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Foto: Débora Britto
Débora Britto
Maria Carolina Santos
O cenário que se desenha com o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) é desolador para os movimentos e organizações sociais. Nesta primeira semana pós-eleição, os deputados e senadores que apoiam a agenda de extrema-direita já começaram a se movimentar para tentar aprovar um pacote de leis ainda no governo Temer. A lei antiterrorismo, aprovada em 2016, teve um trecho, que foi vetado por Dilma Rousseff (PT), desenterrado em novo projeto de lei do senador Lasier Martins (PSD-RS). O trecho criminaliza os movimentos sociais.
O relator do projeto, o senador não reeleito Magno Malta (PR), cotado para integrar o próximo governo, queria votar o texto ontem (31/10) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). No entanto, o senador Lindbergh Farias (PT) solicitou a realização de audiência pública, ainda sem data definida, para debater a proposição. Na Câmara dos Deputados, o projeto Escola Sem Partido, que propõe uma série de limitações aos docentes na abordagem de assuntos ligados à sexualidade e à religião, também foi colocado em pauta.
Mas houve reação da oposição. A lei antiterrorismo será levada para audiência pública, que ainda não tem data. O Escola sem Partido teve sua votação adiada. Apesar da expectativa nebulosa, ainda não é o fim do mundo. “Agora, é preciso pensar em estratégias. Se a gente for achar que o mundo acabou, fica paralisado. E o mundo não acaba. Outro dia vem e não estamos preparados”, afirma Alessandra Nilo, da Gestos, organização que trabalha com políticas para HIV/Aids, gênero e comunicação.
“Estamos mapeando projetos de lei que estão em tramitação e afetam população indígena, meio ambiente, mulheres, LGBTs, os mais pobres. Vamos fazer um acompanhamento cotidiano desses projetos. Muita coisa foi dita, muita coisa foi ameaçada. Estamos nos mobilizando e montando estratégias para se um fato concreto ocorrer, a gente poder reagir. Não podemos ter medo”, conta Alessandra, que na próxima semana vai receber 75 ativistas de HIV/Aids em reunião no Recife para traçar um panorama de atuação.
A fala corajosa de Alessandra é necessária para o momento, mas cada grupo e organização tem seu tempo. Para alguns, é um momento de reflexão e acolhimento. “Fizemos uma reunião ontem à noite e cerca de 50 mulheres participaram. Estamos ainda muito abaladas, muita gente com medo, foi um momento de acolhida. O importante neste momento é a segurança, tanto física quanto virtual”, conta Natália Cordeiro, do Fórum de Mulheres de Pernambuco.
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) é uma das articulações nacionais que decidiu tomar tempo para analisar o cenário e então emitir uma posição sobre como deverá agir nos próximos anos.
Outros movimentos se posicionaram de pronto. Já no dia posterior à eleição, a Rede Justiça Criminal emitiu uma nota conjunta em que diz que desafiará as propostas de redução da maioridade penal, de revogação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Estatuto do Desarmamento. A nota é assinada pelo Gajop, Conectas e outras sete organizações que atuam no meio judiciário.
“Seguiremos defendendo o papel da sociedade civil na fiscalização e controle das instituições, para a consolidação de uma democracia robusta e transparente. Permaneceremos atuando em colaboração com os atores políticos e sociais que formam a rica e diversa sociedade brasileira. Tantas vezes quanto necessário, reiteraremos nosso objetivo de promover o acesso a uma justiça obediente às garantias e comprometida com a igualdade. Do presidente eleito, esperamos o respeito aos princípios e direitos estabelecidos pela Constituição Federal e reverência à natureza democrática do Estado fundado 1988”, diz trecho da nota.
Presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson está sem esperanças de que haja quaisquer avanços com o novo Congresso. A aprovação do projeto de lei João Nery, que garante o reconhecimento da identidade de gênero, é um sonho distante. A briga agora é para não ter perda de direitos. “Se o Congresso anterior já não tinha boas perspectivas para nossas pautas de vanguarda, esse, menos ainda. Apresentar qualquer proposta de legislação neste cenário que está posto e com essa composição, não adianta. Não vamos conseguir debater, tramitar esses projetos. É um período estagnado (no Congresso). Vamos caminhar pelos estados, municípios, fortalecendo as bases, continuar na luta de todo dia, porque fomos forjados nela”.
Apesar do curto tempo, Jaime Amorim, da coordenação estadual em Pernambuco e nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), apontou três grandes temas que o preocupam com relação ao governo de Bolsonaro. O primeiro é a possibilidade de “interrupção das estruturas democráticas”, seguido pela perspectiva de paralisação da reforma agrária e a intolerância com movimentos sociais, organizações de base e população LGBT.
“Se depender do discurso de Bolsonaro e do estilo que ele adotou na campanha o que mais corre perigo é o Estado Democrático de Direito”, afirmou Amorim, completando que “a própria reforma agrária vai perder porque até hoje foi feito muito pouco. Não vai se desapropriar mais terra, vai parar. Mas ele tem que saber que na medida que vai retirando direito de professores, da saúde, vai haver reação da sociedade. Nós vamos continuar lutando pela reforma agrária”, garantiu.
Organizações e pessoas que lutam por direitos também estão sujeitos à perseguição – em entrevista, Bolsonaro chegou a declarar que acabaria com “todos os ativismos” – mas essa é uma condição que o MST tem experiência, lembra o dirigente, e por isso não se deixa abater. Segundo Amorim, na década de 80, quando o movimento sofreu com a repressão e a imprensa chamava as ocupações de invasões “o MST legitimou o modo de luta”. “Vamos mostrar para a sociedade que o MST não é só ocupação, é produção, alimentação saudável. Somos os que mais produzimos arroz orgânico no mundo”, defendeu.
Nesta semana, o Senado abriu em seu site uma consulta pública sobre uma “ideia legislativa” (instrumento de participação de cidadãos, que podem propor alterações em legislações para o Senado debater) que pretende “criminalizar o MST, MTST e outros movimentos ditos sociais que invadem propriedades”. A proposição deseja definir como terrorismo as práticas dos movimentos e já tem mais de 500 mil votos, entre defensores e opositores. Com mais de 20 mil votos, a sugestão é encaminhada para debate no Senado.
Jaime Amorim classificou a sugestão como “antidemocrática”, uma vez que vai de encontro ao que prevê a Constituição Federal. “Você não pode criminalizar a luta de trabalhadores por direitos. Espero que a sociedade não chegue a aceitar um projeto desse porte, que inviabiliza pessoas de lutarem. Hoje é contra o movimento, amanhã é contra o sindicato, depois vai evoluindo até se concluir processo ditatorial no Brasil. Mas nós vamos resistir e legitimar cada vez mais a luta”.
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