Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Na linha de frente da prevenção ao coronavírus, equipes de saúde indígena temem ficar sem EPIs

Débora Britto / 24/04/2020

Território do Povo Indígena Pankararu. Foto: Bia Pankararu

Após a confirmação do primeiro indígena contaminado pela Covid-19 em Pernambuco, na terça-feira (21), a preocupação dos povos indígenas, que já estavam alarmados e tomando medidas de prevenção, aumentou significativamente. A lembrança de doenças que dizimaram etnias e foram usadas como arma contra os povos originários ainda está viva na memória dos indígenas brasileiros, que pedem urgentemente ações não só do Governo Federal, mas também de municípios e do Governo do Estado.

Para quem está na linha de frente, o temor é ainda maior. É o caso das equipes de saúde indígena, responsáveis por realizar o acompanhamento clínico nos territórios. Por um lado, há a necessidade mínima de equipamentos de proteção para evitar possível contaminação de profissionais e, também, o temor por talvez serem agentes de transmissão.

A disponibilidade de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) poderia dar mais segurança para as equipes durante o trabalho. Não é o caso. “Eu recebi três máscaras, usei hoje para vacinar 235 pessoas e amanhã não tenho mais, porque temos que trocar de duas em duas horas. Está muito escasso, sendo contado aos dedos. Estamos fazendo no modelo do que tem, como dá, o que pode, o que consegue”, relata a agente de saúde indígena Bia Pankararu.

O fator da saúde mental tem pesado para todos, ainda mais quando se depende de um ente tão distante como a União. “É muito difícil você estar na linha de frente totalmente no escuro. A gente tem as orientações que são dadas a todo mundo, mas a gente não tem suporte, não tem transparência, não tem equipamento suficiente, nem estrutura hospitalar. Nós temos quase 7 mil pessoas aldeadas, se der um surto aqui dentro a gente não tem ideia de como vai ser. Já tem um clima na equipe de como é que vamos sair para cuidar se a gente não está conseguindo se cuidar também?”, questiona, angustiada.

Em Pernambuco, o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) é responsável por 30 mil indígenas, distribuídos em 18 cidades e 14 pólos base. Para dar conta dessa população, 23 equipes de saúde indígena estão, neste momento, realizando atividades de prevenção, orientação e acompanhamento dos grupos de risco da Covid-19.

A única fonte de recurso do DSEI vem da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde. É também a única via de obtenção de EPIs, fundamentais para a proteção dos profissionais de saúde.

Risco de faltar EPIs

De acordo com Antônio Fernando da Silva, coordenador do DSEI, no entanto, há um estoque de materiais usados no dia a dia, como luvas e máscaras, para dois meses. “A crise ainda não chegou no ápice e ainda vamos ter que buscar mais subsídios para fornecer esses materiais”, explica.

Ainda segundo Antonio, atualmente há dois problemas com relação aos EPIs: falta fornecedor no mercado e aconteceu um aumento abusivo de preços. As duas questões têm dificultado que o próprio DSEI realize compra dos equipamentos com o fundo de emergência. “Não só não encontramos fornecedor, mas há o aumento absurdo dos preços. O aumento dos insumos vem prejudicando e muito. Quando a gente consegue a um preço exorbitante, ainda fica à mercê do fornecedor. Existe essa incerteza do mercado”, conta.

A solução para isso tem sido a realização de parcerias com universidades e a articulação com o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira -IMIP, que administra os recursos da Sesai para o DSEI, na compra de EPIs.

“É um desabastecimento geral que está afetando todas as unidades de saúde. Estamos vivendo um momento de racionamento sim, mas ainda se tem o mínimo principalmente para quem está na linha de frente. Mas corre o risco de desabastecer”, analisa Carmem Pankararu, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Saúde indígena (Sindicopsi).

O Sindicato endereçou um ofício ao IMIP, responsável pela gestão do DSEI em Pernambuco, para garantir a disponibilização de equipamentos de proteção individual – EPIs às Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena.

Até o momento, via Ministério da Saúde, chegaram algumas caixas de equipamentos. Não houve uma remessa substancial para o Estado. Um comitê foi formado pelo DSEI com participação do Sindicato, trabalhadores e indígenas para acompanhamento da situação em Pernambuco. De acordo com Antonio, foi feito o convite para o Governo do Estado participar, uma vez que é uma demanda o apoio aos povos indígenas pernambucanos. “É importante que os municípios e o estado, em especial o estado, assuma sua responsabilidade com a saúde indígena. O índio não é só da Sesai, ele é cidadão, deve ser respeitado em sua especificidade e sua cidadania. Tem que incluir os indígenas nos planos do estado e dos municípios”, alerta o coordenador do DSEI.

Primeiros casos confirmados

Apesar da confirmação do primeiro caso de contaminação pela Covid-19 de um indígena pernambucano, da etnia Pankararu, deixar ainda mais alarmada e ansiosa a comunidade, esse caso especificamente foi tratado com as medidas de segurança recomendadas por órgãos de saúde. Fagner Luciano, que é enfermeiro Pankararu e trabalha não no território indígena, mas no hospital Ruy Barbosa, em Arcoverde, ficou em isolamento desde que apresentou os primeiros sintomas e não foi à aldeia desde então.

Lideranças Pankararu chamaram atenção para não provocar pânico na população, mas alertar para os cuidados necessários à prevenção. O caso de Luciano não chegou a ser considerado grave e, neste momento, encontra-se em recuperação da Covid-19.

Carmem Pankararu, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Saúde indígena (Sindicopsi), que é da mesma comunidade de origem de Luciano, afirma que o caso aumentou, sim, a preocupação dos indígenas. “A informação caiu para a gente de forma muito preocupante, mas ele sendo uma pessoa extremamente consciente, deu o tempo para isolamento, hoje já está no processo de recuperação, e não ameaçou a aldeia”.

O segundo caso, de acordo com boletim da Apoinme (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), seria de um indígena Atikum, do município Carnaubeira da Penha, no sertão pernambucano. Em nota publicada no De Olho dos Ruralistas, a Apoinme afirma: “O segundo caso foi informado hoje, dia 20, pela Secretaria de Saúde de Carnaubeira da Penha-PE, que afirmou que nessa manhã saiu o resultado positivo de um indígena Atikum, da aldeia Serra Umã. Esse indígena já vinha com os sintomas há mais ou menos 10 dias, fez o exame na última quinta feira e hoje saiu o resultado dele. O indígena se encontra no momento sendo monitorado em sua casa na aldeia”.

No entanto, o Boletim Epidemiológico da SESAI, atualizado pela última vez em 22/04/2020, apresenta apenas a confirmação de um caso para Pernambuco. Há um caso suspeito e dois descartados.

Isolamento comprometido

Após os primeiros casos em Pernambuco, diversas etnias fecharam os acessos aos territórios indígenas para evitar amentrada de pessoas de fora, com o objetivo de proteger os indígenas.

No entanto, após um mês de isolamento e com a oficialização do auxílio emergencial, a necessidade de compras de alimentos e insumos tem motivado o deslocamento de mais pessoas. Ou seja, o enfraquecimento do isolamento social.

“Embora muitas aldeias tenham tomado a decisão de colocar barreiras ainda tem casos que não se consegue bloquear todas as entradas. Dentro das aldeias não existe toda estrutura para que eles não saiam. Todas as estruturas públicas de assistência estão fora. Então ampliou muito mais a vulnerabilidade. Com a chegada do auxilio emergencial todos se desesperaram para ir buscar. É um risco justificado que se corre pela necessidade de sobrevivência”, alerta Carmem Pankararu.

Território Pankararu. Foto: Bia Pankararu

Outro fator de risco, de acordo com Carmem, é a volta para as aldeias de indígenas que viviam em outras cidades ou estados. “São pessoas da aldeia que fazem trabalho fora, sazonais, e que foram demitidas. Eles estão voltando para a aldeia. Isso aumentou muito o perigo. Essas pessoas acabaram de sair de centros urbanos que são epicentros da doença”, conta.

No território Pankararu, de acordo com a agente de saúde Bia Pankararu, o que a equipe de saúde tem feito com relação à volta dessas pessoas é preencher formulários das pessoas que retornaram, notificar a importância do isolamento e realizar um acompanhamento. “Estamos em diálogo com a vigilância sanitária dos municípios, principalmente de Jatobá, mas na prática tem gente chegando e sem se apresentar”, alerta.

A necessidade de restringir o acesso e acompanhar os fluxos de entrada e saída dos territórios indígenas já esbarra na capacidade material que os povos dispõem. “Nossas equipes estão fazendo barreiras nas entradas das aldeias para diminuir o fluxo, mas precisam de proteção, de equipamento. Precisa de incentivo do Governo do Estado, de articulação para resolver o abastecimento de água, pois nem todas as aldeias têm acesso à água. Precisa que o governo estadual tenha o olhar para botar alimento na mesa dessas pessoas também”, argumenta Carmem.

No dia 1 de abril, a Articulação Brasileira de Povos Indígenas (APIB) endereçou um ofício ao governador Paulo Câmara solicitando a intervenção e atuação conjunta do Governo de Pernambuco na proteção dos povos indígenas. Entre os pedidos, há também a necessidade do estado e municípios incluírem a população indígena nos planos de emergência do coronavírus. O documento ainda solicita apoio no fornecimento de EPIs, distribuição de testes rápidos e garantia de medicamentos específicos para os grupos de risco. A tentativa de diálogo, até o momento, não teve uma resposta oficial.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.