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O jumento nosso irmão na tela da TV

Luiz Carlos Pinto / 12/12/2018

As mudanças pelas quais passam as comunidades sertanejas vêm sendo acompanhadas e documentadas de diversas maneiras. Tanto o jornalismo quanto pesquisas em ciências sociais têm demonstrado o acelerado processo pelo qual costumes, formas de consumo e de relacionamento, bem como o trabalho, têm se transformado. Hoje, estreia, na TV Pernambuco, a série Na Contramão. Produzida em parceria pela Rima Cultural e REC Produtores, os três episódios do trabalho mostram mais aspectos do processo pelo qual um certo modo de vida está deixando de existir no Sertão.

Os episódios (26 minutos cada) foram gravados em municípios interioranos de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e da Bahia. Nelas, o cultivo da terra e a própria edificação das cidades, assim como o transporte das pessoas, dependeu fortemente do jegue. O incentivo ao consumo nos anos dos governo Lula e a oferta de crédito facilitado chegaram ao interior como impulsos para se adotar o transporte motorizado – em particular de motos.

Ao adotar as motos para o transporte pessoal e para pastorear o gado, o resultado mais evidente é o abandono dos animais, que passam a vagar à beira de estradas e em territórios baldios – as motos também representam os maiores índices de acidentes automobilísticos em diversos estados do Nordeste. É essa janela que Na contramão capta de forma bem precisa, e algumas de suas consequências.

“Quando iniciamos as viagens de pesquisa e pré-produção, tínhamos o foco de abordar a substituição dos jumentos pelas motos. No decorrer das viagens, apareceram outros aspectos, como o tráfico internacional de peles”, detalha o produtor Chico Ribeiro, da REC. “Percorremos quase quatro mil quilômetros de estradas e encontramos muitas pessoas preocupadas com a situação destes animais”, conta Chico.

Uma das soluções para o problema dos acidentes noturnos causados pela presença dos animais nas estradas são os confinamentos em fazendas especializadas – mas é uma solução que gera outro drama. É que, ao ser aprisionado, se deprime e morre, ou como diz o coordenador da Fazenda Paula Rodrigues, em Santa Quitéria (CE), Raimundo de Araújo: “O animal é andarilho, e fica sentido ao ser mantido preso na cerca”.

A série revela ainda a formação de um número crescente de Organizações Não Governamentais (ONGs) e grupos de proteção do jumento contra as iniciativas de abate clandestino – movimento que se intensificou depois do interesse de empresários chineses em importar couro e carne de maneira ilegal.

Se o jumento é nosso irmão, seu abandono e as ameaças a sua integridade física são, na verdade, sinais de que parte do imaginário que compõe o modo de vida sertanejo deixará de sacolejar nas estradas e ruas do interior. Há um futuro em que o jumento nosso irmão fará parte somente do sertão mítico?

Na Contramão foi desenvolvido a partir da chamada publica FSA 01/2014 – Arranjos regionais, lançada pela Empresa Pernambuco de Comunicação e pela Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti), junto com a Ancine, por meio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). A série foi dirigida por Marcelo Pinheiro, com roteiro de Ricardo Mello e Rafael Marroquim e direção de fotografia de Ivanildo Machado.

Serviço:

Estreia da série documental Na Contramão – Dias 12, 13 e 14 de dezembro, na TV PE, às 20h15.

 

AUTOR
Foto Luiz Carlos Pinto
Luiz Carlos Pinto

Luiz Carlos Pinto é jornalista formado em 1999, é também doutor em Sociologia pela UFPE e professor da Universidade Católica de Pernambuco. Pesquisa formas abertas de aprendizado com tecnologias e se interessa por sociologia da técnica. Como tal, procura transpor para o jornalismo tais interesses, em especial para tratar de questões relacionadas a disputas urbanas, desigualdade e exclusão social.