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O que esperar da política de vacinação do terceiro governo de Lula?

Maria Carolina Santos / 26/12/2022
ula, ainda com alguns cabelos escuros e barba mais farta, posa sorrindo enquanto é vacinado por José Serra, homem branco calvo, magro, com semblante bem humorado, usando camisa azul claro de mangas compridas arregaçadas, aplicando injeção no braço esquerdo de Lula.

Crédito: Ricardo Stuckert

Poucos dias após Lula (PT) ser eleito, o futuro vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) afirmou que o novo governo iria começar com uma grande campanha de vacinação, a partir de janeiro. Coordenador da transição do terceiro governo Lula, ele afirmou que, entre as medidas que estão, sendo discutidas está a retomada da cobrança da carteirinha de vacinação para o recebimento de programas sociais e de matrículas em escolas. As declarações de Alckmin não foram casuais, pois é quase certo que o governo Lula vai enfrentar desafios imensos no campo da vacinação, apontam especialistas ouvidos pela Marco Zero.

O primeiro deles é conseguir que a população se engaje novamente nas campanhas de vacinação. Isso porque os índices de vacinação dos brasileiros têm caído e não é de hoje: de 2015 para 2016 a cobertura da vacinação de poliomielite caiu de 97% para apenas 72%. As campanhas de vacinação foram desidratadas, passando de um orçamento de R$97 milhões em 2017 para R$33 milhões em 2021. Na fala de Alckmin, ele destacou que a ideia era a participação de jogadores de futebol e artistas para ajudar a convencer a população a se vacinar.

Com a confirmação da socióloga Nísia Trindade, atualmente presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para o Ministério da Saúde, a comunidade científica está otimista de que a vacinação tenha um papel importante no próximo governo.

Para o pesquisador da Fiocruz-Pernambuco Rafael Dhalia, o que se espera do governo Lula é o resgate do Programa Nacional de Imunização (PNI), com um investimento maciço para fortalecer a sua infraestrutura física e seus recursos humanos. “O governo Lula precisa investir nas grandes campanhas nacionais de vacinação, para voltarmos a ser referência em coberturas vacinais contra doenças previamente erradicadas. É necessário combater as fake news, o obscurantismo e voltar a valorizar a ciência e os órgãos públicos de saúde”, disse.

No governo Bolsonaro, o Brasil viu as taxas de vacinação diminuírem ainda mais e o país voltou a ser considerado de risco para poliomielite. Apesar do sucesso inicial, com mais de 80% da população adulta vacinada com as duas doses contra a covid-19, as doses de reforço não tiveram a mesma adesão, com apenas 58% da população recebendo a terceira dose. “O que observamos no atual governo foi um completo descaso em relação à pandemia de covid-19. O presidente promovia aglomerações, ignorava o uso de máscara e ainda desencorajava a população a se vacinar. O PNI foi completamente negligenciado. A consequência dessa atitude genocida foi uma escalada de mortes sem precedentes na história do Brasil”, avalia o pesquisador..

A epidemiologista Denise Garrett, do Instituto Sabin, faz coro com Dhalia na necessidade de se reconstruir as políticas de vacinação no Brasil. “Nós sempre tivemos um programa de imunização que era de dar orgulho e que foi desmantelado e sucateado. As decisões na pandemia foram feitas por pessoas que não tinham conhecimento técnico”, diz Garrett., apontando que os desafios do governo Lula serão enormes. “É muito mais do que recuperar um tempo perdido. Além de não ter sido feito avanços, houve um grande retrocesso”.

O foco da imagem está nos desenhos de uma família do personagem Zé Gotinha estampada em uma camisa azul que uma pessoa de pele escura está usando. Uma das mãos dessa pessoa segura um vidro de vacina e a outra segura a seringa com agulha que puxa o líquido do imunizante de dentro do pequeno recipiente.

Campanhas de vacinação mobilizavam o país em um único dia. Crédito: Tomáz Silva/Agência Brasil

O médico virologista Ernesto Marques, pesquisador de vacinas e professor da Universidade de Pittsburgh, espera que o novo governo também faça pontes com o setor privado de biotecnologia. “O Brasil não tem uma indústria forte de biotecnologia, que é dominada por dois grandes fabricantes, a Fiocruz e o Butantan. Mas não temos start-ups e empresas menores. Seria bom ampliar essa indústria, porque daria mais flexibilidade, mais capacidade de inovação. E depois a produção em larga escala ficaria com as grandes fábricas”, afirma.

Outro ponto que Ernesto destaca é a qualidade e o gerenciamento das informações do setor público de saúde, que conta com prontuários, informações de saúde e carteira de vacinação acessíveis em qualquer hospital ou posto de saúde do país. “Eu diria que para cada R$ 1 que o governo investir em sistemas de informação, ele vai economizar R$ 10”.

O gargalo da vacinação infantil

Um estudo recente da Fiocruz mostrou que, do começo de 2022 até 11 de outubro, o Brasil registrou uma morte por dia entre crianças de 6 meses a 5 anos diagnosticadas com covid-19. Foram 314 óbitos no período. Mesmo sendo uma doença mortal, a imunização de crianças contra a covid-19 avança em ritmo lento no Brasil.

Segundo dados do Ministério da Saúde analisados pela Fiocruz, apenas sete de cada 100 crianças de 3 e 4 anos receberam as duas doses da vacina. Do total de 5,9 milhões de crianças nessa faixa etária, somente 1.083.958 tomaram a primeira dose da vacina contra a covid-19, enquanto 403.858 completaram a imunização com a segunda dose. Isso apesar de, desde julho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter aprovado o uso emergencial da vacina Coronavac em crianças de 3 e 4 anos.

Desde setembro, a vacina Pfizer pediátrica está aprovada para bebês e crianças de 6 meses a 4 anos. Mesmo com a procura aquém do esperado dessas vacinas, vários estados e municípios, como o Recife, tiveram que paralisar a vacinação das crianças por falta de envio do imunizante pelo Ministério da Saúde.

Para o pediatra Eduardo Jorge, representante em Pernambuco da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a primeira tarefa do novo governo é recuperar a credibilidade da vacinação junto às famílias das crianças. “O ponto chave é uma comunicação efetiva. Nós tínhamos nos anos 1990, nos anos 2000, campanhas de vacinação de um dia só e toda a população acreditava, ia nos postos de saúde. Nós conseguíamos em um único dia vacinar 95% da população alvo. Hoje, a gente faz campanhas tímidas, sem envolvimento da sociedade, com pouca divulgação na mídia. Vejo com muito bons olhos a notícia que nos primeiros dias de janeiro vai haver uma grande campanha de vacinação”, afirmou. “Espero que o novo governo tente, de forma rápida, recuperar as coberturas vacinais Brasil e acredito que a vacinação voltará a ser uma prioridade”.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org