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Nova orla de Jaboatão ameaça engorda que resolveu efeitos da erosão, avisam especialistas

Maria Carolina Santos / 28/07/2021

Imagem de projeção da nova orla de Jaboatão dos Guararapes

O apresentador Ronan Tardin passeia pela praia de Candeias e pergunta aos transeuntes o que falta ali. Um calçadão, iluminação de led, academia, um parque, dizem. “E se eu te disser que vai ter tudo isso e muito mais?”, diz Tardin, que apresenta para os entrevistados um vídeo narrado por ele próprio com ares de corretor imobiliário. “Vem aí um novo padrão”, afirma. Além do que os figurantes do vídeo pedem, o vídeo anuncia ainda o plantio de 400 coqueiros, uma ciclovia, área para eventos e “muito mais”. Ele chama para um site, feito somente para o projeto: a nova orla de Jaboatão dos Guararapes.

Acontece, que, segundo especialistas, essa nova orla pode botar a perder toda a imensa e bem-sucedida obra de engorda das praias do município, que custou R$ 41,5 milhões e foi concluída em 2013, após quase um ano de trabalhos. Além disso, há um receio de que comprometa a desova de tartarugas marinhas que acontece em pontos das praias de Candeias e Barra de Jangada.

Anunciada com pompa e circunstância no começo do mês, com a presença do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), o projeto é ousado: quer liga Barra de Jangada a Boa Viagem, contemplando todos os oito quilômetros de praias do município, e será dividido em três etapas, ao custo total que ultrapassa os R$ 20 milhões. Esta primeira fase, com 2,5 quilômetros que vai da unidade do Serviço Social do Comércio (Sesc) em Candeias até a igrejinha de Piedade, será viabilizada por um contrato de R$ 6 milhões com a ECAM Terraplanagem e Pavimentação Ltda. E as obras já começaram. Ainda serão abertas licitações para os outros dois trechos.

A verba para a obra vem de emendas parlamentares. No site indicado pela prefeitura para mais informações, não consta o projeto, nem as ações de mitigação (que são o plantio dos 400 coqueiros), tampouco dá prazos. Há, apenas, imagens e vídeos de projeções da nova orla, no meio da praia.

Para o oceanógrafo e doutor em Engenharia Ambiental Rodrigo Barletta, a obra é uma temeridade. “Qualquer coisa construída em cima de areia engordada não é uma boa ideia. Se esse calçadão fosse construído apenas em área pavimentada, já existente, tudo bem. Mas colocar mais concreto em cima de uma obra de engordamento de praia é construir algo fixo sobre algo que se mexe. A tendência disso é ter problemas”, diz Barletta, que trabalhava na Coastal Planning & Engineering, consultoria contratada pelo Governo do Estado e que, em 2011, fez um relatório desaconselhando construções na praia.

O especialista diz que nada mudou de lá pra cá. “O nível dos mares está subindo no mundo inteiro e não é diferente no Brasil. Se o mar sobe, avança em direção a orla. A erosão costeira que é evidenciada em Jaboatão dos Guararapes já é um reflexo da urbanização em direção ao mar. Ao mesmo tempo, o mar segue avançando, é uma realidade hoje em dia. Tecnicamente, não recomendo nenhum tipo de construção sobre areia engordada. Ainda mais porque está chegando a época de uma manutenção dessa engorda. O relatório de 2011 diz a mesma coisa, continua válido”, afirma.

CPRH desmente secretário municipal

O Secretário de Gestão Urbana e Meio Ambiente de Jaboatão, Sidney Aires, afirma que a nova orla não será construída em cima da área de engorda. “É junto aos prédios, em lugar de terra batida, onde já se passava até carro e proibimos”, afirmou, em entrevista à Marco Zero. Ele também citou que uma consultoria ambiental foi contratada para fazer um estudo e que a obra recebeu licenciamentos da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) e da Superintendência do Patrimônio da União em Pernambuco (SPU-PE).

Há dois pontos que podem ser contestados na fala do secretário. O primeiro é de que, em alguns trechos da orla, a água do mar já chegava na altura dos prédios. Ou seja, o que existe hoje é tudo área de engorda.

Avanço do mar sobre prédios em Piedade antes da obra de engorda. Crédito: MPF

O Professor de morfodinâmica e geologia costeira no curso de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Pedro de Souza Pereira, ressalta o trecho da curva do S, que estava bem avariado antes da engorda: “Atrás do quebra-mar de Candeias existia uma zona de deposição, feita de estrutura. Mas basta ir um pouquinho para o norte, na área do Sesc, que é tudo área de engorda, lá não tinha mais praia. Ao sul do quebra-mar, na região conhecida pela casa da família de Eduardo Campos, também não tinha mais praia alguma”, destaca o professor.

De acordo com ele, para se construir em cima de área de engorda seria necessário primeiro alargar essa engorda. “Por exemplo, para fazer uma obra de dez metros, seria necessário colocar mais dez metros de areia”, explica. Só que a manutenção da engorda ainda não foi feita e não há planos para aumentá-la. Considerada um sucesso, a engorda não precisou de manutenção quando fez cinco anos, em 2018. Agora, a prefeitura já admite alguns pontos de erosão. De acordo com o secretário Sidnei Aires, uma licitação para recompor a engorda deve ser aberta ainda neste ano.

O outro ponto conflitante no argumento da Prefeitura de Jaboatão é sobre o licenciamento. Ao contrário do que o secretário afirma, todo o licenciamento foi feito apenas pelo próprio município. Em nota à Marco Zero, a CPRH nega ter concedido licença para a obra. “A CPRH informa que as obras em questão estão enquadradas, segundo a Lei Estadual nº 14.249/2010, na tipologia Revitalizações/Requalificação de espaços Públicos. Conforme a Resolução Consema/PE nº 01/2018, compete ao Município o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades que causem ou possam causar impacto local. Portanto, o licenciamento da obra está sendo conduzida pela Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes.”

Ativistas pelo meio ambiente de Jaboatão dos Guararapes já ameaçam levar o caso para a Justiça. Enquanto isso, a obra segue sendo realizada. “Muitos almejam melhorias na orla, mas a melhor obra já feita foi a recomposição dessas praias maravilhosas, que, na época, não tinha quase mais nada de praia. A águas já estavam batendo na fundação dos prédios e hoje em dia você tem 30 metros de largura de praias em quase toda a área engordada. O maior trunfo da cidade não é um calçadão ou uma quadra, mas ter uma praia novamente. E isso pode ser colocado em risco”, afirma Barletta.

Resposta da Marco Zero ao secretário Sidnei Aires

Na manhã desta quinta-feira, após a publicação desta reportagem, o secretário Sidnei Aires entrou em contato com a Marco Zero para solicitar mudança no texto.

Na mensagem, o secretário fala que a reportagem está errada ao afirmar que ele falou que a obra passou por licenciamento da CPRH. “Não falei que o CPRH tinha licenciado o projeto. Falei que demos conhecimento a eles. O licenciamento é Municipal”, diz a mensagem.

Na gravação da conversa, porém, o secretário fala sim em licenciamento pela CPRH e pela SPU, inclusive afirmando que os licenciamentos eram necessários para a licitação da obra.

Segue a decupagem da fala:

“(repórter) Teve alguma licença para fazer a obra?

– Claro, claro, foi feito. Nós primeiro fizemos um estudo ambiental de todo o trecho…

– (repórter) Foi a prefeitura mesmo quem fez?

– Nós contratamos. Contratamos uma consultoria. É um pré-requisito. Depois que saiu esse estudo, nós fizemos a análise interna, mandamos para o CPRH, mesmo sendo uma intervenção municipal, mas como é praia, a gente também tem que dar ciência ao CPRH. Mandamos para o CPRH, em seguida o CPRH deu o ok. Mandamos para a SPU…

– (repórter) O que é SPU?

– SPU. Patrimônio da União.

– (repórter) Ah, certo.

– Praia né União? Então. Os órgãos foram todos…essas licenças…antes de licitar a obra, passou por toda essa fase. Para licitar tinha que ter todos esses licenciamentos. E foi cumprido e foi comunicado aos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas, que tem acompanhado o processo”.

Um indício de que a Prefeitura de Jaboatão afirmou não só para a Marco Zero que recebeu licenciamentos da CPRH e da SPU é uma matéria do dia 01 de julho deste ano, também sobre a orla, publicada no Jornal do Commercio. Há um trecho da matéria que diz: “Apesar de haver licenciamento pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) e pela Superintendência do Patrimônio da União em Pernambuco (SPU-PE), pesquisadores temem que a construção traga danos ao ecossistema do litoral jaboatonense”. Ou seja, os mesmos órgãos que o secretário citou à Marco Zero.

Outro ponto que o secretário contesta na reportagem é sobre a manutenção da engorda e os trechos da nova orla. “Esses trechos citados, que não se insere no trecho da requalificação, é que passaram (sic) p manutenção da engorda”, diz a mensagem.

No áudio da entrevista, o secretário afirma que “a qualificação é em todo o trecho” de praias. Esse também foi o discurso na cerimônia de inauguração. E , na entrevista, o secretário confirma que a engorda também foi feita em todo o litoral do município. “A engorda é nos 8 quilômetros da orla. A engorda foi feita em tudo”, antes de falar o discurso oficial de que “essa obra de qualificação não é na engorda. A engorda é na parte da praia. Essa qualificação é nos trechos juntos aos prédios”.

O que os especialista ouvidos pela reportagem alertam, no entanto, é que qualquer trecho de engorda, mesmo os que não necessitam atualmente de manutenção, não podem receber construções.

Abaixo a fala completa do secretário sobre a obra de manutenção da engorda:

“(repórter) Tem alguma previsão para manutenção da engorda?

Agora vamos falar sobre engorda. Você viu que eu quis separar a engorda da requalificação. São duas coisas distintas. A engorda foi feita no final de 2013 e já se previa a manutenção. Temos uma equipe de oceanógrafos que faz diariamente o monitoramento desses pontos e comunicamos ao Tribunal de Contas. Nesse monitoramento, há a previsão de uma manutenção preventiva mesmo. Com o tempo, alguns pontos desses 8 quilômetros podem perder material. A prefeitura está licitando, já alinhou com o Tribunal de Contas, e vamos licitar esse mês para alguns pontos, onde houver necessidade. A maré sobe e perde material. Em 8 quilômetros, não é nem 5%. Essa manutenção já era prevista e vai ser permanente. São coisas distintas. Vai ser feita a requalificação e a manutenção num trecho…”

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com