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Moradores deixam Ocupação Marielle Franco, no Centro do Recife

Raíssa Ebrahim / 06/04/2019

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Com Maria Carolina Santos

A Ocupação Marielle Franco, no Centro Recife, foi um marco na luta pela moradia popular no centro da cidade. Foi também simbólica na participação feminina à frente dos movimentos sociais e ajudou a mudar a percepção de grupos mais sensíveis da sociedade civil e de parte da mídia tradicional, sobre as ocupações populares (que já foram por muito tempo tratadas como invasões) e sobre as razões pelas quais famílias inteiras decidem enfrentar riscos como a ameaça das desocupações violentas e reações negativas de outros grupos sociais ao ato de “violar a propriedade privada”, mesmo em nome da justiça social.

Neste sábado (6), depois de 382 dias, ela chegou ao fim. Mas não foi por ordem judicial, pelo enfraquecimento da articulação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que coordenou a ocupação, ou por desistência por parte das mulheres que comandaram todo o processo. O imóvel, localizado no  número 91 da Praça da Independência, bem no Centro do Recife, abandonado há dez anos, deixou de oferecer condições dignas e seguras às famílias que resistiram no local por mais de um ano. “É muita tristeza, mas não perdemos a luta”, assegura Edilene Correia, de 45 anos, na ocupação desde o início.

Edilene fixou na sua porta a placa de Marielle Franco. Ao lado, o caminhão com sua mudança pronto para seguir. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Edilene fixou na sua porta cartaz de Marielle Franco. Ao lado, o caminhão com sua mudança pronto para seguir. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Na madrugada do dia 20 de março do ano passado, cerca de 200 famílias iniciaram a ocupação do antigo Edifício SulAmérica. Liderada por Mulheres do MTST, a ocupação ganhou o nome de Marielle Franco, em homenagem à vereadora que havia sido brutalmente assassinada uma semana antes. Na assembleia realizada na noite da última sexta (5), restavam apenas 30 famílias entre os atuais moradores e, conjuntamente com a direção do MTST, elas decidiram deixar o prédio.

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Móveis dos andares altos desceram amarrados em corda, enquanto os ocupantes carregavam sacolas e objetos pequenos pela escadaria. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

A decisão não foi fácil. Por um ano, essas famílias puderam morar no centro da cidade, ter acesso a serviços e espaços restritos apenas a quem tem condições financeiras de morar em bairros centrais, mas viveram parte do tempo também sem água, sem esgoto, sem energia e, principalmente, sem esperança de uma solução por parte do poder público que ignora os imóveis abandonados e deteriorados no centro da cidade, mesmo com a legislação em vigor que determina a função social da propriedade. A sociedade civil, que inicialmente se mobilizou para defender a ocupação e viabilizar doações, passada a comoção, também se afastou do problema e as doações ficaram cada vez mais escassas.

Domingo na Ocupação Marielle Franco

A precariedade do edifício, abandonado desde 2008, se mostrou um grave risco à integridade dos ocupantes. Os problemas do sistema de água e esgoto, por exemplo, foram se agravando, e o custo para a manutenção ficou cada vez mais alto. Parte do primeiro andar, que abrigava o mobiliário doado para a creche, estava inundado por esgoto. O sistema de bombas, instalado por iniciativa da sociedade civil e responsável por puxar água do poço para as caixas d’água, queimava periodicamente. Sem abastecimento, as famílias precisavam carregar água para os seis andares e o projeto da cozinha comunitária ficou inviável.

Dez famílias seguiram para outra ocupação do MTST, a Carolina de Jesus, no Barro, Zona Oeste do Recife. Algumas foram para casa de familiares e outras continuam a busca por moradia digna por conta própria. O mobiliário doado ficará armazenado pelo movimento para ser utilizado posteriormente na Ocupação Carolina de Jesus. O edifício foi fechado e o portão soldado após a completa desocupação, finalizada neste sábado (6), por volta das 20h, . O clima de despedida na arrumação da mudança era de tristeza, mas também de firmeza. É necessário, se posicionaram as mulheres, honrar essa trajetória que durou pouco mais de um ano e transformou a vida e a luta por moradia.

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

A vista preferida de Rejane e as paredes desenhadas pela filha de 11 anos. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

“Aqui foi muito bom, mas agora é outro tempo. Estamos saindo com o coração despedaçado, mas sabendo que essa resistência mostrou a força da mulher. E é isso que o movimento representa: a luta, ensinando a gente a ser guerreira, a ter tranquilidade e a ser rude quando precisa. Eu me reconheci aqui, aos 45 anos de idade, e estou saindo de cabeça erguida”, diz Rejane Oliveira, esperando em meio aos sacos já fechados para descer com a mudança.

Em nota, o MTST enumera as dificuldades encontradas para a manutenção do prédio: “Dar vida a um patrimônio abandonado há tanto tempo tem seu preço. Nesse período, para manter a ocupação foram necessárias várias ações de reforma e manutenção no prédio, desde o conserto recorrente das bombas d’água, instalação de caixas d’água e um sistema de encanação por andar, reparos elétricos, recuperação da encanação dos banheiros, etc. Por um lado, essas ações acabaram sendo muito custosas, por outro, é necessário desenvolver reformas que sejam de caráter definitivo, para que se garanta moradia adequada para as famílias”.

Ocupação Marielle Franco completa 30 dias de resistência e sonhos

O fim da ocupação, no entanto, não representa o fim da luta por moradia digna para os moradores, tampouco significa que o MTST abre mão do prédio – que deve quase R$ 1,5 milhão em IPTU à Prefeitura do Recife. O Movimento quer que a prefeitura cumpra o decreto municipal 31.671/2018, que prevê a desapropriação de imóveis abandonados. Uma das exigências do decreto é justamente que o imóvel não esteja ocupado.

O MTST também vai solicitar que o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) acompanhe o caso, já alvo de inquérito civil com o objetivo de garantir o direito à moradia digna das famílias da Ocupação Marielle Franco.

Confira na íntegra a nota do MTST:

QUE OS IMÓVEIS ABANDONADOS E DEVEDORES VIREM MORADIA E TRABALHO PRA O POVO!

Nota sobre a Ocupação Marielle Franco.

O MTST Brasil vem comunicar que, após um ano de muita luta, resistência e esperança, a Ocupação Marielle Franco seguirá a luta em outro formato.

Isso porque a continuidade desse processo, diante do completo descompromisso da gestão municipal em avançar num diálogo fundamental para a cidade, exige de nós bastante responsabilidade e outras garantias. Dar vida a um patrimônio abandonado há tanto tempo tem seu preço. Nesse período, para manter a ocupação foram necessárias várias ações de reforma e manutenção no prédio, desde o conserto recorrente das bombas d’água, instalação de caixas d’água e um sistema de encanação por andar, reparos elétricos, recuperação da encanação dos banheiros, etc. Por um lado, essas ações acabaram sendo muito custosas, por outro, é necessário desenvolver reformas que sejam de caráter definitivo, para que se garanta moradia adequada para as famílias.

Neste sentido, tomamos a iniciativa de desocupar o prédio para:

· Exigir da Prefeitura da Cidade do Recife o cumprimento do Decreto nº 31.671 de 2018, que prevê a desapropriação de imóveis abandonados, sendo uma de suas exigências que o imóvel não esteja ocupado;

· Finalizar os projetos de reforma hidráulica e elétrica, captar os recursos necessários e implementar os mesmos, sem que as famílias estejam expostas a uma situação de risco;

· Que os projeto de creche, cozinha produtiva para as mulheres e outras iniciativas sejam implementados para as famílias em outros locais viabilizados pelo movimento;

· Solicitar do Ministério Público o acompanhamento do caso, mediante Inquérito Civil já aberto com o objetivo de garantir o direito à moradia das famílias da Ocupação Marielle Franco, recomendando para isso que a Prefeitura da Cidade do Recife tome também as medidas cabíveis para que isso aconteça.

Agradecemos a todas e todos apoiadores que até aqui fortaleceram esse marco da resistência no Recife, afirmando que esse é mais um passo necessário para a conquista definitiva que atingiremos.

Fé na luta, venceremos!

MTST, a luta é pra valer!

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com