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Crédito: Géssica Amorim/MZ Conteúdo
Faz mais de dois anos que o Circo Alves parou de viajar pelo Brasil. Desde o início da pandemia, a sua trupe tem circulado apenas pelos bairros de Caruaru, no Agreste. Atualmente montado no distrito de Xicuru, zona rural do município, o circo tinha capacidade para receber mais de 500 pessoas antes da pandemia, mas hoje seus artistas, se alegram quando conseguem vender 50 ingressos por noite.
A família Alves mantém uma tradição circense que passa de geração para geração. A líder da trupe, Ira Gerdênia Alves, conhecida como Tita Alves, que nasceu e cresceu no circo, conta que, desde março de 2020, tem passado por dificuldades jamais vistas por ela ao longo do seu tempo de circo, ou seja, nos seus 52 anos de vida. “Em todo esse tempo, eu nunca me vi passando por uma situação como essa. Chegar ao ponto de faltar leite para os meus netos? Nunca. A gente sempre conseguiu o básico para deslocamento, manutenção das coisas, mas com a pandemia tem sido muito difícil”.
Na verdade, as restrições impostas pela pandemia só agravaram os problemas dos Alves, que, pouco tempo antes de ser decretado o lockdown, em janeiro de 2020, viram a lona do circo ruir, durante um temporal que atingiu o Agreste, período em que a família circense rodava com o seu espetáculo pela região. No desabamento, os artistas perderam muitos equipamentos e a sua única fonte de renda. “O meu circo caiu, acabou o meu circo. Iluminação, cadeira, aparelho de magia, som. Perdemos praticamente tudo”, conta Ira.
As dificuldades dos Alves foram começaram antes da pandemia e foram agravadas pela perda da lona, porém situação semelhantes se passa com a maior parte das quase 10 mil pessoas que tiram seu sustento nos 651 circos brasileiros mapeados pela Fundação Nacional de Artes (Funarte) em 2020. Em março de 2021, a Associação Brasileira de Artes, Cultura e Diversões Itinerantes (ABACDI) informou à Agência Brasil que a maioria dos artistas circenses não teve acesso aos recursos da Lei Aldir Blanc em razão da burocracia imposta pelos governos estaduais e municipais.
Em fevereiro de 2020, o Circo Alves teve uma chance para se recuperar da crise pela qual passava. Um amigo da família, que também é um artista circense, emprestou uma lona para que os Alves seguissem com os seus espetáculos e, assim, pudessem recuperar o ritmo de apresentações e de viagens que costumavam fazer antes da primeira paralisação das atividades.
A lona emprestada, que até hoje está com a família, é menor do que a antiga danificada pelo temporal. Isso fez com que os espetáculos sofressem adaptações e também com que a capacidade do circo para receber o público diminuísse. Mesmo assim, havia esperança de recuperação. Ainda que o circo recebesse menos gente, os artistas poderiam continuar circulando por vários lugares, como acontecia antes.
No entanto, infelizmente, em março veio a pandemia e a crise se agravou. O Circo Alves ficou preso em Caruaru. Não pôde sair da cidade e, de início, claro, nem abrir as suas portas ou rodar pelos bairros caruaruenses. “A pandemia foi a gota d’água. A gente está sempre mudando, a cada 15 dias, e tudo precisa de manutenção. A partir do momento que você passa mais de seis meses parado, tudo perece. As coisas enferrujam. Eu acordo à noite assustada, com medo de perder essa lona”, conta Tita.
Os integrantes da família Alves nunca trabalharam com outra coisa. De repente, precisaram buscar alternativas para conseguir se sustentar e manter o circo de pé. Isso abalou a família não só financeiramente, mas também psicologicamente. Tita Alves conta como foi difícil o período mais crítico para a sua família até aqui, desde o início da pandemia. “Nós fomos para os sinais aqui de Caruaru. Tudo o que aparecia, a gente tentava fazer. Arrumava um bico aqui, outro ali. A minha maior dor era ver meu material estragando e o meu psicológico ficar abalado. O sinal serviu para eu não enlouquecer. Eu trago uma carga genética itinerante. A gente não aguenta passar mais de um mês em canto nenhum. Nossa vida é o circo. Nós nascemos no circo, vivemos no circo, engravidamos no circo. Nós simplesmente não moramos em lugar nenhum”.
Ao todo, 25 pessoas integram o Circo Alves. Muitas delas precisaram se mudar e acompanhar outros parentes, também donos de circo, espalhados por outros lugares do país. Ao lado de Tita, ficaram o marido, dois filhos, duas noras, quatro netos e um sobrinho com a sua esposa e dois filhos. Ela conta que, além de se separar, a família precisou vender alguns veículos e até equipamentos usados nos números dos espetáculos. “Vendemos muita coisa. Vendemos trailer, carro de propaganda, som, e até aparelhos de mágica. O que a gente podia vender pra se manter, a gente vendeu. Tudo tem sido muito difícil”.
Mesmo com a volta gradual aos teatros, cinemas e outros eventos sociais, continua sendo difícil para a família Alves se manter com o pouco que consegue arrecadar na bilheteria do circo. Ainda assim, Tita se mantém otimista e segura da importância do seu trabalho e da sua arte. “Nesse retorno, que não é um retorno total, a gente está trabalhando bem mais barato, trabalhando clandestinamente, sem poder pagar as taxas que a prefeitura exige pra gente poder ocupar o espaço. Mas isso aqui é a minha vida. E a cultura vai perder muito se eu desistir do meu circo. A cultura salva, preserva a história. A arte permite ao ser humano sonhar. Eu não desisto fácil. Nessa pandemia, a gente não espera muita coisa, só o suficiente pra gente ir se mantendo. O que Deus me der a mais, eu sou grata”.
Esta reportagem foi produzida com apoio do Report for the World, uma iniciativa do The GroundTruth Project.
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