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No ano de 2015, cinco anos antes da pandemia da covid-19, portanto, o governo brasileiro decretou estado de emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) por causa do aumento no número de nascimentos de pessoas com microcefalia, consequência da infecção de gestantes pelo vírus Zika. Uma década depois, um estudo revela que as mulheres alteraram seus planos de gravidez em razão do medo e insegurança causados pelas duas crises sanitárias em sequência, a epidemia do Zika e a pandemia.
Realizado desde 2019, o estudo internacional Decode Zika and Covid (traduzido para Decodificando Zika e Covid) revelou que, entre 2020 e 2021, 32% das 4 mil mulheres que participaram da pesquisa afirmaram ter desistido de engravidar por causa da covid-19. O acesso aos serviços de saúde é apontado como uma das causas dessa escolha: 36% das mulheres enfrentam dificuldades para buscar atendimento médico, número que sobe para 44% entre as mulheres negras.
A pesquisa identificou ainda que mulheres que haviam sido afetadas pela epidemia de Zika demonstraram maior propensão a buscar métodos contraceptivos definitivos durante a pandemia, como a laqueadura. Além dos impactos diretos na saúde, o estudo investiga também como fatores sociais e emocionais — como medo, insegurança e perda de renda — influenciaram nas decisões das mulheres.
O estudo longitudinal é um estudo de painel, em que uma equipe acompanha o mesmo grupo de mulheres durante um período de tempo determinado. A pesquisa “Decode Zika and Covid” selecionou 4 mil mulheres que são entrevistadas todos os anos, desde 2019, para tentar identificar quais são os impactos das crises de saúde pública sobre os comportamentos reprodutivos, e as perspectivas, opiniões e percepções das mulheres com relação à reprodução após a epidemia da Zika e a pandemia da covid-19, e também outras arboviroses.
O método de escolha das participantes foi realizado a partir da faixa etária desejada pelas pesquisadoras, que iniciou com 18 anos, e com uma discagem digital aleatória, onde as mulheres foram sorteadas por uma lista telefônica. Através dos dados censitários do IBGE as pesquisadoras selecionaram os domicílios nos territórios que integram a pesquisa.
“Essas crises de saúde têm um impacto enorme na vida das mulheres. Seja pelo aumento do trabalho de cuidado dentro de casa, tanto dos cuidados domésticos como dos cuidados com outros membros da família, e produz impacto sobre a sua vida profissional e laboral. Muitas mulheres precisaram deixar de trabalhar ou foram demitidas, ou precisaram acumular trabalhos e entraram no sistema do trabalho precário para poder conseguir sustentar as famílias. Por isso, as epidemias e pandemias têm o efeito de desorganização familiar, especialmente a pandemia de covid, por conta do longo tempo de quarentena e dessa convivência forçada entre todos os membros da família”, afirmou Ana Paula Portella, coordenadora da pesquisa no Brasil e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Políticas Públicas de Segurança da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Entre 2015 e 2017, a epidemia de Zika resultou em mais de 3 mil casos de síndrome congênita associada ao vírus, segundo dados do Ministério da Saúde. Atualmente, aproximadamente 1.500 famílias ainda enfrentam as consequências dessa condição, muitas vezes sem o apoio necessário do Estado. Pouco tempo depois, em 2020, a covid-19 trouxe novos obstáculos, como restrições nos partos, riscos elevados de contágio durante a gestação e dificuldades no acesso a serviços essenciais, impactos sentidos de forma ainda mais dura por mulheres negras e de baixa renda.
De acordo com as pesquisadoras que integram a equipe, o Decode Zika and Covid é o maior estudo longitudinal já feito com mulheres no Brasil e na América Latina. Atualmente na fase 4, o levantamento é coordenado pela demógrafa Letícia Marteleto, da Universidade da Pensilvânia, em parceria com instituições brasileiras como UFPE, UFMG e Unicamp. Em Pernambuco, a pesquisa acontece na Região Metropolitana do Recife – com entrevistas presenciais – , na Zona da Mata e no Agreste – com entrevistas realizadas por ligação.
Para Letícia Marteleto, coordenadora geral da pesquisa, o estudo vai além das fronteiras do Brasil. “Embora nosso foco seja Pernambuco, o que estamos descobrindo ressoa com as experiências de mulheres em outros países. Com os cientistas prevendo uma ‘era de pandemias’, nosso trabalho será cada vez mais relevante nos próximos anos”, afirma.
O projeto, financiado pelo Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano Eunice Kennedy Shriver (NICHD), dos Estados Unidos, seguirá até 2029.
Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.