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Mulheres do bairro de Passarinho lutam por serviços públicos para a comunidade

Mariama Correia / 05/12/2019

Passarinho é um dos tantos bairros do Recife invisíveis para o poder público. Os  mais de 20 mil habitantes são desassistidos por serviços básicos, de dever do Estado, como saúde e educação. É um lugar completamente esquecido pelos políticos, que só costumam aparecer por lá em ano eleitoral.

A comunidade é predominantemente de baixa renda. Ela ocupa aproximadamente 400 hectares, até os limites dos municípios de Paulista e de Olinda. A maioria da população é de mulheres (50,98%). Elas também são as responsáveis (ou seja, as provedoras) de 41,3% dos domicílios.

Desde da ocupação da área, loteada para famílias vindas do Morro da Conceição nos anos 80, a história que as mulheres de Passarinho contam é sempre a mesma: descaso. Há tensões territoriais não resolvidas e uma lacuna imensa de políticas públicas para a população. Faltam saneamento básico, ruas calçadas, equipamentos de lazer, oportunidades de geração de renda e transporte público de qualidade, porque são poucas linhas de ônibus que servem a área. Nem pagando mais caro os moradores conseguem alternativas, já que aplicativos como Uber não atendem por lá.

Os problemas antigos se somam aos mais recentes. Há pelo menos três meses, o abastecimento de água começou a acontecer apenas uma vez por semana.“Comprei duas caixas d’água porque já chegou a faltar por 15 dias”, conta Enilda Francisca Ferreira, dona de casa. “Dez pessoas moram comigo. Seis são meus netos. Quando falta água é um deus nos acuda!”, reclama Marina José dos Santos, aposentada.

Vítima de paralisia infantil, a dona de casa Joelma Faustino se locomove com dificuldade. Ela mora em uma das ruas mais altas do território – que é cheio de áreas de morro, onde várias pessoas morreram por deslizamentos no período chuvoso no ano passado, mas nenhuma obra preventiva está sendo feita pela prefeitura para impedir novas tragédias este ano.

A falta de água da rua de Joelma é constante. É  impossível para ela descer o morro para apanhar botijões. “Fico dependendo da ajuda de amigos”, conta. A Compesa (Companhia Pernambucana de Saneamento) não informou os motivos do desabastecimento, embora já tenha sido alertada pelos moradores diversas vezes.

Sem educação 

Enilda, Marina e Joelma fazem parte do Espaço Mulher, um local que promove atividades voltadas ao público feminino no bairro de Passarinho. Aproximadamente 30 moradoras participam do grupo, que é fruto da resistência das mulheres negras da comunidade. Há quatro anos elas organizam um evento chamado Ocupe Passarinho, onde denunciam os problemas que afligem à população.

Uma das questões é que o bairro não tem sequer uma creche. Esse serviço é reivindicado há anos. Aproximadamente 150 crianças de zero a três anos aguardam pelos atendimentos. “As mulheres são as principais prejudicadas porque as mães não têm onde deixar os filhos para trabalhar”, explica Edicleia Santos, coordenadora do Espaço Mulher. Ela diz que a desassistência impacta o rendimento médio das famílias e até a autoestima das mulheres.

Além da falta da creche, a escola municipal Marluce Santiago da Silva, em funcionamento no território, atende apenas 400 crianças até a 4° série. Ou seja, o restante dos estudantes precisa se deslocar para bairros vizinhos, como Beberibe. As vagas ofertadas pela unidade local também não dão conta da demanda atual.

Recentemente a prefeitura do Recife construiu um anexo para ampliar a capacidade da escola, mas o espaço ainda não está sendo utilizado, de acordo com os moradores. A secretaria de Educação do Recife não explicou os motivos, nem respondeu nossos questionamentos sobre a falta de uma creche.

“No ano passado matricularam apenas nove crianças novatas. Este ano, abriram 120 vagas, mas como priorizam os que já são alunos, sobram poucas para novos estudantes”, diz Edicleia. “Entra governo e sai governo, os problemas não se resolvem”, desabafa.

Faltam médicos no posto de saúde

Os dois postos de saúde que atendem os moradores do bairro estão sem médicos. Atualmente o único médico do bairro é um clínico geral que atende 12 pacientes por semana no Espaço Mulher, segundo as moradoras. Isso por iniciativa do próprio grupo feminino. Essa lacuna no serviço está prejudicando a mãe da estudante Cecília Maria, que era atendida no posto. Ela tem diabetes e deficiência visual.

“Atrapalhou ainda mais o que já estava ruim, porque minha mãe tem dificuldade de locomoção e, mesmo quando tinha médico no posto, eles se negavam a atender ela em casa quando ela precisava”, conta.

A secretaria de Saúde do Recife informou que o médico da Unidade de Saúde da Família (USF) Passarinho Baixo pediu transferência há um mês. “Enquanto um novo profissional não é lotado na unidade, os pacientes que precisam de atendimento médico estão sendo encaminhados para a Policlínica Clementino Fraga”. Essa unidade fica em outro bairro, no Vasco da Gama. Contrariando a fala dos moradores, a secretaria assegurou que o médico da USF de Passarinho Baixo está atendendo normalmente. A pasta informou por nota que,” ainda este ano, será lançado o edital para um concurso público que permitirá a contratação de novos médicos e enfermeiros para reforçar o atendimento na rede de saúde”, mas não cravou a data. Já estamos em dezembro.

Conflitos territoriais

O bairro de Passarinho também abriga duas ocupações. Uma delas é a Vila Esperança, onde vivem aproximadamente cinco mil famílias, sob a constante ameaça. Em 2014, uma liminar judicial, favorável à empresa Nordeste Pré-Moldados, que seria dona do terreno, determinou a retirada das famílias.

A liminar foi derrubada depois de mobilização da comunidade. “Mas o processo não foi concluído, isso deixa todos preocupados”, revela a coordenadora do Espaço Mulher, Edicleia. A ocupação mais recente é a da Vila Bom Jesus, que começou há dois anos. Atualmente 38 famílias vivem no terreno, em permanente disputa. “Apareceu uma pessoa dizendo que era dona, que a área pertencia ao município de Paulista. Mas nós provamos que a localização é Recife”, conta Tatiane Santos, moradora.Ela tem três filhas e está desempregada. O esposo vive de bicos.

Enquanto as disputas correm na Justiça, os moradores das ocupações sobrevivem em condições ainda piores das que são vistas nas áreas já regularizadas do bairro. “Não temos nada. Saneamento, água, ruas asfaltadas. A maioria dos moradores está desempregada”, revela Tatiana.

De fato, as oportunidades de empregos e geração de renda na comunidade são escassas, não apenas para os moradores das ocupações. As mulheres de Passarinho reclamam que existem várias fábricas instaladas no território, mas os moradores não são contratados. “Faltam políticas focadas na geração de emprego e renda. Os moradores daqui, jovens, mulheres, não têm oportunidades”, reclama Edicleia.

#OcupePassarinho 

Neste sábado (7), as mulheres de Passarinho cobram melhorias para o bairro. A programação do Ocupe Passarinho começa às 9h na sede do Grupo Espaço Mulher, que fica na rua Jandáia, número 5, e na praça do antigo terminal do micro-ônibus de Passarinho. Há apresentações culturais e palestras. A ação tem o apoio da Casa da Mulher do Nordeste, Fórum de Mulheres de Pernambuco, a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Núcleo Jurema – UFRPE, NEPPAG – UFPE, Fase, Movimenta Cineclubes e Org. Popular, Bora, e apoio da OAK Foundation.

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).