritivos. “Qualquer escavação, por exemplo, pode exigir validação de arqueólogos para evitar a descaracterização do sítio”, pontua Gusmão. Embora os moradores possam estar apreensivos devido às fissuras e rachaduras, de modo geral, não há um risco iminente de desabamento em Olinda: os movimentos são lentos e associados à estação chuvosa. “Mas também não é algo que pode ser deixado para depois indefinidamente. É como uma doença degenerativa que, sem intervenção, vai piorando progressivamente”, alerta Alexandre Gusmão.
A Marco Zero questionou a assessoria de comunicação da Prefeitura de Olinda sobre se alguma medida já foi tomada após o recebimento do estudo, publicado em agosto deste ano, mas não obtivemos resposta.
Outra consultoria para o projeto da UFPE/Iphan analisou a cobertura vegetal do Sítio Histórico de Olinda. Chama a atenção a situação do Horto Del Rey, a maior área verde do território tombado, e que está perdendo espaço para ocupações, principalmente com a construção de casas na divisa com o bairro de Amaro Branco. O subsetor C3 do Sítio Histórico de Olinda, onde o horto está localizado, é um dos locais com ambiguidade na atual legislação: é definido como “área especial de proteção florestal” na normativa federal, mas é permitido intervenções e ocupações, ainda que limitadas a 5% da área.
Com 14 hectares, no local funcionou por quase 50 anos do século 19 o Horto Botânico de Olinda, servindo também como sede para aulas de botânica e agricultura a partir de 1829, sendo pioneiro no ensino de botânica em Pernambuco. Em 1854, foi vendido e foi perdendo as características que o faziam se destacar, como a ampla variedade de espécies, muitas delas vindas de outros jardins botânicos do Brasil. Hoje, a área pertence à família Manguinhos – daí o nome Sítio Manguinhos, pelo qual o espaço também é conhecido – e está praticamente abandonado. Sem segurança, há denúncias de uso e tráfico de drogas no local, além das ocupações, o que inviabilizou a visita dos pesquisadores ao Horto.
Imagem de satélite mostra ocupações dentro da área do Horto D’El Rey.
Crédito: Google Maps/ReproduçãoEm entrevista por e-mail para a Marco Zero, a secretária de Patrimônio e Cultura de Olinda, Marília Banholzer, afirmou que o Horto Del Rey é tratado como prioridade ambiental e de preservação. “A prefeitura já avançou em iniciativas técnicas: há intenção de tratar o tema no âmbito do Conselho de Preservação, com a formação de um grupo de trabalho intersetorial (patrimônio, meio ambiente, segurança, habitação) para propor ações integradas, como proteção, identificação de responsabilidades fundiárias, medidas de controle de invasões e intervenções de segurança que permitam fiscalização efetiva. Além disso, o Horto foi recentemente reconhecido em processos de Unidade de Conservação (cadastro nacional), o que facilita articulação técnica com órgãos ambientais”, afirmou.
A Marco Zero questionou se a prefeitura ainda pretende desapropriar a área e assumir a administração do Horto, como já foi anunciado em mandatos anteriores. A secretaria informou que não há decisão consolidada sobre desapropriação do Horto. “Esse tipo de medida envolve estudos técnicos, levantamento fundiário, análise orçamentária e projeto jurídico-administrativo. O que podemos confirmar é que a prefeitura tem manifestado interesse em proteger e qualificar a área, estudando medidas de gestão (inclusive diálogo institucional com proprietários e propostas de gestão compartilhada), e que o assunto está na agenda técnica do município para avaliação”.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org