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Mendonça Filho atua pessoalmente para fortalecer grupo contra ocupação em seu reduto eleitoral

Laércio Portela / 28/11/2016

A solenidade protocolar era de assinatura de ordem de serviço de obras de acessibilidade, mas a passagem do ministro da Educação Mendonça Filho (DEM) pelo campus Belo Jardim do Instituto Federal de Pernambuco, no sábado (26), teve um efeito eminentemente político: fortalecer e acirrar os ânimos do grupo interno que se opõe à ocupação estudantil do instituto localizado no reduto eleitoral da sua família, no agreste pernambucano.

Na manhã do sábado, antes do evento oficial no auditório do campus, o ministro se reuniu fora do instituto com os estudantes contrários à ocupação. Fotos do encontro foram postadas na página pessoal de Mendonça Filho e também no instagram da ex-candidata a vereadora pelo PEN Aracelly Meressa Pimentel. Na postagem Aracelly informa que a conversa aconteceu na fazenda do ministro. Vários alunos postaram selfies com Mendonça em suas páginas nas redes sociais.

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Poste no facebook pessoal de Mendonça Filho com fotos do encontro com os estudantes contrários à ocupação

Segundo apuração da Marco Zero Conteúdo, de lá o grupo seguiu em comboio até o campus para a solenidade. Só puderam entrar no auditório pessoas cujos nomes constavam de uma lista, entre eles os alunos que se reuniram na fazenda com Mendonça. Os estudantes da ocupação não tiveram acesso ao local. O evento contou com a participação da reitora do IFPE e dos diretores dos campus de Belo Jardim e Caruaru. Ao todo foram anunciados recursos da ordem de R$ 5,2 milhões para obras nos dois campi.

Apesar do caráter do evento, ele não constava da agenda oficial do ministro divulgada no site do Ministério da Educação. A Marco Zero entrou em contato, na tarde da segunda-feira (28), com a assessoria de comunicação do Ministério para saber a razão. A primeira reação da assessoria foi de surpresa. Depois, informaram que a agenda do site seria atualizada para fazer constar a solenidade em Belo Jardim. Quanto à reunião com os estudantes, a assessoria do MEC disse que ela não era “oficial”.

Ao final do evento no auditório do campus Belo Jardim, segundo informações repassadas por professores e estudantes do IFPE, o grupo de alunos que havia participado do encontro com o ministro na fazenda e da solenidade de anúncio de obras foi até o prédio ocupado e rasgou vários cartazes colados na entrada contra a PEC 55, a reforma do Ensino Médio e a nomeação de Mendonça, gritando palavras de ordem contra a ocupação. Os estudantes da ocupação retrucaram chamando o ministro de “golpista”. Mendonça Filho embarcou no carro sem falar com os ocupantes.

Além de não constar da agenda oficial registrada no site do Ministério da Educação, chamou a atenção o fato de o evento ter ocorrido em Belo Jardim e não em Caruaru. Com população (351 mil habitantes) quase cinco vezes maior do que a cidade que é reduto político da família Mendonça, Caruaru também tem um campus maior e mais recursos disponibilizados para as obras anunciadas no sábado, além da acessibilidade será construída uma nova biblioteca no instituto federal do município mais desenvolvido do Agreste.

Críticas

A maneira como a agenda do ministro foi construída gerou indignação em vários professores do campus Belo Jardim. Maêlda Lacerda de Barros, professora de Geografia, que soube da notícia pelas redes sociais, disse que os estudantes da ocupação foram constrangidos. “Houve uma situação de constrangimento. Cenas de vandalismo com um grupo rasgando os cartazes dos estudantes”.

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Postagem da ex-candidata a vereadora Aracelly Pimentel do encontro na “fazenda” do ministro

Ela criticou o convite a alunos para encontro reservado com o ministro antes da solenidade, afirmando que só foram chamados estudantes que apoiam a PEC 55 e a reforma do Ensino Médio. “O próprio ministro postou que houve um diálogo de esclarecimento. Mas esclarecimento para quem já concorda com você é muito fácil. Diálogo de verdade exige uma compreensão do sentido de democracia que acho que não há da parte dele”.

O professor André Luís Gonçalves Pereira concorda com Maêlda. “O que houve foi um diálogo para inglês ver. Para postar nas redes sociais. E sair em reportagens”. Para André, que ensina há cinco anos no IFPE Belo Jardim, o ministro e sua assessoria nunca abriram um debate real e franco com os ocupantes em qualquer lugar do Brasil.

“A falta de diálogo é uma característica do governo ao qual ele serve. Um governo ligado aos setores mais reacionários da sociedade. Em favor dos empresários e contra os trabalhadores”, afirma André.

“Essa atitude de integrantes do IFPE Livre (nome do grupo de estudantes contrários à ocupação) de rasgar cartazes e de ter uma postura agressiva mostra exatamente o IFPE que eles querem, livre de homossexuais, livre de negros, livres de trabalhadores rurais. Eles não querem uma escola sem partido, eles querem uma escola de um partido, do DEM”.

A Marco Zero Conteúdo teve acesso a imagens em redes sociais de alguns estudantes integrantes do grupo IFPE Livre batendo continência com uma faixa com a inscrição Bolsonaro 2018 ao fundo. O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) é conhecido por suas posições conservadoras, antidemocráticas e homofóbicas.

Recentemente Bolsonaro teve que responder a processo na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados por ter exaltado o coronel já falecido Carlos Alberto Brilhante Ustra durante votação do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Ustra foi chefe do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura militar, e torturador de Dilma.

Questionado sobre o encontro do ministro com os alunos, o diretor do campus Belo Jardim, Francisco das Chagas, disse que não tomou conhecimento dessa reunião. “Não fui convidado”. Ele explicou que toda a solenidade no Instituto ficou sob o comando do Cerimonial do Ministério. “Foi tudo muito em cima. Só ficamos sabendo que o ministro viria da quinta para a sexta-feira. Não sei se foi para aproveitar outra agenda dele”.

Solenidade de ordem de serviço para o campus de Belo Jardim não constava na agenda oficial no site do Ministério da Educação

A solenidade no campus de Belo Jardim não constava até o final da tarde de segunda-feira (28) da agenda oficial do ministro no site do Ministério da Educação

Os professores ouvidos pela reportagem disseram que receberam email no final da tarde da quinta-feira solicitando a inscrição formal daqueles que desejassem participar do anúncio da ordem de serviço das obras de acessibilidade, mas que no convite não constava a participação do ministro Mendonça Filho.

Para alguns, a omissão pode estar associada à tentativa de evitar a mobilização de professores e estudantes contrários à PEC 55 e também a presença da imprensa.

Estratégia de desmobilização e isolamento

O professor de Filosofia Dawson Barros Monteiro criticou a exigência de pré-credenciamento para o acesso ao campus no dia do evento com o ministro. “Não havia nenhuma razão para isso. Não era um evento para pessoas de fora, com pessoas estranhas. São todos nossos alunos, que conhecemos bem”.

Registro dos cartazes contra a PEC 55 e a reforma do Ensino Médio rasgados e amassados por alunos contrários à ocupação

Registro dos cartazes contra a PEC 55 rasgados e amassados por estudantes contrários à ocupação no campus Belo Jardim do IFPE

Dawson reiterou o caráter pacífico da manifestação dos ocupantes. Ele fez questão de enfatizar que os cartazes contra a PEC e a gestão Temer para a área da educação não foram colocados no prédio por conta da visita do ministro. Estavam fixados desde o começo da ocupação, no dia 26 de outubro. “Rasgar os cartazes foi algo realmente lamentável e que fere o direito de expressão dos estudantes”.

O professor criticou o encontro de Mendonça com os alunos do IFPE Livre. “Foi um debate falho, seletivo e tendencioso. Não tinha ali nenhum estudante ou professor contrário à PEC 55, ninguém que pudesse colocar um outro ponto de vista”.

“O que houve foi um clara tentativa de desmobilizar e isolar os estudantes da ocupação”.

Organização

A ocupação no campus Belo Jardim do IFPE começou no dia 26 de outubro. No bloco ocupado pelos estudantes, eles reservaram um sala para dormitório com colchões e uma barraca de camping. Uma outra sala virou uma espécie de copa, onde conservam os alimentos que recebem em doações de professores, amigos e simpatizantes do movimento.

Numa terceira sala, guardam as faixas, tintas e equipamentos que utilizam nas mobilizações e passeatas dentro e fora do campus. Em todas elas, vários cartazes lembram aos estudantes as obrigações de manter o espaço limpo e preservar o patrimônio.

Na última sexta-feira (25), os estudantes liberaram as salas para que fossem realizadas as provas do Vestibular do IFPE no final de semana, numa negociação com a comissão organizadora. No domingo à tarde eles retomaram as salas.

O campus Belo Jardim do IFPE tem cerca de 800 alunos, 200 deles internos, porque moram em municípios vizinhos. Conta com 96 professores e 68 funcionários, que garantem o funcionamento de cinco cursos: agropecuária, agroindústria, informática e enfermagem (nível técnico), e o curso superior de música (licenciatura). Os professores e servidores entraram em greve no dia 11 de novembro, juntando-se aos movimento iniciado em outubro pelos estudantes.

Pressão

No dia 22 de novembro alunos do movimento IFPE Livre, ligados ao grêmio estudantil, realizaram uma assembleia onde houve uma votação contra a ocupação. O vídeo está circulando nas redes sociais. Os estudantes mobilizados contra a PEC disseram à reportagem da Marco Zero Conteúdo que participaram de parte da assembleia, mas deixaram o local antes do final e não veem legitimidade na votação. “Eles só convocaram alunos ligados ao IFPE Livre e reduziram o espaço de debate”, informou o estudante de agroindústria Adenilson Barros, 18 anos.

O clima de tensão só tem aumentado. Apesar da greve decretada em 11 de novembro, alguns professores seguem dando aulas e a pressão do grupo contrário à ocupação só faz crescer. Agora com o apoio pessoal do próprio ministro Mendonça Filho.

 

AUTOR
Foto Laércio Portela
Laércio Portela

Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República