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Serra do Feiticeiro. Crédito: Juan Carlos Vargas
Uma nota técnica elaborada pelo movimento Seridó Vivo, apresentando denúncias de possíveis danos socioambientais consequentes da instalação de um complexo eólico na Serra do Feiticeiro, no município de Lajes, no Rio Grande do Norte, serviu de base para o Ministério Público do estado solicitar o cancelamento imediato da licença de instalação concedida pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema) à empresa Ventos de São Ricardo Energias Renováveis S.A.
O Idema já havia negado a licença solicitada pelo empreendimento em 2021, porém, após a empresa recorrer e apresentar um novo parecer, o órgão de controle ambiental voltou atrás e concedeu a autorização para que a Ventos de São Ricardo instalasse o parque eólico. O local escolhido pela empresa, a Serra do Feiticeiro, é considerada área prioritária para a conservação da caatinga e abriga diversas espécies animais ameaçadas de extinção.
Na recomendação publicada em 26 de outubro de 2023, o Ministério Público reconheceu a importância ambiental e cultural da Serra do Feiticeiro e recomendou o cancelamento imediato da licença emitida pelo Idema, além de solicitar a criação de uma Unidade de Conservação de proteção integral na área da serra e suas adjacências. Agora, cabe ao Idema acatar ou não a recomendação. Se ignorar a recomendação, o caso deverá ser judicializado.
“A recomendação do Ministério Público foi uma vitória importante, mas ainda parcial, porque mesmo que o Idema acate a decisão, a empresa pode recorrer e, a partir disso, inicia um processo de judicialização. Mas ainda assim acreditamos que a recomendação é um marco porque deixa evidente que nem tudo é negociável e a serra não pode receber esse tipo de empreendimento, ela precisa ser preservada”, declarou Paulo Marinho, biólogo, doutor em Ecologia e integrante do Seridó Vivo.
Sabendo da importância que a Serra do Feiticeiro tem para a fauna e flora nacional e para manutenção do modo de vida dos moradores da região do agreste potiguar, pesquisadores que integram o movimento iniciaram a mobilização para evitar a instalação do parque eólico no território.
Há alguns meses a organização criou uma campanha para reunir assinaturas em apoio à institucionalização de uma Unidade de Conservação na área, que ainda está disponível e pode ser acessada online. Além disso, os pesquisadores elaboraram e protocolaram a nota-denúncia junto ao Ministério Público.No documento, o Seridó Vivo apontou a contradição do Idema por conceder a licença de instalação ao empreendimento eólico depois de tê-la negado, reconhecendo a relevância da serra para a biodiversidade local.
“No entendimento do órgão ambiental, que através do Parecer Técnico n° 306/2022/NUPE-IDEMA emitiu a Licença de Instalação para o Complexo Eólico Ventos de São Ricardo, todos os impactos poderiam ser ignorados e mitigados, mesmo diante das exclusividades ambientais que poderão ser fortemente impactadas pelo empreendimento. É de se estranhar que dois anos antes desta nova decisão, o mesmo órgão concluiu que não havia viabilidade ambiental para instalação de aerogeradores na área da Serra do Feiticeiro”, destacou o Seridó Vivo em sua nota técnica.
Ainda de acordo com a organização, o licenciamento de empreendimentos eólicos na região acontecem com frequência desde 2014 e, por isso, “pesquisadores e ativistas têm atuado alertando para a relevância ambiental e cultural da área através de participação em audiência públicas, questionamentos escritos, reuniões com os órgãos ambientais, publicação de trabalhos técnico-científicos e de matérias em portais ambientais, atestando que se trata de uma área única, que precisa urgentemente ser preservada”.
Após a negativa dada pelo Idema em 2021, a empresa Ventos de São Ricardo Energias Renováveis S.A. refez os estudos na região e apresentou uma nova proposta para o complexo eólico, com uma redução no número de aerogeradores a serem instalados. No entanto, de acordo com o Seridó Vivo, a medida não é suficiente para mitigar os danos causados pela instalação do empreendimento, uma vez que a execução das obras prevê a abertura de estradas, o que causaria o desmatamento de uma grande área de caatinga, além da explosão de rochas.
“As eólicas estão chegando com força nessas áreas, e pelo menos oito quilômetros da serra, na posição sudoeste, já foram ocupados. Por isso, os órgãos ambientais precisam de mais corpo efetivo de profissionais comprometidos para realizar fiscalizações técnicas. Especialmente agora, que a sociedade civil tem estado mais presente nas ações para pressionar os órgãos, a atuação do Idema tem melhorado, mas ainda precisa avançar para compatibilizar os empreendimentos eólicos pela conservação da biodiversidade”, afirmou o biólogo Paulo Marinho.
Segundo o levantamento realizado pelos pesquisadores do Seridó Vivo, a Serra do Feiticeiro serve de refúgio para, pelo menos, 24 espécies de morcegos, incluindo uma das poucas populações conhecidas do morcego cavernícola e nectarívoro Xeronycteris Vieirai, e do morcego Furipterus horrens, ameaçado de extinção. Toda essa riqueza fez com que a Serra do Feiticeiro fosse considerada uma área vital pela Rede Latino-Americana e Caribenha para a Conservação de Morcegos (Relcom).
A área abriga ainda, pelo menos, 21 espécies de mamíferos terrestres, incluindo felinos ameaçados de extinção como o gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi), o gato-do-mato-pintado (Leopardus tigrinus) e a onça parda (Puma concolor), sendo um dos poucos locais do estado com registro deste grande predador essencial para a saúde dos ecossistemas.
Em relação às aves, a serra é o lar de aproximadamente 150 espécies, com registro de animais raros como o jacu-do-nordeste (Penelope Jacucaca), que está ameaçada de extinção. A área abriga ainda o mocó (Kerodon rupestris), um roedor considerado endêmico da caatinga e também ameaçado de extinção.
“A gente entende que as energias renováveis e alternativas, como a eólica, são importantes, mas elas não podem ser instaladas em qualquer lugar, é preciso levar em consideração as questões ambientais, ecológicas e sociais das regiões que vão receber esse tipo de empreendimento”, afirmou Paulo Marinho.
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.