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Crédito: Secom/Governo de PE
Gênero, raça e classe: não se constrói política pública sem levar em consideração esses três fatores, muito menos sem diálogo. Enquanto uma mulher é vítima de feminicídio a cada seis horas no Brasil, como mostrou levantamento do Monitor da Violência, do G1, e oito foram assassinadas no Estado somente durante o Carnaval, segundo notícias na imprensa, o movimento de mulheres em Pernambuco tem pressionado a governadora Raquel Lyra (PSDB), primeira mulher eleita para o cargo, e sua vice, Priscila Krause (Cidadania), por mais efetividade, abertura e ações que levem em consideração as desigualdades entre as mulheres.
Nestes primeiros 65 dias de gestão, sem diálogo nem presença de representantes do movimento feminista, segundo lideranças das organizações de mulheres, Raquel fez poucas entregas e muitas promessas quando o assunto é enfrentamento à violência de gênero. De acordo com a Secretaria de Defesa Social (SDS-PE), 120 mulheres foram agredidas por dia em 2022 no estado e 72 foram vítimas de feminicídio ao longo do ano passado.
Questionado pela Marco Zero, o governo, através da Secretaria da Mulher e da SDS, informou sobre as implementações e os projetos que estão sendo gestados para combater feminicídios e transfeminicídios em Pernambuco (confira mais abaixo a lista). Chama a atenção o fato de não haver qualquer menção sobre ações que abordem as desigualdades entre mulheres. “Não se fala de mulheres negras, indígenas, trans, trabalhadoras e com deficiência. É como se as mulheres, mais de 50% da população, fossem uma massa amorfa”, critica a socióloga Carmen Silva, que constrói o SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, é militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco (FMPE) e da Plataforma dos Movimentos Sociais por um Outro Sistema Político.
“É preciso ter metas diferenciadas para mulheres brancas e mulheres negras”, crava a integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco Mônica Oliveira. A política de gênero precisa incorporar a dimensão antirracista. Na avaliação dela, por mais que os gestores públicos reconheçam que gênero e raça são fatores estruturantes de desigualdades, isso não está incorporado nos processos de elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas.
“Se a gente já sabe que as mulheres negras enfrentam mais dificuldades em diferentes áreas por serem negras, é preciso que as políticas públicas considerem isso”, defende Mônica. Para ela, uma das alternativas é adotar medidas e metas diferenciadas entre as mulheres, para avançar no sentido de atravessar esse fosso.
Além disso, são promessas sem qualquer detalhamento sobre como irão funcionar, quando e como esses projetos serão implementados, quanto dinheiro será investido, quem serão as pessoas envolvidas e que tipo de parcerias serão construídas, alerta a cientista política Natália Cordeiro, educadora do SOS Corpo e também militante do FMPE. Isso porque, até agora, Raquel e Priscila não publicaram para a sociedade um plano de enfrentamento aos feminicídios e transfeminicídios.
“As promessas não estão em nenhum documento, não se sabe com base em que foram criadas e em quais diretrizes e normativas isso será implementado. Então nós não temos referência para avaliar o processo”, rebate. Na avaliação de Natália, dizer que haverá, como disse a nota enviada à reportagem, “fortalecimento e integração das secretarias”, “ampliação das instituições que acolhem mulheres” e “oferta de educação e qualificação profissional” são informações evasivas em frases genéricas.
Até agora, a governadora tucana anunciou, no último fim de semana, o funcionamento de cinco Delegacias da Mulher no estado em regime de 24 horas por dia, sete dias por semana – são elas: Olinda, Paulista, Jaboatão dos Guararapes, Caruaru e Petrolina. Recife era a única que, até então, funcionava dessa forma. E lançou, nesta terça-feira (7), o programa Cuida PE Mulher, para reduzir o tempo de espera por consultas especializadas, procedimentos cirúrgicos e preventivos.
A notícia sobre as delegacias é muito boa, mas, pontua Carmen Silva, “é o mínimo e está longe de atender a necessidade”, lembrando que a demanda é por novas unidades especializadas, mas também por atendimento especializado nas delegacias comuns.“São promessas que já vêm sendo feitas desde o governo anterior e, até agora, as realizações seguem pífias”, avalia. Ela se refere às promessas de um governo que conquistou votos dos bolsonaristas e está articulado com o fundamentalismo religioso: “não há indicativos de que esse governo se comprometa com a autonomia das mulheres, pelo contrário”.
“A morte das mulheres é o ponto culminante de um ciclo de violência que nós, mulheres, vivenciamos a vida toda. O movimento feminista tem reivindicado uma rede de políticas públicas integradas para ter forte impacto em todo o ciclo, e não apenas no seu final”, explica Carmen.
Confira a lista de promessas do Governo Raquel para enfrentamento á violência de gênero:
– Ampliação das Patrulhas Estaduais Maria da Penha nas Guardas Municipais;
– Reestruturação das Delegacias da Mulher e criação de novas delegacias;
– Capacitação dos policiais civis e militares e demais funcionários da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres;
– Ampliação das instituições que acolhem mulheres com risco de morte, criação em parceria com municípios de casas de passagens;
– Oferta de educação e qualificação profissional;
– Reforço da Patrulha Estadual Maria da Penha (viaturas que visitam as mulheres sob ameaça);
– Reforço do Programa de Monitoramento Eletrônico (tornozeleira eletrônica colocada nos agressores e GPS que fica com as mulheres para manter a distância do agressor);
– Reforço do 190 Mulher;
– Reforço das quatro Casas Abrigo, que mantém mulheres e filhos que estão sob risco de morte;
– 60 projetos de qualificação e formação de mulheres através do chamamento público que classificou 60 organizações sociais com recursos da ordem de R$ 3 milhões;
– Criação do Projeto Mãe na Escola;
– Fomentar e apoiar a estruturação e funcionamento dos organismos de políticas para as mulheres nos municípios, além de projetos de formação nos níveis estadual e municipal.
Em cinco dias de Carnaval, oito mulheres foram assassinadas em Pernambuco, de acordo com notícias publicadas pela imprensa local. Entre a sexta-feira (17) e a quarta-feira de Cinzas (22), Hosana Mirian Pedrosa dos Santos, Ivanice Maria da Silva, Adriana Karla Monteiro, Rute Vitória Cunha Lima, Viviane Maria do Nascimento, Maria Eduarda Conceição, Karina José de Oliveira e outra mulher não identificada foram mortas, a maioria por arma de fogo. O levantamento é do Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop), que monitora os índices de criminalidade e constrói um banco de dados próprio.
A polícia já tem essas informações, assim como recortes de idade, raça e local, por exemplo, e detalhes dos crimes. Porém, a população só saberá se todos esses casos foram de feminicídio no próximo dia 15, mais de 20 dias após o término das festividades, quando o Governo do Estado publica os dados da criminalidade. A falta de pronunciamento da governadora Raquel Lyra após os festejos carnavalescos rendeu críticas.
Há alguns anos, é assim. A gestão estadual só publica os dados consolidados da criminalidade no dia 15 de cada mês. Antes de 2017, a divulgação era quase diária. “Mas Raquel teve tempo de mudar isso, de disponibilizar esses dados de uma maneira mais rápida. Havia um compromisso com a transparência. Então cadê essa transparência?”, indaga a coordenadora executiva do Gajop e representante da Rede de Observatórios da Segurança em Pernambuco, Edna Jatobá. “A divulgação está dentro do prazo estabelecido pelo governo, mas, para nós, sempre foi inaceitável que a Secretaria de Defesa Social demorasse tanto para divulgar informações que eles têm com uma sistematização e um corpo de excelência na gerência de análise criminal e estatística”, argumenta.
“Foi um Carnaval muito sangrento para as mulheres, segundo a imprensa. O governo deveria se posicionar prontamente dizendo o que aconteceu e publicando um balanço da violência contra a mulher, mostrando esses dados de maneira transparente. Não vimos nenhuma iniciativa nesse sentido”, relembra.
A deputada estadual Dani Portela (PSOL), líder da oposição na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), solicitou, no dia 23 de fevereiro, à SDS-PE a divulgação dos números de feminicídios cometidos durante a folia. Mas, até o momento, não obteve retorno. “Ainda pedimos no ofício que sejam indicados os dados de raça, idade, município, orientação sexual, identidade de gênero e deficiência das mulheres vítimas de violência. Precisamos de um estado que saiba lidar de maneira rápida e eficiente com as violências diárias que nós mulheres sofremos”, publicou Dani nas redes socais.
À Marco Zero, neste dia 8 de Março, a parlamentar reconheceu que há o desejo da governadora em atuar segundo os destaques das promessas de campanha e do seu programa de governo, para que as mulheres sejam sujeitos prioritários na formulação de políticas públicas e ações. “Mas ao procurarmos o pronunciamento oficial da Secretaria de Defesa Social, o informado é que apenas na quinzena de março é que ocorrerá a divulgação oficial dos números de ocorrências policiais do período”.
Sobre o funcionamento de seis Delegacias da Mulher no regime 24 por 7, Dani diz que Raquel “está de parabéns pela iniciativa”. “No entanto, não são todas elas. No decreto publicado no dia 4 de março, a determinação é de que passem a funcionar em plantão um terço do total de delegacias especializadas”, destaca, cobrando também um atendimento com humanidade e sem julgamento, princípios fundamentais para assegurar o acesso ao direito de prestar queixa e buscar por justiça.
“A governadora tem o desafio de garantir às mulheres de Pernambuco um estado que de fato defenda as suas vidas. Para enfrentar essa problemática, é preciso investir em geração de emprego e renda que dê autonomia econômica para que muitas consigam sair dos ciclos de violência”, frisa Dani.
A deputada lembra ainda os cortes de 90% no orçamento do Governo Bolsonaro para ações de enfrentamento à violência de gênero do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, o que se refletiu no aumento dos índices de violência doméstica, sexual e de feminicídios.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com