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Crédito: Arquimedes Santos/PMO
Por Inácio França e Raíssa Ebrahim
O resultado do pregão das 17 cotas de patrocínio oferecidas pela prefeitura de Olinda, a poucas horas da abertura do carnaval nesta quinta-feira, dia 28, será decisivo para garantir a infraestrutura e as atrações da folia olindense. Com custos maiores que em anos anteriores e sem os recursos do patrocínio master de uma grande indústria de bebidas, a prefeitura teria de custear o carnaval com seus próprios recursos.
A pesquisa nos editais de licitação e contratos firmados pela prefeitura para o carnaval – e publicados até a manhã desta quarta-feira no site oficial do município – revela que, apesar da redução de quatro palcos e polos oficiais (eram 12 em 2018, serão oito neste ano), o orçamento da festa em 2019 deverá ser maior do que em 2018.
Pelo menos em quatro dos cinco itens já licitados, os valores dos contratos ultrapassam os valores do carnaval passado:
153% a mais por serviços de palco: O aumento mais significativo está no contrato com de terceirização da mão de obra que cuida da produção e operação de cada polo, incluindo diretores de palco, cenógrafos, iluminadores, técnicos de som e equipe de apoio, por exemplo. De acordo com o site Tome Conta, do Tribunal de Contas do Estado (TCE), em 2018 a prefeitura pagou R$ 1.102.950,00 à MC Produções, Promoções e Eventos Culturais. Nesta quarta-feira, o Diário Oficial confirmou que a Status Som Entretenimento Ltda. realizará esses serviços por R$ 2.794.063,35. A nova empresa, Status, irá receber mais do que a MC pelos carnavais 2017 e 2018 somados (R$ 2.191.754,21, segundo o TCE).
43,6% a mais em tapumes: Para instalar os tapumes que protegem os monumentos históricos da Cidade Alta, a prefeitura gastou em 2018 o total de R$ 91.874,74 junto à Alliance Locações e Serviços. Em 2019, serão R$ 132.000,00, valor da contratação da V2 Tecnologia e Soluções Ambientais.
30,6% a mais pelas fitas decorativas: As tradicionais fitas decorativas que se tornaram a marca do carnaval de Olinda também vão custar mais esse ano. A empresa Resultados Soluções e Eventos Ltda. irá receber R$ 102.960,00 pela “confecção de fitas coloridas em TNT costuradas em cordas de seda, com 70 cm de altura, resistentes a sol e chuva”. Em 2018, tal serviço custou R$ 78.840,00, pagos à empresa Ativa Construção, Sinalização e Decoração Ltda.
22,3 % a mais por serviços de buffet: A secretaria de Patrimônio, Cultura e Turismo também gastará mais com o serviço de buffet que irá servir seus convidados durante o carnaval. Em 2018, o contrato com a VCR Ramos foi no valor de R$ 173.959,32, enquanto que, para 2019, já foi homologada a contratação da F&R Eventos, Locações e Serviços Ltda. por R$ 223.990,00.
65,3% a menos em lanches para os filhos e filhas dos vendedores ambulantes: A única redução orçamentária constatada na pesquisa das licitações foi o gasto com as refeições e lanches das crianças, que ficam sob cuidados dos educadores e assistentes sociais da Secretaria de Desenvolvimento Social, Cidadania e Direitos Humanos, evitando o trabalho infantil no comércio ambulante de bebidas. Em 2018, três empresas forneceram os lanches e almoços por R$ 138.500,00, incluindo as refeições dos monitores e animadores. Este ano, a licitação prevê a apenas R$ 47.986,90 pelo serviço. O problema é que todas as empresas participantes da concorrência foram consideradas inabilitadas e nenhum contrato foi firmado.
Após a publicação desta reportagem, o secretário de Patrimônio e Cultura, João Luiz da Silva Júnior, enviou a seguinte contestação: “Há um equívoco na análise das despesas do Carnaval. Por exemplo: o processo licitatório para terceirização objetiva formar uma ata de registro de preços para todas as atividades do ano de 2019, não só o carnaval. Aquele valor que postado é o valor máximo que podemos gastar ao longo do ano com terceirização. Do mesmo modo, os itens de estrutura, som entre outros. Considerando que ano passado o Carnaval custou aproximadamente 8 milhões – e seu blog prevê um teto de 6,5 para esse -, ocorre uma contradição nos valores apontados. Os números finais do Carnaval só conseguimos dar após o término do evento, quando comparamos o previsto com o efetivamente gasto.”
A consulta às licitações olindenses também ajuda a entender como e porque o carnaval da cidade, pela primeira vez desde 2002, ficou sem o patrocínio da indústria de bebidas. Sob a condição de ter sua identidade mantida em sigilo, um profissional que acompanhou de perto as negociações, apresentou uma versão que pôde ser verificada pelos atos e editais publicados no site da prefeitura.
De acordo com esse relato, o nó da questão foi a insistência da prefeitura em não garantir a exclusividade da venda de refrigerantes para o patrocinador master. O patrocinador só poderia contar com a comercialização de cervejas. Em troca, a empresa que investisse no carnaval de 2019 receberia a garantia de patrocinar também o de 2020, por um valor igual ao da folia deste ano. A intenção dos gestores de Olinda seria atrair outro patrocinador de peso interessado na comercialização não exclusiva de refrigerantes.
No cálculo dos gestores, a Ambev aceitaria a venda exclusiva apenas para cervejas, enquanto a Coca-Cola patrocinaria a festa a partir da promessa de, finalmente, comercializar refrigerantes livremente. Assim, a prefeitura tentou negociar com as duas empresas. Não deu certo.
Depois de vários acenos positivos, a Coca-Cola teria desistido ainda nos primeiros dias de janeiro. Restou aos negociadores da prefeitura tentar contornar a irritação que a manobra teria causado entre os executivos da Ambev. Mais uma vez, não funcionou. A cervejaria manteve o diálogo, mas não apresentou qualquer proposta oficial.
Os documentos públicos não contrariam essa versão. O primeiro edital, cujo pregão aconteceria em 29 de novembro, realmente só mencionava “CERVEJA”, escrita em letras maiúsculas e sublinhado. E dessa forma foi até 9 de janeiro, data de mais um pregão fracassado. A partir daí, o texto do edital foi modificado, com a licitação passando a ser dirigida às empresas de “bebidas/cervejas e/ou refrigerantes”. Nem assim, o humor da Ambev mudou.
Ao menos até a manhã de quinta-feira, oficialmente Olinda só conta com R$ 1 milhão da Uber e R$ 100 mil da Pitu, pois ainda não foi publicado nenhum documento que confirme o patrocínio do Patteo Shopping.
A Marco Zero Conteúdo procurou a secretaria de Comunicação do município para conhecer o posicionamento do prefeito Professor Lupércio sobre a dificuldade de captar recursos e o impacto da situação nos cofres públicos, mas recebeu a resposta de que ele só falaria sobre o assunto após o resultado do pregão para tentar captar outras 17 cotas de patrocínio.
A assessoria do prefeito informou, contudo, que os ajustes e reduções realizados pela Secretaria de Patrimônio e Cultura, com apostas em atrações locais, serão suficientes para que o carnaval se pague. A equipe da prefeitura tem esperanças de que a Ambev compre, pelo menos, três cotas de R$ 1 milhão.
Se por um lado haverá liberdade de compra e venda de qualquer marca de bebida no Carnaval de Olinda este ano – o que não acontecia há quaseduas décadas -, por outro as operações, o ordenamento e a estrutura de distribuição estão sendo impactados porque aAmbev não será a patrocinadora master da festaem 2019.A cervejaria, além de aportar a maior parte dos recursos necessários para colocar o evento na rua, ficava responsável por estruturar o comércio informal. A gigante de cervejas, que ditava as regras, vendia bebidas em consignação, distribuía freezers e kits padrões com camisa e boné, por exemplo. A Ambev era a responsável pelas centrais, como o que era montado no bairro do Bonsucesso e no quintal da biblioteca do Sítio Histórico. Tudo isso facilitava a compra e a distribuição de material.
Os comerciantes informais foram pegos de surpresa com a notícia, às vésperas da folia. Nesta quarta pela manhã, microempreendedores que há anos armam barracas na avenida da Liberdade, na Praça do Carmo, onde acontecerá a abertura do Carnaval amanhã, estavam ainda no aguardo da Ambev e estranhando a lentidão das entregas. Quando soube do fato, Simone da Silva, no ponto há 10 anos, quase passa mal. “Com minha estrutura quase finalizada, como vou fazer agora? Não tenho dinheiro pra comprar as minhas 200 caixas de bebidas. A essa altura, a gente já estaria com tudo montado, freezer e bebidas em mãos”.
“Complicou a situação, viu? Este ano estou tendo que comprar no cartão e pegar dinheiro com agiota pra poder montar minha barraca. Com a Ambev, eu pegava isopor, guarda-sol, camisa, boné…”, recorda a ambulante Janecleide Pereira, que tem um ponto na Travessa da Prudente de Morais há 16 anos. Mesmo com a proibição de venda de outras marcas nos anos anteriores, ela atesta o que todos sabem: dava para comprar e vender outras marcas mesmo o monopólio sendo da Ambev.
A questão da exclusividade teria sido um dos fatores que afastaram a cervejaria. Mas a situação de Simone e Janecleide é o retrato do monopólio e da dependência que o esquema de patrocínio master de bebidas criou no Carnaval de Olinda. Depois de cinco licitações vazias, a prefeitura não conseguiu fechar a cota em 2019. Enquanto isso, a Arosuco, subsidiária da Ambev, está aportando cerca de R$ 16,1 milhões no Carnaval de São Paulo este ano, o maior recurso privado que a cidade já teve.
Edilson Figueiredo, da Janela do Macgyver (a janela da própria casa), na Prudente de Morais, não via vantagem nenhuma e comemorou a queda da exclusividade. “Você que vender uma Coca e não pode. E a Ambev nunca me deu nada mesmo, nunca botou uma placa aqui. Só espero que não tenha um acordo de última hora porque já investi”.
Até o momento, a soma dos patrocínios obtidos seria a metade do valor esperado para a festa deste ano, de R$ 6,5 milhões, segundo informações da administração municipal. O dinheiro não chegando, o poder executivo terá que abrir os cofres do município para bancar o Carnaval 2019.
A abertura das propostas será feita na quinta (28), às 9h, na sede da Central de Licitações, no Varadouro. Os valores estão distribuídos em 17 cotas da seguinte forma: três cotas de R$ 1 milhão para patrocinador, cinco cotas de R$ 200 mil para Apoio I e nove cotas de R$ 100 mil para Apoio II, totalizando quase R$ 5 milhões.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com