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“Eu me sinto uma pessoa que não consegue ter paz, não consegue dormir, não consegue viver tranquila. Não consigo trabalhar, não consigo estudar, não posso fazer nada. Porque eu só fico dependendo de resolver a situação desse prédio”, essas palavras são de Andrea Angelita Goes Alves da Silva, de 57 anos, moradora do Edifício 13 de maio, vizinho ao parque do mesmo nome, no centro do Recife.
Nos últimos dias, Andrea Angelita e o irmão, Luiz André, de 59 anos, foram mais uma vez surpreendidos com a determinação judicial de que deveriam sair da casa em que moram, no mesmo terreno do prédio, para que o imóvel possa ser demolido. Quem passa pela construção inacabada e em ruínas entre as ruas da Saudade e a rua da União, não imagina que ali é o lar de duas pessoas. E elas não têm para onde ir.
O estado de saúde de Luiz André impede que a irmã trabalhe. Sofrendo crises convulsivas frequentes, ele é também cardiopata e diabético. Por isso, Andrea se dedica a cuidar do irmão e vive do BPC (Benefício de Prestação Continuada) que ele recebe.
Dentro dos muros, o contraste do terreno é forte: enquanto o prédio esqueleto oferece risco iminente de desabamento, com ferragens aparentes e partes da estrutura caindo, a casa de Andrea é rodeada de plantas e árvores frutíferas, cultivadas junto de seus cinco animais. A residência que, originalmente, era pequena e com poucos cômodos, hoje oferece o conforto que os irmãos precisam para viver.
As condições estruturais do prédio apavoram os moradores da vizinhança, que reivindicam a demolição urgente. No entanto, a incerteza da garantia da posse do terreno tem atormentado Andrea há, pelo menos, seis anos, quando o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou que a prefeitura do Recife acelerasse as providências para a demolição.
Apesar da decisão judicial sobre o destino da edificação, não se sabe o que será feito com o local após a demolição. “Os vizinhos querem a demolição, como eu, mas também querem que me reconheçam, que me dêem os meus direitos, que regularizem o terreno, que façam qualquer coisa, porque eu quero voltar para a minha casa”, reforça Andrea.
Os irmãos chegaram para morar no local acompanhada da mãe, Eunice Goes de Souza, ainda crianças, no final dos anos 1960. O edifício 13 de Maio começou a ser erguido na década anterior, no entanto, a obra foi abandonada por razões que Andrea desconhece. Ali, trabalhava o eletricista Manoel Estevão de Andrade, um potiguar que veio tentar a vida em Pernambuco e, depois que a construção foi paralisada, foi contratado para continuar por lá, assumindo o posto de vigilante do local, enquanto o fazia de morada. Logo depois, formou a família com Eunice, que já era mãe das duas crianças. O casal viveu naquele endereço até o fim da vida.
A luta pela posse do terreno por usucapião acontece desde 2012, quando Eunice ainda era viva. Andrea afirma que, durante todos esses anos, o processo foi tocado por um advogado contratado pela mãe, mas, por supostas negligências do profissional, acabou sendo arquivado. Com a nova determinação da Justiça, ela procurou a Defensoria do Estado para garantir, ao menos, o direito de retorno à residência após a demolição.
Uma nova decisão judicial renovou as esperanças de Andrea. Por meio de nota, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), afirmou que atendeu parcialmente a solicitação da Defensoria. Segundo a assessoria do tribunal, “o juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital decidiu, na última quarta-feira (14/08), atender em parte o pedido da Defensoria Pública de Pernambuco para determinar que o Município do Recife, autor da ação, se responsabilize por um plano de realocação seguro, garantindo moradia digna, condições de acessibilidade para Luiz André e acompanhamento das necessidades básicas da família”.
“A desocupação do imóvel foi autorizada desde que a ação fosse realizada com a presença de equipe do Samu para prestar atendimento médico ao senhor Luiz André. E o Município foi intimado para analisar como poderia atender ao pedido de auxílio moradia para a família. Em seguida, o magistrado em exercício na 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital, juiz Júlio Olney Tenório de Godoy, enfatiza, na mesma decisão assinada no dia 14 de agosto, que a senhora Andréa e o senhor Luiz poderão retornar à residência deles na Rua da União, nº 515, após a demolição do edifício, se houver segurança e garantia de integridade física para a família”, completa.
Já a Prefeitura do Recife se pronunciou dizendo que garantiu desde julho o auxílio moradia, transporte e abrigo aos irmãos Goes. Segundo a gestão, “a principal preocupação da Prefeitura é preservar vidas, evitando um possível desastre e promovendo o bem-estar da coletividade, garantindo também a segurança da moradora. As obras de escoramento precisam ser realizadas com máxima urgência para garantir a segurança dos transeuntes e dos moradores do entorno”.
Andrea reforça que só sai do imóvel com todos juntos, ela, o irmão, os dois cachorros, uma gata idosa e um casal de galinhas. “Eu não vou para abrigo nenhum porque eu tenho meus animais. Se não for pra ficar todo mundo junto numa moradia digna e segura, eu não vou”, afirma.
A propriedade do imóvel é um mistério. Segundo Andrea, a obra foi abandonada e desde então nunca apareceu alguém para reivindicar a propriedade do imóvel. Por isso, a família deu entrada na solicitação do usucapião, que acabou não lhe garantindo a posse do imóvel. Por isso, ela não pode se responsabilizar pelao serviço de demolição.
E mesmo se tivessem, não poderiam arcar com os altos custos que um procedimento de demolição demanda, tendo em vista que a única renda da família é a aposentadoria de Luiz André, que tem questões neurodivergentes. Desta forma, a Prefeitura do Recife irá realizar a obra, mas não descarta a possibilidade de solicitar o ressarcimento no futuro.
A gestão municipal conclui a nota dizendo que “embora a manutenção, recuperação ou demolição do imóvel sejam de responsabilidade dos proprietários, a dificuldade em localizar e obrigar os responsáveis a cumprir suas obrigações levou o município a receber uma ordem judicial para realizar a demolição […] Atualmente, a cidadã ocupa um terreno particular, uma questão que deve ser resolvida pelos proprietários. Ela entrou com um pedido de usucapião em juízo civil em 2012, que não prosperou. No futuro, após a demolição do prédio, a Procuradoria Geral do Município (PGM) poderá buscar o ressarcimento dos custos de demolição junto aos proprietários”.
Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.