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Milhares de pessoas ocuparam a praça do Carmo em Olinda no domingo (4) para pedir o fim do governo Temer e a convocação de eleições Diretas Já. Se o motivo da mobilização remetia aos ventos do passado – a redemocratização pós-ditadura militar -, a forma de organização colaborativa e sem a prevalência dos partidos acena para novos tempos.
Em comum entre os dois momentos separados por 33 anos, o engajamento dos artistas. Algumas dezenas deles passaram pelo coreto da praça nas primeiras horas da noite: Lala K., Lia de Itamaracá, Catarina Del Jah, Malícia Champion, Pife Floyd, DJ 440 e tantos outros. “Somos uma rede de sonhadores”, explica o produtor cultural Léo Antunes, 37 anos.
Segundo Léo, a organização do ato intitulado #NãoMeVenhaComIndiretas, Diretas Já contou com o empenho de cerca de 70 pessoas, entre artistas, produtores culturais, comunicadores independentes e pessoal da área técnica. A inspiração veio do evento realizado no Rio de Janeiro, na semana passada, com Caetano Veloso e Criolo e que levou milhares de pessoas para a zona sul carioca.
“Somos um grupo plural, diverso, mas que nos unimos agora para uma pauta convergente. Precisamos dar ao povo de novo o direito de escolher, de votar. Decidimos fazer um ato sustentável. Vendemos camisas (com arte cedida pelo artista plástico Raoni Assis, da Casa do Cachorro Preto) e fizemos uma Vaquinha nas redes sociais. Não aceitamos colaboração de partidos, mas não somos antipartido. Acreditamos no diálogo. Somos pró direitos e pró Diretas”, defende Léo.
Enquanto os DJs passavam o som no coreto, por volta das 16h o Grêmio Lítero Recreativo Cultural Misto Carnavalesco Eu Acho é Pouco deixava sua sede na Ribeira e tomava as ruas de Olinda seguido por uma multidão. Símbolo maior do bloco, o Dragão ostentava o Fora Temer e o Diretas Já no traje vermelho e amarelo.
No meio da multidão, destacava-se Analba Brazão. Durante todo o percurso do bloco até a praça do Carmo ela erguia um cartaz com a imagem de Mafalda (criação genial do cartunista argentino Quino) com os dizeres: “Não Vão Nos Calar!
“Agora é o momento de estarmos nas ruas. A rua é o lugar de enfrentarmos tudo o que está acontecendo na política. Temos que ir pra rua todos os dias, nas periferias, para mudar a correlação de forças”, avaliou a integrante do SOS Corpo e da Articulação das Mulheres Brasileiras (AMB).
Analba nunca pensou que depois da redemocratização precisaria voltar às ruas para defender a jovem democracia brasileira. “Nossa luta também é por eleições gerais porque este Congresso que está aí não nos representa e foi responsável pelo golpe político, mas que foi também um golpe machista, fundamentalista e patriarcal”.
Analba disse ao Marco Zero que já ergueu o cartaz até durante um vôo. “Levo ele para todo lugar”. No domingo, ela achou que viu poucos cartazes e ouviu poucos gritos de Fora Temer no percurso do Eu Acho é Pouco.
Fundado em 1976, o bloco tem uma trajetória de 40 anos de Carnaval e de engajamento político. Esteve nas ruas contra o governo militar do general João Figueiredo, a favor das Diretas Já em 1984, apoiou as conquistas sociais do governo Lula e defendeu o mandato presidencial de Dilma. Neste domingo, 4 de junho de 2017, estava de novo nas ladeiras de Olinda em defesa da democracia, contra o governo Temer e pelas Diretas Já.
Uma luta que passa de geração em geração. Ivaldevan de Araújo Calheiros, 74 anos, um dos fundadores do bloco, é prova disso. No domingo, ele seguia todo o cortejo do Eu Acho é Pouco acompanhado por três filhos e sete netos. “O Eu Acho é Pouco sempre foi coerente, um bloco de esquerda. Estamos hoje nas ruas para defender a democracia e a garantia dos direitos sociais conquistados. No Eu Acho é Pouco sempre foi assim e assim será. Nunca tivemos medo de nos posicionar”, disse o jovem senhor de cabelos brancos e camisa amarela brilhante.
Para Ivaldevan, em alguns aspectos do momento atual é pior do que na ditadura militar. “Na ditadura, eu tinha meu trabalho e era respeitado nele. Mas agora estão atacando os direitos dos trabalhadores. Está pior”. Se depender do Eu Acho é Pouco, a mobilização nas ruas só vai crescer. “Antes éramos dez que organizávamos o bloco, hoje tem mais de 100 pessoas na organização. Os nossos filhos, os filhos dos amigos. O Eu Acho é Pouco segue forte nas ruas pela democracia”, garante.
Na praça do Carmo, uma das primeiras pessoas a chegar e a, literalmente, montar barraca foi a artista plástica Salamandra, que tem atelier há 10 anos em Olinda. Ela lançava a nova coleção de roupas intitulada A Pele que Habito (título de filme do cineasta espanhol Pedro Almodóvar) e se preparava para fazer uma performance sobre o conflito entre dominador e dominado, numa abordagem feminista, contra a homofobia.
“Minhas roupas têm uma salamandra pintada porque eu me identifico com o oprimido. A relação dominador versus dominado é inerente ao ser humano, mas a gente precisa enfrentar isso e conseguir ser seres mais igualitários psicologicamente e socialmente”.
Perguntada sobre a defesa das Diretas Já, Salamandra, que é arte-educadora formada na UFPE, não tem dúvidas: “O que eu queria mesmo era a volta da Dilma. Mas se tiver eleições, voto no Lula. Não podemos esquecer a importância história do PT para o Brasil”.
A próxima mobilização de rua pró-Diretas já está marcada. Vai acontecer no domingo que vem, dia 11, no Cais da Alfândega, no Recife. Mais uma vez puxada por artistas e produtores culturais. Antes disso, nesta segunda-feira (5), será ministrada a aula pública Por Diretas Já e por Mais Direitos, na Faculdade de Direito do Recife, às 19h, em evento aberto ao público.
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República