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Militares do Exército cercam escola ocupada em Casa Amarela e intimidam estudantes

Laércio Portela / 16/12/2016

Militares do Exército protagonizaram, nesta sexta-feira (16), mais uma ação de intimidação a estudantes do Recife que protestam contra o congelamento de gastos sociais e a reforma do Ensino Médio na Educação. Quem passou pela frente da Escola Municipal Nilo Pereira, em Casa Amarela, se deparou com uma cena que parecia de guerra. Vários veículos e dezenas de militares cercaram a instituição que está ocupada pelos alunos. Eles pressionaram os jovens e fizeram uma vistoria no local. Assustados, os estudantes pediram apoio pelas redes sociais.

A ação das Forças Armadas revoltou pais, professores e advogados que se deslocaram para a frente da escola em apoio aos jovens. A reportagem da Marco Zero Conteúdo esteve no meio da tarde no local, quando dois caminhões do Exército ainda permaneciam de guarda na Nilo Pereira. “É uma situação de extrema gravidade, o Exército brasileiro atuar de ofício (sem ser demandado), à revelia da Secretaria de Defesa Social, da Prefeitura do Recife e do Conselho Tutelar. Não se pode entrar dessa forma numa escola com a presença de crianças e adolescentes”, criticou o advogado Renan Castro, do Centro Popular de Direitos Humanos.

“Vamos representar uma ação junto à Promotoria de Direitos Humanos do Estado de Pernambuco”, informou Renan. A professora de Matemática da UFRPE, Maité Kulesza, que se deslocou para apoiar os estudantes, também questionou a postura dos militares de intimidar os jovens. “Os militares estão tendo uma atuação indevida. Estão ocupando espaços nos quais não deveriam intervir, como escolas e universidades. Chegaram aqui na Nilo Pereira sem dizer o motivo. Estamos todos nos sentindo vigiados. Parece mesmo que estamos vivendo em um estado de exceção”, analisou.

A suspeita de estudantes e professores é de que a ação do Exército esteja relacionada ao encontro marcado para a tarde desta sexta, na Nilo Pereira, entre integrantes dos Ocupa de outras escolas secundaristas ocupadas.  O encontro foi chamado via redes sociais para “discutir pautas comuns, construir a unidade em suas reivindicações e fortalecer suas lutas”. Apesar de toda a tensão, a reunião não foi desmarcada e ocorreu numa espaço interno da Nilo Pereira.

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Dezenas de soldados do Exército montaram guarda em frente à Escola Municipal Nilo Pereira, em Casa Amarela. Presença assustou estudantes e moradores da região

Coronel fala em “ação normal” 

Ao chegar à frente da escola a reportagem procurou o responsável pela operação do Exército. O coronel Diógenes, da 10a Brigada do Curado, tentou minimizar a atuação militar. Disse que o efetivo foi deslocado para o local para fazer uma blitz na rua em frente à escola e que, sabendo que estava ocupada por jovens e adolescentes, decidiu fazer uma vistoria à instituição. Confirmou que não houve a consulta a nenhuma outra autoridade pública antes da decisão de entrar na escola.

“Essa é uma ação normal de patrulhamento. Viemos fazer uma blitz na rua, como estamos realizando em vários pontos da cidade. Não tem nada demais”, argumentou o coronel. “Os alunos nos convidaram a entrar. Como tinham adolescentes, fomos ver se estavam acompanhados e também as condições da instalação”, disse o militar. Questionado se iria reportar para alguma outra instância pública as informações colhidas na vistoria realizada, o coronel informou que não. Após falar com a reportagem, o coronel dispensou os veículos e soldados que ainda montavam guarda em frente à Nilo Pereira.

A versão do militar não bate com os relatos dos estudantes. Eles disseram que os militares bateram no portão e disseram que entrariam à força caso os jovens não liberassem o acesso. Segundo os alunos, cinco militares entraram na escola, entre eles o coronel. Eles ficaram por cerca de 40 minutos e fizeram registros fotográficos de alguns ocupantes e de áreas internas da instituição. “É claro que nos sentimos intimidados. Eles nos avisaram que se não déssemos o acesso, entrariam na marra, de todo jeito”.

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Militares do Exército marcam presença nas proximidades do portão de entrada da Escola Nilo Pereira

A abordagem militar aconteceu por volta das 10h30. Os estudantes informaram que, por volta deste horário, oito caminhões do Exército chegaram ao local, com soldados armados de fuzis. “Ficamos muito assustados. Achamos que eles iriam invadir”, contou um dos alunos que não quis se identificar.

Críticas ao Conselho Tutelar do Recife

O clima do lado de fora da escola ficou ainda mais pesado à tarde com a chegada de representantes do Conselho Tutelar da Cidade do Recife. Pais e professores questionaram a postura dos conselheiros de pressionar os jovens para terem acesso à escola. “Ao invés de questionarem os militares de sua presença ostensiva e indevida aqui na porta da escola, eles se somaram na pressão contra os estudantes. Mais uma postura de intimidação aos adolescentes”, criticou a professora Maité Kulesza.

A coordenadora-geral do Sindicato dos Professores do Recife (SIMPERE), Simone Fontana, também questionou os conselheiros pela atitude de culpabilizar os pais dos estudantes. “Não queremos que vocês responsabilizem os pais. Os pais desses adolescentes não podem ser amedrontados. Vocês precisam entender que a manifestações dos estudantes contra a PEC 55 e as reformas da educação são totalmente legítimas”, disse para os conselheiros.

A queixa de Simone está também relacionada a ofício emitido no dia 7 de dezembro pelo Conselho Tutelar do Recife convocando os pais dos alunos a prestar esclarecimentos sobre possivel negligência e abandono dos filhos que participam da ocupação na Escola Municipal Nilo Pereira. Em outro ofício, emitido no dia 12, os conselheiros assinaram um termo de advertência nominal a cada um dos pais.

Pais e professores questionam integrantes do Conselho tutelar na porta da Escola Municipal Nilo Coelho. Os pais se sentem ameaçados pelo Conselho

Pais e professores questionam integrantes do Conselho Tutelar do Recife na porta da Escola Municipal Nilo Pereira. Os pais se sentem ameaçados pela atuação do Conselho

Dois conselheiros tutelares que estavam nesta sexta-feira tentando entrar na escola e assinaram os termos de advertência contra os pais dos alunos foram criticados pelos pais e professores presentes no local. Wendel Morais e Marcos Cordeiro se defenderam, dizendo que seu interesse é o de proteger os jovens. “Viemos aqui pela quarta vez para tentar entrar e ver a situação dos estudantes da escola”, explicou Wendel. Questionado sobre sua presença na tarde do dia da ação militar, o conselheiro informou que se deslocou para a escola porque recebeu telefonemas de pessoas da comunidade dizendo que o Exército estava prester a invadir o lugar.

O certo é que a atuação dos conselheiros vem sendo muito criticada por “criminalizar” a ocupação dos estudantes e pressionar e ameaçar os pais até com detenção por suposto abandono dos filhos. “Isso não existe. Estamos aqui presentes acompanhando o protesto legítimo dos nossos filhos. Nem mesmo o Exército pode entrar aqui desse jeito. Isso tá errado. Não vamos nos intimidar”, disse uma mãe, que preferiu não se identificar com receito de sofrer represálias.

Jovens reivindicam reformas na Nilo Pereira

Os estudante da Nilo Pereira não protestam apenas contra a pauta nacional de arrocho fiscal e cortes de recursos para a saúde e a educação. Desde 2013, encaminharam uma série de reinvindicações que não foram até agora atendidas pela gestão do prefeito Geraldo Julio (PSB), entre as principais demandas estão as construções de um refeitório, um laboratório de informática e de uma sala de música; a reforma da entrada interna da escola e dos banheiros; e a ampliação do horário de funcionamento da Biblioteca.

O secretário de Direitos Humanos da Prefeitura do Recife, Paulo Moraes, ouvido pela reportagem da Marco Zero Conteúdo, disse que as obras estão sendo negociadas com os jovens. Na quinta-feira (15) houve uma reunião no Centro Paulo Freire com representantes da Secretaria de Direitos Humanos e da Secretaria Municipal da Educação, estudantes da Nilo Pereira e integrantes do Sindicato dos Professores Municipais do Recife para tratar do tema. “Entendemos o direito de manifestação política dos jovens, mas queremos um indicativo de como essa manifestação vai acabar, como buscar uma solução para essas ocupações”, afirmou o secretário.

O secretário chegou no meio da tarde desta sexta-feira à Escola Municipal Nilo Pereira ao ser informado da presença do Exército no local. “São tempos muito difíceis. Não deve ter sido fácil para os jovens lidar com isso”. Ele garantiu à reportagem da Marco Zero Conteúdo que a Secretaria Municipal de Direitos Humanos vai pedir esclarecimentos formais sobre a ação de militares das Forças Armadas na escola da Prefeitura do Recife. “Não recebemos nenhum comunicado sobre essa ação aqui. Vamos solicitar esclarecimentos”.

Mais pressão, mais solidariedade

Os estudante se queixam de que os representantes da Prefeitura do Recife só aceitam começar as obras de reforma solicitadas por eles quando os alunos deixarem a ocupação. “Acontece que desde 2013, 2014 que eles dizem que vão fazer a reforma e ela não sai do papel. Nós não vamos abandonar a luta, vamos continuar ocupando a escola. Não desistiremos”, afirmou um dos jovens estudantes da ocupação.

Ao deixar a escola por volta das 17h30 desta sexta-feira, a reportagem da Marco Zero Conteúdo presenciou a chegada de uma viatura da Policia Militar no portão central da Nilo Pereira. Os policiais diziam ter recebido uma denúncia de tumulto. Pelo jeito, a pressão sobre os estudantes está mesmo aumentando por todos os lados. Mas a rede de solidariedade de professores, pais, mães, amigos, advogados e representantes dos movimentos sociais também não para de crescer. O que a policia chamou de tumulto foi a pronta atuação dessa rede de solidariedade.

AUTOR
Foto Laércio Portela
Laércio Portela

Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República